24 maio 2011

MINISTÉRIO DA DESEDUCAÇÃO

Pobre flor do Lácio*



Ah, pobre de mim, que ainda sou capaz de acreditar na seriedade e nas boas intenções das instituições brasileiras. E que elas foram e são criadas para cumprir à risca as funções para as quais supostamente se destinam, segundo os meandros da burocracia governamental. 

Devido a essa minha patriótica credulidade, quando menos espero percebo que fui enganado, ludibriado, e que estou fazendo papel de bobo, pois cara de palhaço, pinta de palhaço foi o que sobrou pra mim. 

É, parece que não tem mesmo jeito de sustar essa vocação circense há séculos incrustada no modelo institucional brasileiro e na cabeça de quem porventura o comanda, dando-nos a indecorosa pecha de sermos tudo, menos um país sério. 

E ainda temos a cara lisa de nos sentirmos feridos em nossos brios quando nos expomos à galhofa internacional pelas palhaçadas e momices várias que cometemos com o aval das autoridades ditas competentes. É ou não é, Seu Zé?

Em minha santa ingenuidade, cheguei mesmo a pensar que o nosso Ministério da Educação tinha como papel precípuo educar o povo, fomentar a cultura, o conhecimento, levando-os aos mais distantes rincões da nação, reduzindo de modo drástico a ignorância que grassa ancestralmente nessa terrinha abençoada por Deus e bonita por natureza.

Que nada, necas de pitibiriba. Mais uma vez caí na esparrela, feito um patinho bobo. Com tanto tempo de janela, culpa minha não haver aprendido que algumas instituições não são realmente o que aparentam ser aos nossos incautos olhos e se tornam exímias especialistas em fazer justamente o contrário do que deviam, pouco ligando para a opinião pública. 

Seus mandatários fazem o que bem querem, inclusive perpetrando piramidais atentados contra a inteligência alheia com a desculpa furada, manjada de que agem em nome da modernidade, do progresso, da civilização.

Quem, dentre nós, mesmo aquele dotado de uma mente poderosamente criativa, de uma fertilidade espantosa, poderia sequer imaginar que o nosso Ministério da Educação tivesse a suprema coragem e ousadia de adotar um livro destinado ao ensino da língua portuguesa para jovens e adultos, repleto de crassos erros gramaticais da primeira à última página?

E o que é pior, tal nefanda obra vai ser distribuída impunemente por quase todas as escolas existentes no brasílico território. Para mostrar que não estou exagerando na dose, cito aqui, de maneira literal, algumas frases contidas no almanaque do besteirol: ”Os livro mais interessante estão tudo emprestado”; “Os menino pega o peixe”; e outras preciosidades de igual quilate. 

Num gesto de boa vontade, também desejo colaborar com a publicação, inserindo mais algumas pérolas de concordância verbal: ” Nós escreve bem”; “Vocês faça o favor de trazer alguma coisa pra mim fazer”; “Fui, fui, fui e acabei fondo”.

Os insignes autores defendem ardorosamente o seu aleijão, garantindo que sua intenção é acostumar o indefeso aluno com a linguagem popular — e não ensinar errado o Português. Além de proteger os estudantes de preconceito linguístico, por falarem e escreverem de modo errôneo. 

O importante, de acordo com tais “puristas”, é que a ideia de correto e incorreto ao usar a língua seja substituída pela ideia, inteligentíssima, por sinal, de uso adequado e inadequado, dependendo da situação comunicativa. Vocês entenderam alguma coisa? Nem eu. 

Falaram tanta água que daria pra encher todos os açudes. Estes deseducadores não passam de umas bestas quadradas de quatrocentas patas. Nelson Rodrigues dizia que só tinha inveja de uma coisa na vida. Da burrice, porque é eterna. 

Coitada da nossa Flor do Lácio tão maltratada, tão espezinhada, coitadinha. O Ministério da Educação, por aceitar tamanha aleivosia, merece ser chamado, daqui em diante, de Ministério da Deseducação e Promoção do Analfabetismo.


*Médico-psiquiatra, escritor, cronista e colunista do Jornal da Praia desde a década de 1980, Antônio Airton Machado Monte é um legítimo repórter da nossa época



13 maio 2011

PALAVRA, A PÁ QUE LAVRA

Relatividades presentes*




Existem coisas que mais claramente nos deixam ver, e existem coisas das quais estamos tão perto que nos confundem o pensamento, atordoam-nos a alma e não nos trazem serenidade para saber com clareza o que fazer.

Assim como existem aqueles que, mesmo distantes, fazem-se presentes; outros há que, mesmo na ausência, presentes estão: e há presenças que nem contam, de tão ausentes.

Há coisas que há muito deveríamos ter conhecido; há outras que melhor teria sido nunca ter tido. 

Há coisas pelas quais buscamos, procuramos, por elas tudo apostamos e, mais do que delas esperávamos, elas nos oferecem quando ali estamos.


Há coisas para as quais todo o preparo que já tivemos, suficente nunca foi, e tampouco o será para o espaço, dimensão que elas ocupam em nossas vidas, quando delas ou com elas viermos a nos deparar.


E novamente a mesma questão volta a se colocar: se tu não souberes bem te administrar, não saberás tampouco nenhuma situação administrar; se tu não souberes contigo mesmo lidar.

Os teus pontos fracos ou fortes, tendo-os bem conhecidos, poderão te ajudar ou atrapalhar quando tiveres que decidir, arguir, quando uma solução urgente para determinado problema tiveres que apresentar.

Há coisas em relação às quais tu precisas te distanciar, para melhor enxergar, e há coisas que, somente estando perto poderás, afinal de contas, ver descoberto o que, antes, não poderias nem sequer imaginar.

Em qualquer situação, que sejas tu o(a) senhor(a) e não um(a) cativo(a) deste sentimento ou daquela emoção.

Age com equilíbrio, com equidade e, contigo, sempre por perto estará a sabedoria, que jamais te deixará à revelia.

Há coisas que somente de perto é possível melhor enxergar, e há coisas para as quais é preciso haver certa distância, para melhor poder-se avaliar e avaliar-se.


*Pernambucano de São José do Egito, Pe. Airton Freire de Lima é psicólogo, escritor
(56 livros publicados) e criador de grupos de oração (os Grupos da Terra, apoiados
pelos IPA-Institutos Padre Airton no Ceará, Piauí, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco,
França e Inglaterra). Pós-graduado em Paulo Freire pela UECE-Universidade Estadual do Ceará,
gravou CDs com músicas autorais e preside há 26 anos a Fundação Terra, entidade
mantida por doações devotada à saúde, educação e moradia para cerca de 2.000 pessoas.


11 maio 2011

SOLOS E ALIMENTOS

Freio à invasão estrangeira*





Os governos de Brasil, Argentina e Uruguai começam a propor leis para pôr fim à avidez estrangeira por suas cobiçadas e extensas terras aptas para a produção de alimentos. 

No geral, estas medidas são tímidas. Nenhum dos três sócios do Mercosul, juntamente com o Paraguai, propõe uma rejeição à aquisição de terras por parte de capitais privados e estatais estrangeiros, não fixam regulamentações sobre uso do solo, nem revisam o que já foi vendido. 

Na verdade, procuram pôr limites ao avanço sobre estas propriedades agropecuárias por parte de países que as cobiçam para facilitar o abastecimento de seus próprios mercados de alimentos ou como instrumento de investimento especulativo.

O Brasil já limita a compra de terras por estrangeiros e empresas brasileiras com capital estrangeiro, enquanto na Argentina e no Uruguai estão em estudo projetos que seguem na mesma direção.

Em todos os casos, o alerta foi dado pela crescente compra de terras registradas nestes países nos últimos anos devido ao aumento dos preços internacionais dos alimentos e da falta de alternativas de investimento financeiro.
Um estudo apresentado em 2008 pela organização não governamental internacional Grain, que trabalha a favor de camponeses e pequenos produtores rurais, já havia alertado para este processo e mostrado casos concretos.

China, Egito, Japão, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Índia, Bahrein, Kuwait, Omã, Catar e Emirados Árabes Unidos estão adquirindo ou arrendando terras férteis em outros países onde nem sempre os alimentos abundam, afirma a ONG.
A investigação mostra que o Camboja, que recebe ajuda do Programa Mundial de Alimentos, arrenda campos de arroz no Catar e no Kuwait, enquanto Uganda cede campos de trigo e milho para o Egito, e às Filipinas chegam interessados da Arábia e dos Emirados. 
Este avanço não só procura garantir o fornecimento de alimentos, conmo também há compras de terras com fins especulativos por parte de bancos e financeiras no Brasil, Paraguai, Senegal, Ucrânia, Nigéria e Rússia, afirma o documento.
Em entrevista à IPS, o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), José Pedro Stédile, disse que no Brasil foi percebida esta presença cada vez mais importante de capitais especulativos no setor. Compraram terras, usinas de álcool e represas, entre outros investimentos, afirmou.
 “O MST está preocupado porque isto coloca em risco a soberania e causa mais insegurança alimentar”, alertou. O INCRA-Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária informou que há cerca de 4,5 milhões de hectares em mãos de estrangeiros, mas o governo admite que isto não reflete a realidade e que o total pode ser mais que o dobro.
Stédile aplaude a norma aprovada em setembro, que limita a compra ou o arrendamento de áreas acima de um tamanho mínimo a estrangeiros e fixa em 25% o limite da superfície de um mesmo município que podem adquirir. “A prioridade do uso da terra deve ser produzir alimentos para o nosso povo e as empresas estrangeiras compram terras para especular, para proteger seus patrimônios, e plantam o que lhes dá mais lucro”, assegurou.
Na Argentina, o governo federal enviou ao parlamento, em abril, um projeto de lei fixando em 20% o limite para titularidade de estrangeiros em território nacional e não lhes permite comprar mais do que mil hectares em áreas produtivas. No entanto, não limita, como no Brasil, a participação de estrangeiros em fundos de investimento, nem tampouco revisa o que já está vendido.
As autoridades argentinas estimam que haja sete milhões de hectares em mãos estrangeiras, mas a Auditoria Geral da Nação fixou em 17 milhões essa propriedade, o que representa 10% do território ou mais da metade da área plantada. Apenas o magnata italiano Luciano Benetton possui quase um milhão de hectares de terras na região da Patagônia.
A iniciativa governamental reivindica a terra como recurso natural não renovável e baseia-se em uma análise do contexto global no qual se destaca o constante aumento da população mundial e a crescente deterioração das terras cultiváveis. A Federação Agrária Argentina, que reúne produtores em pequena escala, pedia uma norma desse tipo desde 2002, e por isso comemorou o projeto. No entanto, alerta que também é preciso uma lei de arrendamentos.
Nessa lei deveriam ser estabelecidos critérios sobre o que se produz em terras arrendadas. A objeção aponta, por exemplo, para uma polêmica surgida em Rio Negro, província da Patagônia. O governo rionegrense assinou convênio de cooperação com um grupo de empresas chinesas para arrendar 240 mil hectares destinados à produção de soja nos próximos 50 anos, com opção de renovação automática do contrato.
O engenheiro agrônomo argentino Walter Pengue, do Grupo de Ecologia da Paisagem e do Meio Ambiente, da estatal Universidade de Buenos Aires, disse à IPS que se a iniciativa não revisar o que já foi vendido nem regular o uso do solo terá sérias limitações. “O projeto é ótimo, mas me preocupa porque no mundo acadêmico internacional se discute a disponibilidade da terra, e para 2020 se prevê que haverá cerca de 15 países com terras produtivas, entre eles a Argentina”, afirmou. 

Pengue questiona o acordo do governo de Rio Negro. “Não vendem a terra, mas a arrendam e ali se produz o que o locatário deseja, então, a pegada ecológica de outros países fica para sempre em nosso território”, ressaltou.

No Uruguai, a tentativa do governo de Tabaré Vázquez (2005-2010) de aprovar uma lei que limite a estrangeirização não foi possível de se concretizar, mas a Frente Ampla espera concretizá-la este ano, graças à maioria absoluta que tem no parlamento em seu segundo governo, agora encabeçado por José Mujica. 
O censo de 2000 indicou que 17% da terra desse país estava em mãos de capitais externos, disse à IPS o geógrafo Marcel Ashkar, da Faculdade de Ciências. Porém, hoje se estima que já cobre entre 20% e 30% das terras aptas para a agricultura.
O Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca informou que, entre 2000 e 2009, foram comercializados mais de seis milhões de hectares e que mais da metade foi adquirida por estrangeiros, principalmente brasileiros e argentinos. 
O peso da soja, do arroz e do reflorestamento em grande escala atrai capital, além dos de seus dois vizinhos, também da Espanha, Finlândia e do Chile, que aumentam suas posses no Uruguai de mãos dadas com grandes complexos industriais de produção de celulose. 

* por Marcela Valente, da IPS.
Colaboraram
Fabiana Frayssinet (Rio de Janeiro) e Raúl Pierri (Montevidéu)

SAIBA MAIS

05 maio 2011

COMEÇAR & CONCLUIR

União faz a força*



Este texto equivale a um teste de personalidade que poderá alterar a sua vida.

Portanto, preste muita atenção! I
niciativa é a capacidade que todos nós temos de criar, iniciar projetos e conceber novas ideias. Algumas pessoas têm muita iniciativa e outras têm pouca.

Acabativa é um neologismo que significa a capacidade que algumas pessoas possuem de terminar aquilo que iniciaram ou concluir o que outros começaram.

É a capacidade de colocar em prática uma ideia e levá-la até o fim.

Os seres humanos podem ser divididos em três grupos, dependendo do grau de iniciativa e acabativa de cada um: os empreendedores, os iniciativos e os acabativos — sem contar os burocratas.

Empreendedores são aqueles que têm iniciativa e acabativa. Um seleto grupo, que não se contenta em ficar na ideia e vai a campo implantá-la.

Iniciativos são criativos, têm mil ideias, mas abominam a rotina necessária para colocá-las em prática. São filósofos, cientistas, professores, intelectuais e a maioria dos economistas.

São famosas as histórias de economistas que nunca assinaram uma promissória... A acabativa é o ponto fraco desse grupo.

Acabativos são aqueles que gostam de implantar projetos. Sua atenção vai mais para o detalhe do que para a teoria. Não se preocupam com o imenso tédio da repetição do dia-a-dia e não desanimam com as inúmeras frustrações da implantação.

Nesse grupo está a maioria dos executivos, empresários, administradores e engenheiros.

Essa singela classificação explica muitas das contradições do mundo moderno. Empresários descobrem rapidamente que ficar implantando suas próprias ideias é coisa de empreendedor egoísta. Limita o crescimento.

Existem mais pessoas com excelentes ideias do que pessoas capazes de implantá-las. É por isso que empresários ficam ricos e intelectuais, professores — entre os quais me incluo —  morrem pobres.

Se Bill Gates tivesse se restringido a implantar  suas próprias ideias teria parado no Basic. Ele fez fortuna porque foi hábil em implantar as ideias dos outros — dizem as más línguas que até copiou algumas.

Esta classificação explica porque intelectual normalmente odeia empresário, e vice-versa. Há uma enorme injustiça na medida em que os lucros fluem para quem implantou uma ideia, e não para quem a teve. 

Uma ideia somente no papel é letra morta, inútil para a sociedade como um todo.

Um dos problemas do Brasil é justamente a eterna predominância, em cargos de ministérios, de professores brilhantes e com iniciativa, mas com pouca ou nenhuma acabativa.

Para o Brasil começar a dar certo, precisamos procurar valorizar mais os brasileiros com a capacidade de implantar nossas ideias. 

Tendemos a encarar o acabativo, o administrador, o executivo, o empresário como sendo parte do problema, quando na realidade eles são parte da solução.

Iniciativo almeja ser famoso, acabativo quer ser útil.

Mas a verdade é que a maioria dos intelectuais e iniciativos não tem o estômago para devotar uma vida inteira para fazer, dia após dia, digamos bicicletas.

iniciativo vive mudando, testando, procurando coisas novas, e acaba tendo uma vida muito mais rica, mesmo que seja menos rentável.

Por isso, a esquerda intelectual e a direita neoliberal conviverão às turras, quando deveriam unir-se.

Se você tem iniciativa mas não tem acabativa, faça correndo um curso de administração ou tenha como  sócio um acabativo

Há um ditado chinês: "Quem sabe e não faz, no fundo, não sabe", muito apropriado para os dias de hoje.

Se você tem acabativa mas não tem iniciativa, faça um curso de criatividade, estude um pouco de teoria. Empresário que se vangloria de nunca ter estudado não serve de modelo.

No fundo, a esquerda precisa da acabativa da direita, e a direita precisa das iniciativas da esquerda.

Finalmente, se você não tem iniciativa nem tampouco acabativa, só podemos lhe dizer uma coisa: meus pêsames.


*Stephen Kanitz é administrador por Harvard. Imagem "puzzle" em www.sleuthedit.com