12 fevereiro 2007

BASE DA VIDA AMEAÇADA

Mangue, antes que seja tarde



O elevado estado de degradação do ecossistema manguezal promovido pelas fazendas de camarão no Nordeste brasileiro está pondo em risco a biodiversidade marinha e a segurança alimentar das comunidades tradicionais litorâneas. A conclusão do Doutor em Geografia pela Universitat de Barcelona e professor da Universidade Federal do Ceará-UFC Jeovah Meireles, após inúmeros estudos de campo e pesquisas denuncia mais um aspecto deplorável do avanço de uma mentalidade econômica suicida, causadora de descontroles da natureza como o aquecimento global.

Por tratar-se de um sistema onde aproximadamente 70% dos organismos marinhos têm relações de sobrevivência, desmatar o manguezal e extinguir o apicum (unidade do ecossistema maguezal que guarda etapas sem cobertura vegetal arbórea) e poluir suas águas para a implantação da monocultura do camarão, vem também acarretando uma diminuição da produtividade pesqueira dos mares.

Dados publicados já em 1997 pela FAO (Organização de Alimentação e Agricultura da ONU) e antes mesmo da explosão das fazendas de camarão nas bacias hidrográficas do Ceará — que mostraram um salto de mais de 2.000% em área cultivada a partir de 2001 — indicaram que a degradação do manguezal está associada a um déficit anual de aproximadamente 4,7 milhões de toneladas de peixe nos oceanos do planeta.

Agora, com a previsão de que os frutos do mar entrarão em colapso por volta de 2048, conforme artigo publicado na revista Science, de maior impacto no meio científico, estamos diante da possibilidade de uma catástrofe desencadeada pela pesca predatória e, em grande parte, pela extinção de importantes áreas de manguezal e poluição de suas águas.

No Ceará, são mais de 60 milhões de metros quadrados de fazendas de camarão promovendo fortes impactos sobre o ecossistema manguezal, relacionados ao desmatamento do bosque de mangue e d mata ciliar, à salinização da água doce, à fragmentação dos ecossistemas úmidos (estuários, lagunas e lagoas costeiras) e à extinção de áreas antes destinadas à alimentação de peixes, mariscos e aves.

Segundo pesquisas realizadas nas comunidades de pescadores e terras indígenas, com a implantação da indústria do camarão o peixe está minguando, ocorreu mortalidade de caranguejos, o solo das vazantes e a água das cacimbas estão ficando salgados. Quando avaliamos os empregos gerados, definiram-se índices de até 6,3 menos empregos por hectare, ao serem comparados com os elaborados pela Associação Brasileira dos Criadores de Camarão-ABCC.

Estamos diante de um assustador quadro de degradação, com as piscinas de camarão instaladas em áreas de preservação permanente e inviabilizando serviços ambientais fundamentais para a sociedade que incluem a produtividade dos mares, a manutenção de locais de alimento, refúgio e reprodução de uma diversificada fauna — incluindo aves migratórias e o peixe-boi marinho —, a proteção da costa contra a erosão e a segurança alimentar.

O que agrava mais ainda o precário estado de conservação do manguezal é que a insustentabilidade da indústria camaroneira está produzindo áreas contínuas de fazendas abandonadas. Tais espaços estão bloqueando a distribuição das águas e impedindo as interconexões de uma complexa cadeia alimentar, base da vida marinha e da subsistência dos povos do mar.

Medidas estratégicas para garantir a sustentabilidade e retomada da vida nos mares passam por uma efetiva preservação do manguezal, com o conseqüente veto à implantação de novas fazendas de camarão, recuperação das áreas degradadas, tratamento adequado dos efluentes, ampliação das unidades de conservação interconectadas por corredores ecológicos e a continuidade das atividades ancestrais de pesca e mariscagem pelos verdadeiros guardiães dos mares: pescadores, marisqueiros e índios.



SAIBA MAIS
http://www.aultimaarcadenoe.com/ecossismanguezais.htm


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meireles@ufc.br