01 dezembro 2007

MAZELAS DO PAÍS

Educação é a base


Basicamente, podemos afirmar que o sistema educacional brasileiro enfrenta três dificuldades clássicas: gasta-se pouco, mal e de forma errada.

Em primeiro lugar, gasta-se pouco. Por exemplo, enquanto o Brasil (o 72.º classificado de uma extensa lista de 177 países do "Relatório do Desenvolvimento Humano de 2004 da ONU") investiu 4,0% do PIB em educação no período de 1999 a 2001, a vizinha Argentina (o 34.º país) investiu 4,6%. Outro fato é que só 6 países, entre os 20 primeiros colocados, investiram abaixo de 5% — e a Suécia (o 3.º país) chegou a aplicar fantásticos 7,6%.

Assim flui a triste realidade dos países subdesenvolvidos e a origem das distorções impostas pela civilização contemporânea. Enquanto o Brasil aplica US$ 131,61 per capita em educação, a campeã mundial Noruega investe US$ 2.204,71 — ou seja, quase dezessete vezes mais. Se consideramos o exemplo e se o Brasil tiver a pretensão de um dia alcançar a Argentina, precisará triplicar os seus atuais investimentos. Os números são gritantes, as anomalias exageradamente desfavoráveis e nada se fez/se faz para alterar o quadro.

Em 2005, o Brasil gastou R$ 157,1 bilhões em juros com os credores internos e externos, valor equivalente a 8,13% do PIB, apenas para manter as injustas desigualdades, sem conseguir diminuir o valor da dívida. A desesperança aumenta, a tristeza aprofunda-se e a indignação consome a alma, quando descobrimos que, naquele mesmo ano de 2005, foram investidos apenas 16,187 bilhões em educação. Ou seja, por volta de 10% do que se gastou com juros. Como se observa, recursos existem, o que falta é vontade de fazer! Não existe mágica.

Desenvolvimento, qualidade de vida, investimentos e educação são sinônimos que não podem existir separadamente. Mantido o atual quadro, só resta concluir que a diferença entre os diversos países nunca será diminuída, aliás, é certo afirmar que tende a aumentar, a níveis inimagináveis e insuportáveis. Resumo: uma parcela significativa das populações está condenada ao eetrno subdesenvolvimento.

Em segundo lugar, gasta-se mal. Do total investido em educação, cerca de metade se perde no filtro cruel das oligarquias, ou nos meandros escuros e mal-cheirosos da burocracia, antes de adentrarem as salas-de-aula. Falta direcionar melhor os investimentos.

O País optou por pagar salários ridículos aos professores da ativa, em todos os níveis, enquanto permite que um enorme contingente se aposente, muitos no auge da atividade intelectual e alguns com menos de 50 anos. Estas características perversas fazem com que os professores da ativa precisem dar até 240 horas de aula por mês, em salas desconfortáveis, superlotadas, para alunos despreparados e desmotivados, transformando-se em profissionais frustrados, desestimulados, desinteressados, estressados, sem tempo para preparar-se ou dedicar-se, seja à vida pessoal, à família ou à atividade profissional, potencializando as dificuldades.

Falta seqüência aos investimentos. Uma parcela significativa dos investimentos acaba remanejada para prédios suntuosos ou programas espalhafatosos, que serão imediatamente desativados tão-logo assumam os novos governantes, os quais, por sua vez, iniciarão outro ciclo de investimentos inconclusos.

Falta objetividade nos investimentos. Existe um exército considerável de profissionais, altamente qualificados, que, após o Estado investir rios de dinheiro em uma complicada e demorada formação acadêmica, cheia de riscos, depois de estarem preparados intelectualmente, como o País não oferece condições dignas, eles precisam ir trabalhar em outros países.

Isto quando não ocorre caso similar ao do "astronauta brasileiro" — que, imediatamente após sua viagem ao espaço, solicitou aposentadoria. Ridículo o país que isso permite.

Falta clareza nos resultados pretendidos. Apesar da Coréia do Sul (o 28.º país) aplicar menos per capita que a Argentina (o 34.º país) ou que o Brasil (o 72.º país), os seus resultados são melhores e mais significativos. Isso não quer dizer que os investimentos coreanos foram menores, uma vez que lá, parte foi realizada pela iniciativa privada, não contabilizada pela pesquisa.

Por fim, em terceiro lugar, gasta-se errado. Uma parcela significativa dos escassos recursos destina-se ao ensino superior e é absorvido por universidades elitistas, com alguns projetos mirabolantes e, o restante, de resultado despretensioso. Quase todas cercadas de funcionários insatisfeitos, mal-remunerados, trabalhando em péssimas condições profissionais, vivendo longos e inaceitáveis períodos de greves e produzindo o mínimo, sem um objetivo definido e contribuindo para a formação de profissionais que se frustrarão, pelo fato do mercado rejeitá-los.
Somente países que apostaram no ensino fundamental universalizado, de qualidade, invertendo maciças transferências, realizadas de forma correta e sistemática, conseguiram sucesso e superaram o anacrônico subdesenvolvimento.

Nestes Estados vencedores, as crianças são obrigadas a estudar, no mínimo, 12 horas por dia, em ambientes com infra-estrutura adequada, assistidas por professores motivados.

Na outra ponta, o ensino superior foi relegado a universidades subsidiadas e bancadas por empresas privadas, que sabem exatamente o que pretendem dos futuros profissionais. Com isso, elas só sobrevivem através de fartos incentivos fiscais e de pesquisas úteis, direcionadas especificamente para os mercados ascendentes locais. Para atender aos objetivos formulados, além da necessária e indispensável eficiência administrativa, esses países valorizaram os professores, de forma que a categoria passou a ser reverenciada como a mais eminente e respeitada.

O Estado se tornou vetor, promovendo olimpíadas de Matemática, competições de Informática e concursos literários, forçando o permanente acirramento da competição entre alunos, professores, escolas e cidades. Tudo passou a girar em torno da instituição Escola, de forma que não existe nada mais valorizado e referenciado do que o ensino.

Nesses países, vencedores, a educação passou a definir quem serão os cidadãos reconhecidos e privilegiados com as melhores oportunidades, salários e qualidade de vida. A sociedade encontrou, na escola, um instrumento fundamental para a ascensão humana. Estas dificuldades encontram-se retratadas no "Relatório do Desenvolvimento Humano de 2004".

Mais uma vez fica evidente que o Brasil permanece na contra-mão da História, ou seja, não consegue atender às necessidades mínimas exigidas pela economia globalizada. O jovem brasileiro entra para o mercado de trabalho despreparado, com uma escolaridade média de apenas 6 anos (enquanto a força de trabalho, considerando todas as idades, é de 4 anos e meio).

Já nos países desenvolvidos, esta média ultrapassa 11 anos e, nos demais, em desenvolvimento, supera 8 anos. O maior desafio continua: como melhorar o ensino, principalmente o básico, de forma a produzir mudanças substanciais na qualidade do aprendizado das crianças?

As escolas públicas precisam se transformar em prioridade nacional. O ensino básico precisa formar os adolescentes para que sejam capazes de competir pelas vagas das melhores universidades — e, futuramente, pelos melhores empregos.

O Estado tem que garantir um ensino superior de qualidade, apenas para quem se destaca no ensino fundamental, eliminando o vestibular elitista e premiando uma análise que contemple todo o histórico escolar do candidato, independente de credo, cor, raça e, principalmente, da sua condição econômica. Não deve cair na tentação de privilegiar as minorias sem competência. As distorções precisam ser enfrentadas e vencidas.

As comunidades precisam se envolver, de forma a encontrarem as próprias soluções. Hoje é comum a notícia de professores agredidos, com carros roubados, gangues organizadas dentro das classes, tráfico de drogas, alunos bêbados ou armados, sem que a sociedade compreenda que é ela mesma a única responsável. Estes problemas tornaram-se um reflexo perverso da desconsideração com relação ao ensino, exatamente, pelo fato de ninguém reconhecer a escola como uma porta segura, capaz de proporcionar a imediata ascenção social.

A Escola precisa voltar a ser o local onde a sociedade encontra a cidadania, excluído o patrulhamento policial em uma sociedade na qual todos estejam aptos, por meio da educação que receberam, para realizar uma vigília moral coletiva.

Em cada um dos dintintos estágios da vida as pessoas nascem, crescem, se desenvolvem, produzem, se reproduzem, envelhecem e morrem. Em todos eles ocorrem distintas atividades intelectuais, responsáveis por diferenciar um dos outros.

Sempre existiu quem, ao atravessar as mesmas etapas, deixou marcas profundas, alterou a sociedade e legou valores dignos que precisam ser expostos e reverenciados. Assim, no palco da vida, lembramo-nos do cearense de Ipu Delmiro Gouveia (1863-1917): ele claramente percebeu que os homens tornam-se livres quando escolhem, por si, os próprios destinos. Entre outros notáveis que também assim concluíram, ele entendeu que isso só seria possível pela educação.


*Alberto Cosme Gonçalves é engenheiro civil e escritor. Adaptação de excerto de seu livro inédito Delmiro Gouveia: era uma vez no sertão... previsto para ser lançado em maio de 2008 durante as comemorações dos 80 Anos do jornal O POVO

** Imagem: queda d'água (Bica) do Ipu/CE



SAIBA MAIS