14 junho 2013

EMPAPUÇADOS DE TECNOLOGIA


Até mesmo profissionais 

estão deixando em casa 
seus gadgets eletrônicos*




Robin Sloan, 32, de San Francisco, de repente pode ser imaginado como um tecnófobo, incapaz de dominar tecnologias novas. Sloan possui um telefone Nokia -- um modelo bem antigo -- com apenas uma função principal: realizar chamadas telefônicas. Para fazer suas anotações, ele está usando papel e caneta, e normalmente lê livros impressos em papel.

Porém, Sloan está longe de ser um "ermitão". Ele já trabalhou para o Twitter como gerente de mídias, ensinando veículos noticiosos a usar as mais modernas ferramentas das mídias sociais. Antes disso, foi estrategista on-line da Current TV.

Mesmo assim, no ano passado, quando começou a escrever seu primeiro livro, Mr. Penumbra's 24-Hour Bookstore, Sloan percebeu que seu iPhone e outras tecnologias que utilizava estavam interferindo em sua produtividade -- e rapidamente livrou-se deles. 

"Descobri que, para mim, era mais importante e mais produtivo passar o dia pensando e anotando ideias", explicou. "Eu precisava de meus minutos de ócio -- e não de ficar checando meu e-mail e tuítes -- para contribuir com o texto que estava escrevendo." Sloan não é o único entre muitos a se sentir assim, mesmo no Vale do Silício.

Ocorre que, à medida em que nossas vidas vão se tornando hiperconectadas em todos seus aspectos, algumas pessoas na vanguarda da tecnologia vêm se esforçando para fugir um pouco disso. Assim, elas guardam seus telefones nos bolsos, desligam o Wi-Fi de suas casas à noite ou nos fins de semana e leem livros feitos de papel, não de pixels.

Eu também venho sentindo essa tendência. Dois anos atrás, quando a popularidade do iPhone e do iPad estava no auge, lembro-me de ter jantado com outros blogueiros e repórteres de tecnologia. Costumávamos passar nossos telefones a todos os presentes ao redor da mesa, comentando um aplicativo ou algum clipe divertido no YouTube. 

Hoje, ainda que nossos aparelhos tenham capacidade para conter mais aplicativos e exibir vídeos mais rapidamente, costumamos fazer um jogo diferente: os presentes colocam seus smartphones numa pilha no centro da mesa, e a primeira pessoa a tocar em seu telefone tem que pagar a conta de todos.

Alguns casais que trabalham com tecnologia estão entre os que mais querem se afastar dela. "Pelo menos uma vez por mês, minha mulher e eu entramos no carro e dirigimos até algum lugar onde não haja sinal (sim, isso é possível), para passar um fim de semana ocupados com coisas analógicas", conta Evan Sharp, um dos fundadores do Pinterest. "Lemos, fazemos caminhadas nas montanhas, cozinhamos e visitamos pessoas que não trabalham com tecnologia."

Outros casais já me falaram da regra que proíbe eletrônicos no quarto (às vezes o Kindle é uma exceção). Há quem deixe seus telefones em casa quando sai para o brunch dominical. Ao invés de fazerem uma foto dos ovos e bacon que vão comer e postá-la no Instagram, podem curtir a companhia um do outro e praticar aquela atividade hoje quase estranha, conhecida como "conversar".

É até possível que exista um modelo de negócios com produtos que nos incentivem a nos afastar de nossas engenhocas. O livro The Pocket Scavenger, publicado recentemente, incentiva o leitor a sair numa caça ao tesouro incomum, recolhendo objetos aleatórios, desenhando e anotando coisas nas páginas do livro e então documentando o que foi feito com um smartphone.

"Não vamos nos livrar da tecnologia", comentou a autora do livro, Keri Smith. "Sinto que estamos deixando de notar cheiros e sensações táteis. Eu quis apenas oferecer algum tipo de antídoto ao que se vê por aí." Sloan, que já publicou seu livro, conta que seu afastamento da tecnologia foi um sucesso. Claro, ele ainda lê seus e-mails, mas não quando está tomando um café, caminhando ou conversando com alguém.

"Parece bobagem, porque costumávamos fazer isso o tempo todo. Mas hoje, depois de me livrar do meu smartphone, me sinto muito mais à vontade quando saio de casa sem ele. Sinto que reaprendi muita coisa -- e pode crer que eu faria o mesmo se tivesse agora à mão um smartphone zerado, cheio de novidades", garante.


*Nick Bilton é colunista do NYTimes, professor da NYU e 
blogueiro do Bits Blog, cobrindo tecnologia, negócios e cultura. 
(Conteúdo publicado em www1.folha.uol.com.br/fsp)
(imagem em
www.salon.com)


06 junho 2013

RESOLVENDO PROBLEMAS


Empreendedorismo
social decola no Japão




Após duas décadas de crise, cada vez mais japoneses querem fazer
negócios para o bem da sociedade e não apenas por dinheiro

Após duas décadas de paralisia econômica e desastres naturais em série, cada vez mais japoneses acreditam que o empreendimento social é a melhor maneira de reconstruir sua sociedade. Masami Komatsu, de 37 anos, é um deles. Fundou sua companhia de investimentos Music Securities em 2001, poucos anos depois da crise bancária japonesa de 1998. “Não havia mais investimentos em setores vulneráveis como música, artesanato ou produção de saquê”, a bebida tradicional japonesa, disse à IPS.

Então, “fizemos o possível para que as pessoas começassem a investir no que pessoalmente eu considerava importante e que deveria ser mantido vivo”, descreveu Komatsu. No entanto, a Music Securities não funciona com doações. É um fundo de investimento com retornos que atualmente ficam entre os de melhor desempenho do país, manejando cerca de 33 bilhões de ienes (US$ 352,5 milhões) de aproximadamente 50 mil acionistas, entre eles algumas das empresas mais ricas do Japão.

Em 2009, Komatsu criou o primeiro fundo de microfinanças do Japão, que permitiu às pessoas investirem em projetos de microcréditos no Camboja. Atualmente, a Music Securities é a maior financiadora privada das empresas de reconstrução que sofreram perdas devido ao terremoto e ao tsunami de 11 de março de 2011.

“Um mês depois da catástrofe, visitamos a área e sugerimos nosso plano aos líderes das empresas locais”, contou Komatsu. “Tivemos a sensação de que tínhamos de fazer algo. Não nos oferecemos como voluntários, mas sim usar nossa empresa já existente para resolver os problemas das áreas danificadas”, explicou. Até agora, mais de 25 mil pessoas investiram no total mais de US$ 1 bilhão no fundo do tsunami.

A Music Securites se adiantou ao seu tempo. Somente em 2005 a Universidade Keio, de Tóquio, uma das mais antigas do Japão, começou a usar o conceito de empreendimento social, um negócio gerador de ganhos cujo objetivo não é o lucro pessoal, mas o cumprimento de um objetivo social. E nos últimos anos o fenômeno parece ter ganho impulso rapidamente.

Em 2011, Fukuoka, na ilha japonesa de Kyushu, foi a segunda cidade do mundo a ser nomeada “cidade de empresas sociais” por difundir o conceito do empreendimento social em todo o continente asiático. Em Bangladesh, Mohammad Yunus, prêmio Nobel que desenvolveu a ideia do empreendedorismo social, inaugurou o primeiro centro mundial de empresas sociais na sede da Universidade de Kyushu.

Segundo o Ministério da Economia do Japão, a quantidade de empresas sociais passou praticamente de zero em 2000 para mais de oito mil em 2008, que no conjunto empregam cerca de 320 mil pessoas. Não há dados sobre o número atual, mas tudo indica que o fenômeno aumentou ainda mais desde então. Por exemplo, na Escola NEC-ETIC de Empreendimento Social de Tóquio, o número de candidatos cresceu cinco vezes desde 2010.

Desde o começo, Nana Watanabe foi uma das forças motoras do empreendedorismo social no país. Por intermédio de seu trabalho como jornalista e fotógrafa independente, entre 2000 e 2005 apresentou ao público japonês mais de cem empreendedores sociais mediante várias publicações. “O Japão ficou sem modelos para seguir após o estouro da bolha econômica. Isso levou a um estado geral de depressão. O país não sabia o que fazer”, contou.

Em 1999, “descobri a nova onda do empreendedorismo social, que surgia entre os estudantes de elite nos Estados Unidos. Imediatamente pensei: é disto que precisamos”, explicou Watanabe à IPS. Em 2011, ela fundou o capítulo japonês da Ashoka, uma organização não governamental internacional que apoia o trabalho de aproximadamente dois mil empreendedores sociais em 60 países.

“O empreendedorismo social é, definitivamente, um fenômeno emergente, e o motivo é simples: as pessoas estão cada vez mais decepcionadas com as grandes empresas do Japão. Os jovens de agora viram seus pais sacrificarem suas vidas em troca da promessa de um emprego por toda a vida, só que foram demitidos nos últimos anos”, afirmou Watanabe. Cada vez mais jovens preferem iniciar um negócio por conta própria, acrescentou.

“O mito da eficiência do governo japonês ruiu”, declarou Toshi Nakamura, líder do Kopernik, um site que oferece soluções tecnológicas para problemas em comunidades rurais de nações em desenvolvimento. “Até meados da década de 1990, as pessoas tinham fé nos tecnocratas do governo para conduzir a economia e proporcionar serviços sociais”, pontuou à IPS. “Mas isto já não acontece, e a população se deu conta de que vários assuntos sociais têm que – e podem – ser abordados pelos cidadãos comuns”, acrescentou Nakamura.

Não é apenas a desilusão com as empresas tradicionais ou o governo que inspira os japoneses a participarem das empresas sociais. “Depois da crise financeira, vimos uma volta aos valores tradicionais”, opinou o analista empresarial Kumi Fujisawa. “As pessoas não buscam lucro no curto prazo, preferem se concentrar em perspectivas de longo prazo. Há um regresso ao idealismo, as pessoas querem contribuir novamente com a sociedade”, ressaltou.

Pesquisas encomendadas pelo governo indicam que o valor do trabalho começou a ser reconsiderado no Japão desde o começo da crise financeira. A quantidade de pessoas que responderam que desejam trabalhar “para contribuir com a sociedade” aumentou drasticamente depois do estouro da bolha acionária, passando de 46% para 64% em 1991. Esse índice atualmente supera os 65%. “Este é o resultado de uma nova atitude de olhar para dentro”, afirmou Hirofumi Yokoi, presidente da Fundação Akira, uma das organizações mais influentes do país, que desde 2009 incentiva o empreendedorismo social.

“A crescente incerteza e ansiedade em relação ao futuro levou a uma mudança de comportamento. Para muitos jovens japoneses, o empreendimento social não é apenas uma maneira de solucionar problemas econômicos, sociais e ambientais. Também é uma maneira de enfrentar desafios pessoais”, afirmou Yokoi. “Terão de trabalhar como parte de uma comunidade e desenvolver a confiança em si mesmos, a amizade, a concentração, a autorrealização e a inclusão social”, acrescentou.

Watanabe disse à IPS que “é verdade que as pessoas começam a reconsiderar o valor do trabalho, mas a maioria ainda carece da coragem para agir a respeito. O empreendedorismo social, definitivamente, está decolando, mas temos que ser cautelosos e não superestimar seu êxito”. E acrescentou que, “primeiro é preciso que as pessoas sejam muito criativas. Depois, neste momento está muito na moda dizer que alguém iniciou uma empresa social. Mas, no fim, a maioria ainda busca segurança e dinheiro”, concluiu a fotógrafa. 



*Daan Bauwens é repórter do IPS-Inter Press Service / Envolverde 
(conteúdo publicado em http://envolverde.com.br)