09 agosto 2010

CRESCIMENTO INSUSTENTÁVEL

Batendo no teto*


"Decrescimento", diz o graffiti inscrito sobre a Coluna de Julho (monumento localizado na Praça da Bastilha em Paris, França) durante protestos dos trabalhadores (greve geral) realizados em 28 de março de 2006 (vivos, certamente, até hoje).

Decrescimento é um conceito essencialmente econômico, mas também político, cunhado na década de 1970, parcialmente baseado nas teses do economista romeno e criador da bioeconomia, Nicholas Georgescu-Roegen, as quais foram publicadas em seu livro The entropy law and the economic process (1971).

A tese do decrescimento baseia-se na hipótese de que o crescimento econômico -- entendido como aumento constante e progressivo do PIB-Produto Interno Bruto em qualquer sociedade humana -- não é sustentável pelo ecossistema global. Esta ideia opõe-se cabalmente ao pensamento econômico dominante, segundo o qual a melhoria do nível de vida só seria possível em decorrência do crescimento do PIB e, portanto, o aumento do valor da produção deveria ser um objetivo permanente da sociedade.

A questão principal, segundo os defensores do decrescimento -- dos quais o também economista e filósofo francês Serge Latouche é o mais notório -- é que os recursos naturais são limitados e, portanto, não existe crescimento infinito. A melhoria das condições de vida deve, consequentemente, ser obtida sem aumento do consumo -- o que implica, necessariamente, na mudança do paradigma atualmente dominante.

Segundo seus críticos, as principais consequências do produtivismo, entendido como a ênfase dada aos aumentos de produtividade e ao crescimento, nas sociedades industriais, tanto socialistas como capitalistas, seriam:

• o esgotamento dos recursos energéticos (petróleo, gás, urânio, carvão) no próximo século, caso se mantenha o atual ritmo de crescimento do consumo;
• o valor decrescente de diversas matérias-primas e o crescente de outras;
• a degradação ambiental, evidenciada pelo efeito estufa, pelo aquecimento global, pela perda da biodiversidade e pela poluição;
• a degradação da flora, da fauna e da saúde humana;
• a evolução do padrão de vida dos países do hemisfério Norte em detrimento dos do Sul, no que diz respeito a transportes, saneamento, alimentação etc.

Embora o produtivismo tenha sido parcialmente questionado pelos defensores do desenvolvimento sustentável, a crítica dos adversários do crescimento é mais radical, já que consideram o próprio desenvolvimento (ou crescimento) sustentável como um oxímoro -- ou seja, uma contradição, em termos.

O desenvolvimento (ou crescimento) não pode ser sustentável, uma vez que o aumento constante da produção de bens e serviços também provoca o aumento do consumo de recursos naturais -- acelerando, assim, o seu esgotamento. É urgente perceber que 20% da população mundial já consomem 85% dos recursos naturais do planeta (!).

Além disso, os adeptos do decrescimento tentam mostrar que mesmo a tão esperada "desmaterialização da economia" -- que deveria ocorrer pelo deslocamento do eixo da atividade econômica para o setor terciário, menos demandante de recursos naturais e, particularmente, de energia -- acabou por se revelar uma ilusão.

Segundo Serge Latouche, a "nova economia" é relativamente imaterial (ou menos material), porém, mais do que uma substituição da antiga economia pela nova, o que existe são relações de complementaridade entre ambas. No final, todos os indicadores mostram que a extração de recursos continua a crescer.

Conforme Latouche, o conceito de decrescimento baseia-se, num primeiro momento, na crítica antropológica da modernidade e do homo economicus, elaborada a partir dos anos 1970, quando a mensagem de pensadores (como o austríaco Ivan Illich) é a de que viveríamos melhor de outra maneira -- ou seja, seria desejável sair deste sistema.

O segundo momento da Teoria do Decrescimento -- ligado, principalmente, à ecologia e ao relatório do Clube de Roma -- é perceber quando se torna imperativo, por razões físicas, sair desse sistema (mais sobre a entidade em < http://www.clubofrome.org/ >).

"Fomos formatados pelo imaginário do 'sempre mais', da acumulação ilimitada, dessa mecânica que, se um dia pareceu'-nos virtuosa, agora se mostra infernal, por seus efeitos destruidores sobre a humanidade e o planeta. A necessidade de mudarmos esta lógica é a de reinventar a sociedade em uma escala humana, uma sociedade que reencontre seu sentido da medida e do limite que nos é imposto, porque, como dizia meu colega Nicholas Georgescu-Roegen, 'um crescimento infinito é incompatível com um mundo finito'", afirma Latouche.

E há mais (muitos mais) argumentos:

• o funcionamento do sistema econômico atual depende essencialmente de recursos não renováveis e, portanto, não pode se perpetuar: as reservas de matérias-primas são limitadas, sobretudo quanto a fontes de energia, o que contradiz o princípio de crescimento ilimitado do PIB;
• não existe evidência da possibilidade de se separar o crescimento econômico do aumento do seu impacto ambiental;
• a riqueza produzida pelos sistemas econômicos não consiste apenas de bens e serviços, mas há outras formas de riqueza social -- tais como a saúde dos ecossistemas, a qualidade da justiça e das relações entre os membros de uma sociedade, o grau de igualdade e o caráter democrático das instituições. O crescimento da riqueza material, medido apenas por indicadores monetários, pode ocorrer apenas em detrimento dessas outras formas de riqueza;
• as sociedades ocidentais, dependentes do consumo supérfluo, em geral não percebem a progressiva perda de riquezas (como a qualidade de vida) e subestimam a reação das populações excluídas (a exemplo da violência nas periferias e o ressentimento em relação ao Ocidente, por parte dos países que não apresentam o padrão de desenvolvimento econômico ocidental).

Para os teóricos do decrescimento sustentável, o PIB é uma medida apenas parcial da riqueza e, se se pretende restabelecer toda a variedade de riquezas possíveis, é preciso deixar de utilizá-lo como bússola. Neste sentido, defendem a utilização de outros indicadores -- tais como o IDH-Índice de Desenvolvimento Humano, a "pegada ecológica" e o Índice de Saúde Social.



*membro-diretor (Região Nordeste) da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, Manuel Osório Viana pesquisa há 40 anos sobre desenvolvimento e ambiente osorioviana@live.com


SAIBA MAIS
http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=375&PHPSESSID=2992afb2cd65c8594faad2ff286459fc

http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/sustentabilidade_em_um_mundo_lotado.html

http://www.decroissance.org

http://www.degrowth.eu



LEIA TAMBÉM
LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do crescimento sereno. São Paulo: Martins Fontes, 2009