22 dezembro 2008

MONSTRUOSIDADE

Festa a caráter



Fortaleza mostrou potencial para congregar milhares de fãs no Centro de Convenções Edson Queiroz no SANA-Fest (Festival da Super-Amostra Nacional de Animes). Em dois dias de janeiro, o evento iniciou as celebrações, na capital cearense, do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil e incluiu palestras de dubladores e uma etapa classificatória do WCS (concurso mundial de cosplay).

Mais à frente, em três dias de julho, a Fundação Cultural Nipônica Brasileira apoiou a realização da 8.ª Super-Amostra Nacional de Animes, para um público estimado em 30 mil pessoas que prestigiaram oficinas, exposições, desfiles de moda, apresentações de artes marciais, mais palestras de dubladores e shows de bandas locais e consumiram card games e RPGs, animes, música e mangás.

Até um quarteto veio direto da Terra do Sol Nascente: Kouji Wada (Digimon/Butterfly), Ricardo Cruz (Jam Project), Yumi Matsuzawa (Cavaleiros do Zodíaco/Chikyugi) e Nobuo Yamada (Cavaleiros do Zodíaco/Pegasus Fantasy) botaram pra rachar no palco principal do evento, entoando os hits que encantam os otakus.

E para fechar 2008, a cidade recebeu a Monstra Expo Festa Comix, o desdobramento natural da série de eventos "Monstra", articulada pelo Grupo ArtZ. No sábado antes do Natal, encontro de desenhistas, e à noite, para comemorar mais um ano de sucesso, festa com exposição!!!

Das 10h às 12h, os desenhistas foram à exposição Monstra Comix, no Sobrado Dr. José Lourenço, no Centro, e rolou um bate-papo com os artistas do traço Guabiras, Saulo Tiago e Everton Silva, que lançaram os fanzines Aruá (Guabiras), Revólver (Tiago Saulo), Adulterado (Everton Silva) e Interferência (Tiago e Everton), além de Anti Usual e Monstra Comix, mais uma coleção de posters (lambe-lambe).

Cinematograficamente, o cenário do Sobrado (a exposição em si) compunha ao redor um recorte da produção independente contemporânea mundial de histórias em quadrinhos. A partir das 22h, foi a vez da Festa da Monstra - Especial de Natal, no Mocó Studio, (Praia de Iracema).

Entre as atrações, a exposição coletiva Queimação Total, que ofereceu obras de R$ 1 a R$ 100 dos artistas David Suárez, Denilson Albano, Diego Akel, Érica Zoe, Everton Silva, Felipe Fox, Franciscus Galba, Franklin de Oliveira, Marcílio S., Saulo Tiago, Siegbert Franklin e Weaver Lima.

Nos momentos do agito, observou-se intenso escambo de posters, zines e revistas de quadrinhos, e as pessoas muito à vontade, ao som dos DJs Marquinhos, GVale e Raphael Villar. Com tudo isso, só queremos colaborar para que todo(a)s em 2009 cheguem, no mínimo, ao mesmo padrão!!!



16 dezembro 2008

CHEGA DE DOR

Saúde vertebral



Dores na coluna representam a segunda maior fonte de reclamação das pessoas no consultório médico. Conforme estimativas da OMS-Organização Mundial da Saúde, 85% da população tende a experimentar ao menos um episódio de dor nas costas ao longo da vida.

Este problema pode ter sua origem devida a maus hábitos de postura, mas envolve também insidiosos processos degenerativos como artrose, hérnia de disco, protusão discal etc.

Para o professor e fisioterapeuta Helder Montenegro, tudo isto poderia ser minimizado simplesmente se as pessoas mudassem alguns de seus hábitos e fortalecessem os músculos posturais, responsáveis por dar sustentação à coluna.

“A RMA Vertebral, técnica de Reconstrução Músculo-Articular da Coluna Vertebral, une o trabalho da fisioterapia manual com a tecnologia das mesas de tração e descompressão e do Stabilizer (equipamento que condiciona o paciente a usar o músculo transverso do abdômen), além de exercícios de musculação", descreve o especialista.

Segundo garante, a união de todos esses fatores permite eliminar as dores do paciente, que é estimulado a iniciar um trabalho focado no fortalecimento dos músculos posturais. "O resultado apresentado equivale a 87% dos casos resolvidos”, afirma o fisioterapeuta, criador da técnica e fundador do ITC Vertebral, instituto voltado ao tratamento da coluna já disponível em algumas cidades do Brasil.

O primeiro passo para quem deseja colocar sua coluna em ordem é fazer uma boa avaliação, identificando as causas da dor. No ITC, são feitos testes ortopédicos e fisioterapêuticos específicos — de mobilidade, de força, de alongamento muscular e do sistema nervoso — para definir qual é a situação clínica do paciente. Após o quadro definido, tem início o tratamento.

Neste processo, as mesas de tração e descompressão são importantes, pois cumprem o papel de diminuir a compressão sobre a raiz nervosa. “Num primeiro momento, vamos trabalhar para tirar a dor. Depois o foco volta-se ao fortalecimento: suprimos orientações para que o paciente tome alguns cuidados no dia-a-dia", adianta Montenegro. Tais cuidados, por serem preventivos, são fundamentais para qualquer pessoa, mesmo as que nunca sentiram dores.

O último passo do tratamento é a manutenção — e para isso o método indica a prática de Pilates e/ou musculação. "No entanto, tanto os exercícios de Pilates quanto os de musculação devem ser corretamente prescritos porque, do contrário, as dores podem voltar”, explica o fundador do ITC Vertebral.

O Instituto de Tratamento da Coluna Vertebral disponibiliza, portanto, a exclusiva técnica de Reconstrução Músculo-Articular da Coluna Vertebral - RMA da Coluna Vertebral, que associa procedimentos da Fisioterapia Manipulativa, Mesa de Tração Eletrônica, Mesa de Descompressão Dinâmica, Estabilização Segmentar Vertebral e exercícios de musculação.

Obtendo o reconhecimento de fisioterapeutas em todo o mundo, a técnica tem ganho espaço no mercado brasileiro graças ao elevado índice de bons resultados com pacientes que sofrem de dores nas costas. O ITC Vertebral possui clínicas em Fortaleza, Sorocaba, São Paulo, Manaus e, em breve, estará também em Londrina, Natal, São Luís e Rio de Janeiro.




13 dezembro 2008

SÓ ESCLARECENDO

"Apenas uma coisa"



Não tenho religião. Considero-me um ateu místico, porque me relaciono com a vida de uma forma meio mística mas sem a crença em deuses. Se há uma crença que sigo é o amor pela Terra e pela Humanidade.

A Terra é minha Mãe Sagrada, meu país sem fronteiras, e toda a Humanidade, em sua bela diversidade, é a minha família. Não pertenço a nenhum rebanho de Deus, não sou de nenhum povo escolhido — faço parte do Povo da Terra.

Cresci no catolicismo e se, após a adolescência, consegui escapar de sua prisão cultural, por outro lado meu fascínio pelo Sagrado e pelo Mistério aumentou. Inspiram-me e me emocionam as mitologias das religiões mas entendo seus deuses como meras projeções humanas, criações culturais a respeito do imenso e insondável mistério da vida, e assim sendo, vejo a religião como uma questão de foro íntimo, algo inteiramente pessoal.

O religioso, porém, tende a entender sua visão particular do Mistério como verdade única e inquestionável — e quem pensa diferente está "errado". O fanático vai um passo além: sente-se no dever de pregar, converter e salvar os "diferentes" do Mal. Já o fanático radical é até capaz de agredir, destruir e matar em nome de seu deus.

O ideal seria que todo religioso percebesse que sua verdade é "apenas" uma versão do inalcançável Mistério — mais ou menos como um acontecimento que tem inúmeras testemunhas mas que, ainda assim, nunca é esclarecido inteiramente. Nesse contexto, sinto que o fanatismo religioso, com seu ódio ao "diferente", nos trará cada vez mais problemas.

Em tempos de crise financeira, problemas sociais, violência, guerras e desequilíbrio ecológico, o apelo religioso se intensifica e é aí que o fanatismo prolifera, com o seu discurso salvacionista. O que pode ser mais perigoso do que alguém que tem a mais "absoluta certeza" de que age em nome do ser supremo do Universo, que lhe deu ordens de nos salvar? Putz, ninguém merece.

São poucos os que se arriscam a questionar os posicionamentos religiosos, mesmo quando estes se mostram claramente perigosos. A crítica à religião chega ao religioso como terrível blasfêmia e não como um legítimo e sadio ato de discordância entre dois pontos de vista. Apesar disso, as pessoas livres não devem se omitir e, quando for o caso, precisam apontar e criticar os abusos religiosos, assim como todo tipo de abuso, sem medo de irem queimar no Inferno. Até porque lá deve ter uns inferninhos ótimos.

Pra terminar: como não conheço pessoalmente os que postaram seus comentários para mim, que em essência suscitaram estas linhas acima, pra resumir convido todos a comparecerem a uma palestra que farei em Fortaleza no dia 20 de dezembro, no Centro Cultural Banco do Nordeste.

Trata-se de uma participacão no evento Conversas Filosóficas: falarei sobre a jornada mítica do herói em nossas vidas, do ponto de vista da Psicologia, enquanto o pesquisador em Filosofia Marcus Markans falará sobre o mesmo tema do ponto de vista filosófico. Usaremos o filme Matrix como ilustração. Pra mim será uma honra conhecer os leitores fortalezenses da coluna.

Ah, adianto que o tema "religião" não faz parte da conversa.


VÁ LÁ CONFERIR
>> Conversas Filosóficas com Ricardo Kelmer e Marcus Markans
Dia 20 de dezembro de 2008 (sábado)
16h00: Exibição do filme Matrix
18h00: Debate
Centro Cultural Banco do Nordeste
Rua Floriano Peixoto, 941 - Centro - Fortaleza/CE
Tel.: (85) 3464-3108


*o colunista Ricardo Kelmer é escritor e roteirista e mora em São Paulo. RK está na capital do Ceará para lançar seu livro Vocês Terráqueas e realizar palestras. Outros livros seus estarão à venda no local.


LEIA MAIS
blogdokelmer.wordpress.com

11 dezembro 2008

DELMIRO GOUVEIA

Prêmio destaca a Contabilidade


Entregue na noite de segunda-feira (08/12, no Grand Marquise Hotel) a 33 empresas cearenses que se destacaram durante 2007 nos vetores econômico, financeiro e de responsabilidade social, o Prêmio Delmiro Gouveia 2008 — evento que se transformou em grata referência para o desempenho empresarial local, considerado como o "Oscar da Indústria" no Ceará — foi realizado em parceria entre o jornal O Povo e a BM&FBovespa, com o apoio do CRC-Conselho de Contabilidade do Ceará, IBEF-CE-Instituto Brasileiro dos Executivos de Mercado e APIMEC-NE-Associação dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais.

Através da análise de 317 balanços econômicos e 60 balanços sociais (a maior quantidade de inscrições já recebida nas oito edições do PDG), o rigoroso crivo dos analistas da premiação classificou as inscritas nas categorias Maiores Empresas (10), Desempenho Social (10), Desempenho Econômico-Financeiro (10) e Destaque SEBRAE (3), prêmio voltado às pequenas e médias empresas. Foram também contemplados os cinco melhores contabilistas no período, ou seja, os profissionais da Contabilidade que elaboraram as prestação de contas com melhor apresentação e transparência.

Foram eles: Andréa Carla de Melo Ferreira (Grande Moinho Cearense), Karla Jeanny Falcão Carioca (COELCE-Cia. Energética do Ceará), Luiz Carlos Schneider (Grendene S/A), Magali Carvalho Façanha (M. Dias Branco Alimentos) e Raimundo Nonato da Costa (J. Macêdo S/A).

Nas categorias seguintes, foram contempladas:

DESTAQUES SEBRAE
1) Eletromil Com. de Utilidades do Lar Ltda.
2) Posto Ibiapaba Ltda.
3) Ramlive Calçados e Moda Ltda.

MELHOR DESEMPENHO SOCIAL
(>> faturamento acima de R$ 60 milhões)
1) UNIMED de Fortaleza Coop. de Trab. Médico Ltda.
2) Viação Urbana Ltda.
3) Construtora Marquise S/A
4) Servis Segurança Ltda.
5) HapVida Assistência Médica Ltda

(>> faturamento até R$ 60 milhões)
6) Micrel Benfio Têxtil Ltda.
7) Guanabara Express Transp. de Cargas S/A
8) Avine Comercial Avícola do Nordeste Ltda.
9) Lotil Construções e Incorporações Ltda.
10) Brandão Com. e Ind. Ltda.

MELHOR DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO
(>> faturamento acima de R$ 60 milhões)
1) EIT-Empresa Industrial Técnica S/A
2) Expresso Guanabara S/A
3) CIALNE Cia.de Alimentos do Nordeste
4) Microsol Tecnologia S/A
5) CBL-Cia. Brasileira de Laticínios

(>> faturamento até R$ 60 milhões)
6) Engexata Engenharia Ltda.
7) Fotosensores Tecnologia Eletrônica Ltda.
8) Hotel Flamingo S/A
9) Avine Comercial Avícola do Nordeste S/A
10) Libra-Ligas do Brasil S/A

MAIORES EMPRESAS
1) COELCE-Cia. Energética do Ceará
2) Grendene S/A
3) M. Dias Branco Ind. e Com. de Alimentos S/A
4) Vicunha Têxtil S/A
5) Norsa Refrigerantes S/A
6) Esmaltec S/A
7) CAGECE-Cia. de Água e Esgoto do Ceará
8) J. Macêdo S/A
9) Vulcabras do Nordeste S/A
10) Empreendimentos Pague Menos S/A

A avaliação, promovida desde 2001 em Fortaleza, é um dinâmico estímulo ao setor produtivo regional para que as empresas aprimorem cada vez mais sua atuação frente a públicos das mais variadas percepções, tendo seu trabalho reconhecido e sua qualidade valorizada.

A importância do prêmio torna-se ainda maior em relação às médias e micro-empresas, pois a boa avaliação obtida junto ao SEBRAE traz aos empreendedores um valor agregado ao empenho com que se lançam ao desafio de começar e desenvolver um negócio.


SAIBA MAIS

03 dezembro 2008

A MAIOR DA CIDADE

Quadrinhos para todo(a)s



Bandes dessinées, fumetti, tebeos, mangá, muñequitos, comics, comiczeichnungen, historietas, banda desenhada: diferentes formas de dizer, ao redor do mundo, o que no Brasil conhecemos como "histórias em quadrinhos".

Em Fortaleza, uma exposição foi inaugurada dia 22 de novembro, com a proposta de ser um recorte da produção independente contemporânea mundial de quadrinhos. O quadrinho independente (comix) surgiu nos anos 60 e fez desta mídia uma expressão artística, ao contrário do que acontecia até à década anterior, quando os gibis não eram mais que meios de entretenimento, explorados pelos grandes editores.

Reunindo 44 artistas representados por trabalhos originais e pranchas ampliadas — sendo sete cearenses, 17 de outros Estados brasileiros e 20 de países como África do Sul, Bélgica, Estados Unidos, Finlândia, França, México e Suíça — praticamente todos os artistas estrangeiros participantes jamais tiveram seus trabalhos publicados no Brasil. Trata-se da maior exposição de HQ já realizada na capital cearense.

A "Monstra Comix", segundo os responsáveis pela produção e curadoria (Weaver Lima, Franklin de Oliveira e Érica Zoe, do Núcleo ArtZ), traz ainda atividades paralelas para agitar ainda mais a exposição, incluindo palestras e debates com autores de quadrinhos e mostra temática de filmes. A seguir o bate-papo que o jornalista Claude Bornél, que assina a coluna Seqüencial no portal www.opovo.com.br, teve com os responsáveis pela exposição.

Seqüencial - O que é a "Monstra Comix"?
Franklin de Oliveira - A exposição "Monstra Comix" é uma continuação natural dos trabalhos desenvolvidos por nós do Núcleo ArtZ, de valorização do trabalho autoral. A exposição faz parte de um projeto maior que demos início nesse final de ano (2008), o projeto Monstra – que se divide em vários eventos (exposições, encontros, oficinas, festas, feiras etc).
Weaver Lima - A "Monstra Comix", especificamente, é uma exposição que exibe um pouco da produção contemporânea de histórias em quadrinhos. Trabalharam na seleção das HQs 3 pessoas: eu, o Franklin de Oliveira e a Érica Zoe. Selecionamos autores que se destacam dentro da cena independente dos quadrinhos.
Érica Zoe - São artistas que se utilizam do meio das HQs para expressar sua visão de mundo.

S - Como surgiu a idéia de montar a exposição "Monstra Comix"? Quanto tempo demorou para organizá-la?
WL - O convite partiu da equipe do Sobrado Dr. José Lourenço. Selecionamos o material e montamos toda a exposição em duas semanas. Isso claro, só foi possível nesse tempo porque a gente já tinha o material em mãos e trata-se de uma área que temos conhecimento. Mas a "Monstra Comix" vai mudando, aos poucos vamos acrescentando coisas e lançando publicações como parte da programação da exposição.
FO - Podemos dizer que a exposição já estava montada, no sentido de que estamos sempre observando o q está sendo produzido, vamos catalogando e criando "listas" com os nomes mais interessantes que encontramos. A "Monstra Comix" teve que ser montada nesse pouco espaço de tempo para abrir junto com a Bienal Internacional do Livro do Ceará. O difícil foi decidir quais entrariam e quais teríamos que deixar de fora. Mas era conseguir realizar nesse tempo ou deixar para o ano que vem... Esquecemos o que era dormir e entregamos tudo a tempo.
EZ - A exposição vai ficar em cartaz até fevereiro de 2009, portanto até lá teremos muitos acréscimos. É bom ressaltar que a nossa idéia é que a "Monstra Comix" aconteça sempre e que viaje pra outros locais também, já que trata-se de uma exposição de intercâmbio.

S - Qual é o principal objetivo da exposição?
EZ - Trabalhar um intercâmbio entre artistas ligados a HQ...
WL - Divulgar artistas que produzem boas histórias em quadrinhos. Divulgar artistas que buscam uma forma própria de produzir histórias em quadrinhos e conseguem bons resultados em suas tentativas.
FO - Desde 2005, quando realizamos o evento "Panorama Nona Arte", no Centro Cultural Dragão do Mar, buscamos identificar os produtores e repassar essa informação, principalmente para aqueles que não tem contato com histórias em quadrinhos. Nesse evento (PNA) focamos na produção de HQs no estado do Ceará. No ano seguinte, já dentro da Bienal do Livro, criamos uma programação exclusivamente dedicada às histórias em quadrinhos e à ilustração: o "Festival Internacional de Ilustração" (leia mais em www.opovo.com.br/colunas/sequencial/623536.html e www.opovo.com.br/colunas/sequencial/619564.html), que contou com a participação de Fábio Zimbres (SP/RS), Jean Galvão (SP) e do português José Carlos Fernandes e iniciou o processo de intercâmbio com artistas de outros estados e países. A exposição "Monstra Comix" continua esse trabalho de intercâmbio entre artistas e pretende apresentar até mesmo para os já iniciados em HQs, diversas propostas e estilos de se fazer histórias em quadrinhos, focando principalmente nos artistas independentes, e temos como artistas independentes aqueles que buscam formas alternativas, não apenas de impressão e comercialização de seus trabalhos, mas principalmente de concepção e realização de idéias.

S - Quantos países estão representados na exposição? Quais são os destaques em termos de autores e trabalhos?
FO - Dentro dessa edição da "Monstra Comix", três artistas ganharam salas especiais: Alberto Monteiro (RJ) considerado o mais influente nome da produção independente nacional dos anos 90; Rafael Sica (RS), desenhista que se destaca na atualidade por sua maneira singular de produzir tiras em quadrinhos; e José Carlos Fernandes (Portugal) autor de A Pior Banda do Mundo, premiada série que colocou o nome do artista entre os melhores autores de histórias em quadrinhos da atualidade.
WL - Até o momento, são 44 artistas de 11 países (Brasil, Portugal, Argentina, Espanha, México, França, Bélgica, África do Sul, EUA, Finlândia, Suíça) É difícil destacar um ou outro artista da exposição porque todos os selecionados são nomes importantes da atual produção mundial de HQs. Muitos, apesar de não tão conhecidos, são artistas que possuem obras muito bem resolvidas, que os destacam como grandes artistas além dos limites do meio das HQs. Quando a gente fez a seleção da exposição não procuramos selecionar artistas por países. A seleção foi feita priorizando a qualidade das HQs. Em decorrência do espaço físico, muita coisa ficou de fora. A "Monstra" é uma pequena mostra do que, na nossa opinião, existe de mais interessante no atual cenário atual da HQs.
EZ - No momento. (risos)

S - O que os visitantes da exposição vão encontrar sobre quadrinhos produzidos no Ceará?
FO - Separamos uma das salas para expor trabalhos realizados pelo Núcleo ArtZ, nem todos os trabalhos são histórias em quadrinhos, mas todos se utilizam da linguagem e da influência das HQs como suporte conceitual nas imagens expostas.
EZ - A exposição exibe trabalhos do Marcus Francisco, já falecido. Vamos tentar relançar em janeiro de 2009 a sua publicação Tipo blocomagazine que é uma raridade da história do quadrinho cearense...
WL - Tem também o Saulo Tiago, que é da nova geração de desenhistas de Fortaleza. É um cara que só lançou um zine, até o momento, mas seu trabalho possui uma forte carga pessoal que o destaca como uma das grandes promessas das HQs no nosso Estado.

S - A "Monstra Comix" é a maior exposição sobre quadrinhos já realizada em Fortaleza. Qual é o alcance que uma exposição como esta pode ter? Apenas quem curte quadrinhos ou um público mais amplo, ainda não iniciado na nona arte?
WL - A "Monstra Comix" exibe obras de artistas que utilizam o meio das histórias em quadrinhos para se expressar. é uma mostra de arte que discute muitas questões: ganância, fome, religião, filosofia, amor, costumes... São temas universais que interessam a todos.
FO - Nosso objetivo sempre foi esse, não delimitar para apenas um grupo específico. O que esta sendo exposto em primeiro lugar são idéias, observações sobre o mundo, há quem goste, há quem não goste. Há também aqueles não conhecem, que não sabiam que idéias como aquelas poderiam ser contadas através de quadrinhos.
EZ - São HQs pra quem tem estômago. Não são HQs pra menininhas mimadas... (riso geral)

S - De que forma a "Monstra Comix" pode contribuir para o público ver os quadrinhos de uma forma diferente, desprendendo-se do quadrinho comercial?
FO - Esperamos que o contato com tantas formas variadas de se usar a linguagem das HQs já sirva pra quebrar a regra de que quadrinho só pode ser feito de uma forma ou de outra, que só se pode abordar tal tema etc.

S - Acredita que a exposição pode evoluir para uma Bienal Internacional de Quadrinhos, como a que foi realizada no Rio de Janeiro em novembro de 1991? Por quê?
WL - Aí no caso seria regredir... (risos)
FO - Não é nosso objetivo ter uma Bienal Internacional de Quadrinhos e sim ter um evento de cultura pop, que abrange sim as histórias em quadrinhos, mas não se restringe a elas.
EZ - As HQs precisam dialogar com o mundo, não é? As HQs que estão na "Monstra Comix" fazem isso.
WL - Já acontecem vários eventos de quadrinhos no Brasil seguindo o formato dos eventos de quadrinhos que acontecem no mundo (convenções). Com a "Monstra Comix" queremos ser uma alternativa a mais. A proposta da Monstra é ser a Monstra mesmo...

S - Qual é a diferença entre quadrinho independente e quadrinho comercial (os Marvels e DCs)?
WL - Nos quadrinhos comerciais, escritores e desenhistas produzem produtos que têm que se adequar a regras e modismos para continuar a vender. Tudo é pensado em função do lucro financeiro. É impossível um artista trabalhar dentro da indústria comercial de quadrinhos. Quando eu cito artista, estou referindo-me a alguém que tem embasamento cultural e sabe o que é ser um artista na atualidade. A produção independente parte (em sua maioria) do desejo de se expressar artisticamente. Os artistas que trafegam nesse segmento nem sempre conseguem lucro financeiro com o seu trabalho, mas são responsáveis por mudanças significativas para o desenvolvimento e o reconhecimento das HQs enquanto arte.
FO - O termo independente não inclui o zineiro que escreve e desenha suas próprias histórias do Superman para tentar entrar na DC Comics.
EZ - Tem muita gente que edita suas próprias revistas, mas segue fórmulas das HQs comerciais. É um tipo de gente que se vende como independente, mas o que estão a produzir não representa o espírito da cultura independente.

S - Como você define o quadrinho independe no Ceará? De que forma ele se insere como manifestação cultural da rica cultura do Estado?
WL - No Ceará não existe uma tradição de quadrinho independente que possa definir algo. Mesmo se existisse uma tradição, tendo como base a nossa produção em outras áreas artísticas (musica, teatro, audiovisual etc) não seria tão fácil ser definida. A produção artística cearense tem como sua principal característica: "cada um, cada um". O formato "história em quadrinhos" é uma categoria artística como outra qualquer (literatura, audiovisual, musica, teatro, dança, artes visuais) que artistas utilizam para se expressar. Infelizmente, apesar de existir bastante gente produzindo quadrinhos no Ceará ainda não há incentivo específico para a área de quadrinhos em nosso estado. O motivo disso é a falta de conhecimento sobre essa área por parte dos responsáveis pelo incentivo as artes no nosso Estado.
EZ - Com falta de perspectivas, poucas pessoas dão continuidade à produção de HQ... No Ceará existe uma produção invisível que fica restrita a um publico segmentado, que vai se renovando através de desenhistas que surgem e somem rapidamente...
WL - A idéia do quadrinho independente tem se espalhado pelo mundo e isso vêm gerando uma série de HQs que apresentam outras propostas, criando um campo de discussão mais rico dentro das HQs. É claro que sempre vai existir quem prefira os enlatados. Mas, felizmente, agora podemos dizer que já existe um público que não quer mais os enlatados. É um processo lento, mas as coisas estão mudando.
FO - A "Monstra Comix" serve pra mostrar que um quadrinho de qualidade independe do local onde é feito.

*Autores que integram a "Monstra Comix": Everton (SP/CE), Érica Zoe (CE), Franklin de Oliveira (CE), Marcílio S. (CE), Marcus Francisco (CE), Saulo Tiago (CE), Weaver Lima (CE). Alberto Monteiro (RJ), Allan Sieber (RS/RJ), André Kitagawa (SP), Caco Galhardo (SP), Cavalcante (RJ), Clayton (PR), Fabio Zimbres (SP/RS), Guazelli (RS), Jaca (RS/SP), LAW (RS), Lourenço Mutarelli (SP), Melius (DF), MZK (SP), Odyr (RS/RJ), Paulo Batista (SP), Rafael Sica (RS), RHS (PR). Aurelie Guillerey (França), Cizo & Winshluss (França), Conrad Botes (África do Sul), Daniel Clowes (EUA), Gully (México), Hans Nissen (Finlandia), Jorge Alderete (México), José Carlos Fernandes (Portugal), Liniers (Argentina), Luís Lázaro (Portugal), Maria Colino (Espanha), Martinez (Espanha), Matt Groening (EUA), Paco Alcázar (Espanha), Phillipe Vuillemin (França), Remi (Bélgica), Stephane Blanquet (França), Thomas Ott (Suiça).


SAIBA MAIS
Monstra Comix, exposição organizada pelo Núcleo ArtZ Produção Cultural www.orkut.com/Main#Profile.aspx?uid=14258415608625743465
a Monstra ocupa quatro andares no Sobrado Dr. José Lourenço,
à rua Major Facundo, 154 - Centro - Fortaleza/CE

Entrada: Grátis
Funcionamento: De terça a sexta, das 9h às 19h; aos sábados, das 10h às 19h; e aos domingos, das 10h às 14h
Aberta ao público até fevereiro de 2009

QUE MUNDO QUEREMOS?

É hora de ativar o "sitocômetro"


Encaremos a seguir algumas impressões abalizadas sobre as contradições dos líderes europeus de direita que falam em um "novo acordo de Bretton Woods" e — antes que estivessem definidos os resultados das eleições por lá — a afirmação de que a liderança dos EUA sofre um declínio irreversível e que a hegemonia norte-americana só se sustenta atualmente graças ao poderio militar e político do país.

Nesta entrevista, o renomado teórico trotskista francês Daniel Bensaïd fez também duras críticas à social-democracia européia e aponta a falta de um projeto de esquerda na Europa. E, a despeito de afirmar não conhecer muito bem a situação da América Latina, Bensaïd acredita que os governos de esquerda da região podem, sim, constituir uma alternativa local à crise. Para ele, chegou a hora de dizer qual "outro mundo possível" realmente queremos.

Carta Maior – Quais são suas impressões, em linhas gerais, sobre a atual crise financeira mundial? Estamos diante de uma crise terminal do sistema capitalista?
Daniel Bensaïd – O capitalismo não vai acabar sozinho. Esta é uma crise histórica, e não somente uma crise ordinária, como o capitalismo conheceu a cada 10 ou 15 anos. Essa crise era também previsível, porque é impossível exigir — como fazem os acionistas — um retorno sobre seus investimentos da ordem de 15% ao ano frente a um crescimento que em média, no caso dos países desenvolvidos, é de 2% ou 3% ao ano. Alguns dizem que a crise financeira pode chegar à economia real, o que é uma fórmula um pouco absurda porque as finanças fazem parte da economia, elas não são irreais, efetivamente. Por trás dessa crise financeira já havia uma crise de produção. Ao menos para os países europeus — não conheço as estatísticas sobre o Brasil — a divisão do valor agregado entre salário e trabalho se deslocou 10% em favor do capital, ou seja, do ganho do capital em detrimento do trabalho, o que provoca uma crise incontrolável. Para continuar a vender — porque se existe o produto é preciso vendê-lo — houve um aumento totalmente louco do crédito, e não somente do crédito hipotecário imobiliário nos EUA. Também aumentou o crédito ao consumo, o crédito às empresas etc. A crise, desse ponto de vista, era previsível.
Por outro lado, ela não é simplesmente uma fatalidade, é o resultado de decisões políticas que se acumularam por 20 anos, porque a desregulamentação das bolsas, a livre circulação de capitais, o desenvolvimento dos ganhos do capital não fiscalizados, tudo isso foi precedido por uma série de medidas legislativas tomadas pelos diferentes parlamentos na Inglaterra, na França, na Alemanha etc. No que concerne à Europa, isso foi sistematizado pelos diferentes tratados da União Européia, de Maastrich em 1992 até o Tratado de Lisboa no ano passado, que codificaram o livre mercado europeu. Portanto, essa era uma crise previsível e ela é muito grave porque é globalizada, esse é seu caráter inédito. Mas, por trás de tudo isso, eu creio que o capitalismo poderá se restabelecer, ele já resistiu a outras crises. O problema é saber a qual preço e quem vai pagar o preço, pois essa é, afinal de contas, uma crise mais profunda. No jargão marxista, podemos dizer que a lei do valor atualmente funciona muito mal. Hoje, não podemos medir pelo tempo do relógio um trabalho social muito complexo, que cada vez mais mobiliza conhecimento acumulado, como não podemos tampouco medir a crise ecológica pela flutuação das bolsas de valores.

CM – A crise ambiental, com o problema do aquecimento global, torna a crise financeira ainda mais grave. Estamos vivendo uma crise da humanidade?
DB – Sim, e a crise ambiental não é um problema qualquer. Quando pensamos nas conseqüências, que virão durante séculos ou talvez milhares de anos, da estocagem de lixo nuclear, da destruição das florestas, da poluição dos oceanos e, agora, das mudanças climáticas, vemos que todos esses problemas não poderão ser controlados simplesmente pelos mecanismos do mercado que, por definição, são mecanismos que arbitram no curto prazo ou de maneira instantânea. Está no centro do que chamamos de organização social a prática de medir toda riqueza, toda relação social, e mesmo a relação da sociedade humana com a natureza, pelo único critério do tempo de trabalho abstrato.

CM – Os países da Europa tomaram a dianteira contra a crise com medidas protecionistas e forte presença do Estado. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, afirmou que os países devem caminhar para um novo Bretton Woods. Como o senhor analisa a posição européia?
DB – Existe uma contradição em uma crise como esta. Como a globalização esta aí e é, em parte, irreversível, todo mundo hoje, e mesmo os antigos liberais fanáticos de outrora, pensa que é preciso estabelecer uma regulação e novas regras do jogo. Todo mundo fala de uma regulação em escala mundial, um novo Bretton Woods, ou ao menos em escala continental como, se pegarmos o exemplo da Europa, a criação do Fundo Soberano Europeu. Estas são as intenções. Ao mesmo tempo, dentro de uma crise grave como esta, cada um tenta jogar de forma solitária, e nós observamos desde o início da crise interesses diferentes como, por exemplo, na Alemanha e na Irlanda, que quiseram proteger seus próprios capitais e seus próprios bancos.
É cedo demais para dizer quem vai levar a melhor ou se haverá uma espécie de solidariedade entre capitalistas suficientemente forte para criar mecanismos de controle da crise e de solução para os nossos problemas. Ou ainda, ao contrário, se vamos assistir a um agravamento muito forte da concorrência intercapitalista, interimperialista ou entre os grandes blocos. Uma crise como a atual cria também tendências centrífugas muito fortes.

CM – O senhor acredita que esta crise consolida o declínio dos Estados Unidos como potência hegemônica mundial?
DB – Do ponto de vista econômico, o declínio do império americano começou há muito tempo. Os EUA são o país mais endividado do mundo, que continua a desempenhar um papel hegemônico, em grande parte, por causa do seu poderio militar, que representa 60% dos armamentos e das despesas com armamentos em todo o mundo. E, atualmente, existe um efeito perverso, pois a dívida americana havia sido neutralizada pelo deslocamento de capitais dos países produtores de petróleo e da China aos EUA sob forma de Obrigações do Tesouro, ou seja, em dólares. Se esse capitais se retiram, eles fazem o dólar cair e os EUA perdem de todo jeito. Portanto, do ponto de vista econômico, existe uma espécie de mecanismo que deixa os EUA na condição de refém. Enquanto os EUA mantiverem a hegemonia militar, o cenário atual poderá durar, mas a gente vê muito bem hoje, e via mesmo antes da crise, que o euro — ou mesmo o yen, mas, sobretudo o euro — pode se tornar a moeda de reserva no lugar do dólar, que ainda guarda seu papel de moeda de troca internacional muito mais por causa da potência política e militar estadunidense do que por causa da solidez da economia dos Estados Unidos. Por isso, eu creio que hoje o declínio dos EUA é irreversível.

CM – Qual sua avaliação sobre o posicionamento da esquerda frente à crise financeira? O senhor acredita que os governos de esquerda da América Latina podem ter papel importante na busca de soluções para a crise?
DB – Eu não conheço muito bem o contexto da América Latina. Eu não sei qual vai ser, por exemplo, a capacidade da Venezuela se o preço do petróleo continuar a cair, portanto é mesmo possível que os efeitos da crise sejam mais duros para paises como a Bolívia ou a Venezuela do que para o Brasil, que tem uma exportação mais diversificada. Eu penso que a crise se fará sentir também no Brasil, mas talvez menos forte. Agora, se a reação à crise vai começar a partir de um pólo bolivariano ou a partir da tentativa do Banco do Sul para se tornar autônomo em relação ao dólar, se vai ser criada uma solidariedade energética e alimentar entre os países da América Latina, se isso tudo vai avançar ou não, a questão está aqui e a resposta está aqui. Eu não tenho resposta.

CM – E na Europa, existe um projeto da esquerda?
DB – A social-democracia, que é a maior força de esquerda na Europa, vem destruindo metodicamente nos últimos 20 anos os mecanismos do Estado-providência e do Estado de Bem-Estar Social. Atualmente, diante da brutalidade da crise, vemos dirigentes do Partido Socialista na França falarem novamente de nacionalização. O que fez Sarkozy não foi em hipótese alguma a nacionalização dos bancos. O que ele fez foi dar aos bancos a segurança do Estado sem nem mesmo solicitar o direito a voto nos conselhos de administração, foi meramente um socorro aos bancos.
Certas vozes de esquerda pedem o relançamento de uma política de aumento dos salários, mas isso exigiria uma política séria em escala européia, porque existe o desafio de fazer em nível europeu o contrário do que fizeram os partidos socialistas nos governos nacionais nos últimos vinte anos, ou seja, reconstruir os serviços públicos europeus, harmonizar a fiscalização européia, desenvolver uma fiscalização fortemente progressiva e retomar o poder de compra. Isso significa destruir todos os tratados sobre os quais foi construída a União Européia desde 1992. Eu não acredito que exista nem a vontade política de fazer isso nem a força social para fazer. Por uma razão, pois, através do processo que atravessou, a social-democracia européia perdeu muito do seu apoio popular. Por outro lado, ela se integrou muito fortemente ao topo, às empresas privadas e às finanças globalizadas. O símbolo disso é a presença de dois social-democratas franceses como homens de confiança do capital à frente da OMC (Dominique Strauss-Khan) e do FMI (Pascal Lamy). Isso resume um pouco a situação.

CM – O economista François Chesnais afirma que esta crise é a primeira etapa de um processo muito longo e que não sabemos como ele vai acabar. O senhor sempre foi um crítico contumaz tanto do capitalismo e da globalização financeira quanto dos regimes socialistas constituídos sob a ótica stalinista. O senhor acredita que a humanidade está preparada para construir uma terceira via?
DB – A terceira via não passa nem pela gestão estatal e burocrática que faliu nos países do Leste da Europa, notadamente na União Soviética, nem pelo liberalismo. Muita gente diz hoje em dia que a crise não foi causada pelo capitalismo em si, mas pelos excessos e abusos cometidos. Não, a crise foi causada fundamentalmente pela própria lógica do capitalismo. Eu acredito que passamos da fase dos slogans simpáticos dos fóruns sociais. Se um outro mundo é possível, chegou a hora de dizer qual. Nós saímos de um século que terminou, sob o meu ponto de vista, com uma derrota histórica das esperanças de emancipação. Nós entramos no século XXI com muito menos ilusão do que nossos ancestrais entraram no século XX, sobretudo os socialistas, que acreditavam no fim das guerras e da exploração.
O problema atual é que estamos no início de uma longa reconstrução, mas, ao mesmo tempo, numa corrida contra o relógio, mais do que nunca, pois vivemos uma crise de destruição não somente social, mas também ecológica. Para mim, há somente uma alternativa: opor à concorrência e à lógica do todos contra todos uma lógica do bem comum, dos serviços públicos e da solidariedade. Podemos chamar isso de socialismo, comunismo ou democracia autogestionária. É preciso tentar. Se nós não tentarmos mudar o mundo, ele vai nos esmagar.

* entrevista com o cientista político e filósofo francês Daniel Bensaïd concedida no Rio de Janeiro a Maurício Thuswohlo (da agência Carta Maior), por ocasião de sua recente vinda ao Brasil para uma série de palestras que acompanham o lançamento do livro Os irredutíveis, teoremas de resistência para o tempo presente (Ed. Boitempo)


02 dezembro 2008

FÉRIAS COM TUDO DENTRO

Dando a volta ao mundo


O comportamento sexual do(a)s brasileiro(a)s vem se alterando, de acordo com as mudanças sobre a percepção da epidemia de aids. Em muitos relacionamentos considerados estáveis — ou, às vezes, após a terceira relação com a mesma pessoa —, muitos casais "abrem mão" do preservativo, por terem uma falsa sensação de segurança (!).

Para incentivar a prevenção responsável, as camisinhas Preserv lançam-se em uma nova promoção, a “Volta ao Mundo Preserv”, destacando o slogan: Preserv-se que você só tem a ganhar.“As campanhas têm um lado social importante, pois incentivam a compra e o uso de preservativos", afirma Fernando Oliveira, diretor executivo e comercial da Blausiegel — a empresa fabricante da linha Preserv.

Para Oliveira, o ato de se preservar não pode estar apenas relacionado à primeira vez com um novo parceiro. "O que vemos hoje é que, mesmo com informação, muitas pessoas ainda preferem ter um comportamento de risco a investirem em uma proteção segura e eficaz, não só contra o vírus da aids, como também contra outras doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada”, completa o executivo.

Verdade. Tanto que um levantamento feito pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, entre 1997 e 2007, aponta que houve aumento da incidência de contaminação por HIV nas pessoas com mais de 12 anos de estudo, passando de 3,5% para 4,3% no caso de mulheres e de 6,9% para 8% no caso de homens. Justamente entre quem deveria ser "mais esclarecido"...

No mesmo período, as contaminações de mulheres que freqüentaram a escola por, no máximo, três anos, caíram de 33,2% para 7,5% do total de casos em 2007, índice que entre os homens caiu de 28% para 5,3%. Parece que o pessoal está abrindo mais o olho para estes "detalhes"...

Nesse meio-de-campo, a linha Preserv da Blausiegel deu o pontapé inicial da campanha nacional Volta ao Mundo Preserv oferecendo o sorteio de 4 viagens em 2009. Os participantes premiados irão para um dos destinos: África, Europa, Oceania ou EUA, com direito a acompanhante, roteiro especialmente elaborado e um cartão de crédito com R$ 5 mil para gastar como desejar. Ou seja, viajando com tudo dentro... não é mole, não!

Para participar da campanha, basta cadastrar o cupom de participação que vem nos preservativos da Linha Preserv: Teen, Plus, Extra, ProLong, Alta Proteção ou Lite, e responder à pergunta: “Qual a camisinha que leva você para conhecer os melhores lugares do mundo?”.

Quanta moleza... Serão respectivamente quatro sorteios, para os destinos: África do Sul em 13/01/2009, Reino Unido em 13/04/2009, Nova Zelândia em 13/07/2009 e Estados Unidos em 01/10/2009. Fique ligado(a)! Até para viajar tem hora!

O cupom e a resposta devem ser enviados pelo site www.preserv.com.br ou por carta para a promoção Volta ao Mundo Preserv, Caixa Postal n.º 18068, CEP 04626-970, São Paulo/SP. E boa sorte com o sorteio, porque se você tomou suas precauções na hora do sexo já é uma pessoa de sorte!


SAIBA MAIS
www.flotereschauff.com.br

04 novembro 2008

PRODUÇÃO VERTICAL

Use seu dedo verde!



Há pessoas que desejam muito cultivar uma horta em casa — ou até na empresa —, mas não sabem como fazer isso. Nas casas em geral, um espaço que poderia ser destinado à horta acaba sendo revestido com piso de cerâmica ou concreto, não restando terra sequer para um canteiro.

Quem mora em apartamento, então, conta com outra dificuldade, além da área restrita: a falta de insolação adequada.

Bem, certamente é possível plantar hortaliças em vasos cerâmicos ou potes de plástico, mas estes recipientes têm o inconveniente de ocupar muito espaço e dispor de pouca profundidade, o que impede o desenvolvimento das mudas. Os vasos de barro, por exemplo, não servem, pois são pesados, trincam e quebram-se com facilidade. Já os vasos de plástico preto, além do custo mais alto, esquentam demais, mostrando-se inadequados para esse tipo de cultivo.

Refletindo sobre estas e outras particularidades, algumas mentes criativas vêm desenvolvendo uma técnica inédita a partir de características aparentemente inusitadas: a combinação de um espaço vertical com o plantio em vários níveis, utilizando para isso tambores e outros recipientes de plástico reutilizáveis (como bombonas e até garrafas PET).

A primeira experiência realizada na residência de um casal, em Jundiaí (SP), resultou na montagem de uma prática horta vertical em uma área de apenas 16 m² (4 m x 4 m) de piso de concreto. Foi o suficiente para produzir e satisfazer o consumo diário de hortaliças de uma família com seis membros. E de repente, o número de pessoas interessadas no cultivo de uma horta mostrou ser maior do que o que eles imaginavam.

Sem dúvida, a Horta Vertical Orgânica pode ser uma solução prática e eficiente até para quem tem apenas a sacada do próprio apartamento, por exemplo, e quer produzir e consumir suas próprias hortaliças. Porém, mais importante do que a satisfação de um desejo talvez seja a constatação de que este sistema pode solucionar um dos grandes problemas contemporâneos — a incerteza da procedência e qualidade dos vegetais adquiridos nas feiras, mercados e supermercados.

Os que aprenderam a técnica estão se abastecendo com legumes, verduras e temperos tenros e saborosos, livres de quaisquer agrotóxico, composto químico ou bactérias nocivas. E os benefícios de sua adoção não se restringem apenas aos frutos de uma alimentação mais saudável, mas tornam possível inclusive o aspecto terapêutico de uma prática extremamente agradável, quase em desuso na região urbana, que consiste em lidar com a terra, produzir e colher seus próprios alimentos.

A seguir, mais sobre o funcionamento da Horta Vertical Orgânica:

ESPAÇO OCUPADO E RENDIMENTO
A unidade produtora (foto) mede 1 m de altura por 40 cm de diâmetro e permite a produção de até 25 pés de hortaliças — o suficientes para o consumo mensal de uma pessoa, desde que novas mudas sejam replantadas imediatamente após a colheita para consumo.

TEMPO DISPENDIDO
O tempo necessário para a manutenção de uma horta já implantada, para uma família de seis pessoas, é de no máximo 20 min diários, em média, para regar, colher, semear, transplantar e cuidar da compostagem (adubo). Agora, apreciar e mostrar aos amigos — isso demora um pouco mais!

IMPLANTAÇÃO
Cada unidade produtora igual à da foto tem um custo inicial de montagem aproximado de R$ 50, mas poderá ser reaproveitada indefinidamente. Outros tipos de unidades têm custos menores.

CUSTO DE MANUTENÇÃO
Após a implantação, os custos passam a ser mínimos, em média R$ 8 por mês para uma horta que abastece uma família de seis pessoas.

CONSUMO DE ÁGUA
Uma das vantagens da Horta Vertical é a economia de água — apenas o suficiente para manter a terra úmida. A perda pela evaporação é muito menor do que em uma horta convencional.

FAZ SUJEIRA?
Após a montagem das unidades não haverá sujeira.

A COMPOSTAGEM CHEIRA MAL?
A compostagem, quando realizada conforme as instruções, não deverá produzir qualquer mau cheiro e pode ser realizada no ambiente doméstico.

O QUE PODE SER CULTIVADO?
Alface, chicória, rúcula, agrião, almeirão, tomate, beterraba, berinjela, couve, salsa, salsinha, escarola, pimentão, cenoura, brócolis, orégano, hortelã, sálvia, poejo, manjerona, manjericão, tomilho, rabanete, mostarda, morango, maracujá, uva etc.

MANUAL DE INSTRUÇÕES
Pode-se adquirir um Manual da Horta Vertical Orgânica completo pelo e-mail contato@hortavertical.com.br. Nas versões impressa ou digitalizada, apresenta fotos coloridas e todas as instruções para a montagem e cuidados de uma horta. Os responsáveis por escolas ou projetos comunitários que atendem pessoas carentes, quando devidamente identificados, podem receber o Manual gratuitamente por e-mail.


SAIBA MAIS
www.abhorticultura.com.br/Dicas/Default.asp?id=5751

www.fazfacil.com.br/jardim/horta_organica_vertical.html

O JOGO

Nas ondas da crise


Pediram-me para comentar a crise global que começou com os tais subprimes nos EUA. Fico apreensivo, não sou economista e provavelmente falaria besteiras. Mas aí me lembro daquelas famosas duas regras da economia: 1. Para cada economista existe outro igual dizendo exatamente o contrário. 2. Ambos podem estar errados...

Poxa, então posso dar meus pitacos! Olha só.

Luca Bartolomeo de Pacioli foi um monge franciscano e matemático italiano considerado o pai da contabilidade moderna. Em 1494 publicou um livro que ficou famoso, a Summa de Arithmetica, Geometria proportioni et propornaliti. Um capítulo desse livro definiu o que veio a ser a contabilidade de dupla entrada: entra um tanto, sai outro tanto e a diferença é o que vai dizer se o negócio vai bem ou mal. Esse método ficou famoso, mas tem uma limitação: é baseado em interações, na troca de bens ou serviços por dinheiro ou por outros bens ou serviços.

Quando a internet surgiu com força total, o mundo mergulhou de cabeça em transações bilionárias que prescindiam de produtos e serviços. As transações eram baseadas em idéias, em algo que poderia valer no futuro. Assistimos a coisas malucas, como uma companhia aérea cujas centenas de aviões valiam menos que o software criado para gerenciar as emissões de passagens. Uma idéia na cabeça valia mais que um produto na mão.

E o mundo enlouqueceu, pois o modelo de Luca Pacioli não contemplava a transação de nada com coisa nenhuma. E quando se percebeu que aquelas idéias não tinham lastro, a bolha explodiu. E ninguém entendeu...

Outro exemplo: uns trinta anos atrás o Japão era o tigre asiático, crescendo como ninguém, tornando-se a segunda maior economia do mundo e mostrando uma exuberância econômica de fazer inveja. No auge dos meus vinte e poucos anos eu não entendia o milagre japonês.

- Eles não têm terras. Não têm matérias-primas. Não têm água. É impossível sustentar essa posição sem ter base, sem ter raízes, sem ter extensão territorial.

E ao longo dos anos 1980 o Japão foi definhando e para mim o que aconteceu foi simples: o Japão só tinha promessas. Desenvolveu capacidade tecnológica e criatividade para trabalhar sobre as matérias-primas de outros países.

A falta de raízes, de base, de lastro, logo esgotou o modelo japonês, que interrompeu aquela exuberância para entrar num processo infinito de quase estagnação. Ainda são poderosos e ricos, mas não podem ir mais adiante. O Japão não tem lastro.

A bolha da internet, aquele Japão e a atual crise dos subprimes dos EUA têm muito em comum: são complexos processos de interações econômicas baseados em percepções. Em riquezas virtuais. Em algo que não existe. São, portanto, insustentáveis.

Estamos assistindo a um jogo no qual todos os jogadores blefam. Na hora de mostrar as cartas, a casa cai. E quem arriscou mais, perde mais. Ou ganha mais.

E no meio desse tiroteio, só tenho certeza de uma coisa: o capitalismo curará suas feridas e sairá ainda mais forte.

O que verdadeiramente me apavora é a tentativa de explicar a crise econômica pelas lentes da ideologia. Isso é papo de jogador que não sabe perder.

*o jornalista Luciano Pires é o demiurgo da despocotização

16 outubro 2008

O NAUFRÁGIO DO CENTRO DO MUNDO

EUA entre recessão e colapso

A recessão instalou-se nos Estados Unidos. Os subsídios alimentares que em 2006 abrangiam uns 26,5 milhões de pessoas subiram em 2007 para 28 milhões, nível nunca atingido desde os anos 1960. Recentemente a OCDE-Organisation for Economic Co-operation and Development (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) reviu em baixa suas previsões de crescimento para a economia estado-unidense, assinalando-lhe uma expansão igual a zero para o primeiro semestre deste ano.

Por seu lado, o FMI-Fundo Monetário Internacional acaba de fazer um prognóstico ainda mais grave, pois inclui períodos de crescimento negativo. Estes organismos vinham bombardeando os meios de comunicação (que por sua vez bombardeavam o planeta) com prognósticos otimistas, baseados na suposta fortaleza da economia norte-americana.

Sustentavam que não haveria recessão e que o pior poderia ser um crescimento baixo, rapidamente ultrapassado por uma nova expansão... Se agora admitem a recessão, é porque algo muito pior está no horizonte. Sob a aparência de várias crises convergentes, desenvolve-se perante os nossos olhos o final daquilo que deveríamos encarar como o primeiro capítulo do declínio do império norte-americano (aproximadamente 2001-2007) e o começo de um processo turbulento desencadeado pelo salto qualitativo de tendências negativas que se foram desenvolvendo ao longo de períodos de diferentes durações.

De qualquer forma, as más notícias financeiras, energéticas e militares não parecem aplacar os delírios messiânicos de Washington, antes pelo contrário. É como se Bush e seus falcões não fossem deixar a Casa Branca dentro de pouco tempo. Continuam a ameaçar governos que não se submetem aos seus caprichos, insinuam novas guerras e afirmam querer prolongar indefinidamente as ocupações do Iraque e do Afeganistão -- inclusive um ataque devastador contra o Irã é ainda possível.

De vez em quando, emerge nova onda de rumores bélicos a apontar o Irã, em geral com origem em declarações ou transpirados de altos funcionários do governo. Um ataque contra esse país teria consequências imediatas catastróficas para a economia mundial: o preço do petróleo dispararia para as nuvens, o sistema financeiro global passaria a uma situação caótica e a recessão imperial converter-se-ia em ultra recessão encabeçada por um dólar em queda livre.

Talvez alguns estrategistas do Pentágono e do círculo de falcões mais radicalizados estejam a imaginar uma grande fogueira mundial purificadora, da qual emergiria vitoriosa a nação escolhida por Deus: os Estado Unidos da América. Trata-se de uma loucura, mas faz parte da configuração psicológica de uma parte importante da elite dominante, atravessada por uma corrente letal que combina virtualismo, onipotência, desespero e fúria perante uma realidade a cada dia menos dócil.

Nos grandes centros de decisão econômica atualmente domina a incerteza, que acaba de se ver convertida em pânico. O fantasma do colapso começa a mostrar seu rosto. Enquanto isso, todas as autoridades econômicas norte-americanas injetam maciçamente liquidez no mercado, concedem subsídios fiscais e improvisam salvações custosas das instituições financeiras em bancarrota, tentando suavizar a recessão, sabendo que desse modo aceleram a inflação e queda do dólar. Porém, sua margem de manobras é muito pequena: a mistura de inflação e recessão torna completamente ineficazes seus instrumentos de intervenção.

A palavra "colapso" foi aparecendo com intensidade crescente desde fins do ano passado em entrevistas e artigos jornalísticos, muitas vezes combinadas com outras expressões não menos terríveis, em alguns casos adotando seu aspecto mais popular (derrocada, morte, queda catastrófica) e em outros sua forma rigorosa, ou seja, como sucessão irreversível de graves deteriorações sistêmicas, como decadência geral.

Paul Craig Roberts (que no passado foi membro da equipe diretora do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e editor do Wall Street Journal) publicou em 20 de março deste ano um texto intitulado O colapso da potência americana, em que descreve os traços decisivos do declínio integral dos Estados Unidos [1] .

A 27 de março, The Economist intitulava Esperando o Armagedom, um artigo acerca da maré irresistível de bancarrotas empresariais norte-americanas. A 14 de março, The Intelligencer ostentava o título Peritos internacionais prognosticam o colapso da economia norte-americana num artigo que recolhia as opiniões, dentre outros, de Bernard Connelly (do banco AIG) e de Martin Wolf, colunista do Financial Times.

A 3 de abril Peter Morici, numa nota aparecida em Counterpunch, assinalava que "é impossível negar que a economia (estado-unidense) entrou numa recessão cuja profundidade e duração são imprevisíveis"...[2] . À guisa de conclusão, em 14 de abril o Financial Times publicava um artigo de Richard Haass, presidente do Conselho de Relações Exteriores dos EUA, onde assinalava que "a era unipolar, período sem precedentes de domínio estado-unidense, terminou. Durou umas duas décadas, pouco mais de um instante em termos históricos" [3] .

Uma degradação prolongada
Para entender o que está ocorrendo, bem como seus possíveis desenvolvimentos futuros, é necessário levar em conta fenômenos que modelaram o comportamento da sociedade norte-americana durante as últimas três décadas, gerando um processo mais amplo de decadência social. Em primeiro lugar, a deterioração da cultura produtiva, deslocada gradualmente por uma combinação de consumismo e práticas financeiras.

A precarização laboral incentivada a partir da presidência de Reagan procurava diminuir a pressão salarial, melhorando assim a rentabilidade capitalista e a competitividade internacional da indústria. Mas, a longo prazo, isto degradou a coesão laboral, o interesse dos assalariados para com as estruturas de produção, derivando para uma crescente ineficácia dos processos inovativos que passaram a ser cada vez mais difíceis e caros em comparação com os dos principais competidores globais (europeus, japoneses, etc).

Um dos seus resultados foi o déficit crônico e ascendente do comércio exterior (2 mil milhões de dólares em 1971, 28 mil milhões em 1981, 77 mil milhões em 1991, 430 mil milhões em 2001, 815 mil milhões em 2007).

Enquanto isso, foi-se expandindo a massa de negócios financeiros, absorvendo capitais que não encontravam espaços favoráveis no tecido industrial e outras atividades produtivas. As empresas e o Estado procuravam esses fundos, as primeiras para desenvolverem-se, concentrar-se, competir num mundo cada vez mais duro, e o segundo para financiar seus gastos militares e civis, que cumpriam um papel muito importante na sustentação da procura interna.

Recordemos, por exemplo, as despesas descomunais provocadas pela chamada "Iniciativa de Defesa Estratégica" (mais conhecida como "Guerra das Estrelas") lançada por Reagan em 1983 no momento em que o desemprego superava os 10% da População Economicamente Activa (o número mais elevado desde o fim da Segunda Guerra Mundial).

Um segundo fenômeno foi a concentração de rendimentos. Nos princípios dos anos 1980, os 1% mais ricos da população absorviam entre 7% e 8% do Rendimento Nacional. Vinte anos depois, o número havia duplicado e em 2007 rondava os 20%, o mais alto nível de concentração desde fins dos anos 1920. Por sua vez, os 10% mais ricos, que em meados dos anos 1950 absorviam um terço do Rendimento Nacional, passaram na atualidade a absorver 50% [4] .

Ao contrário do que ensina a "teoria econômica", a referida concentração não derivou em maiores poupanças e investimentos industriais e sim em mais consumo e mais negócios improdutivos que, com a ajuda do boom das tecnologias da informação e das comunicações, engendraram um universo semi-virtual por cima do mundo, quase mágico, onde fantasia e realidade misturam-se caoticamente. Por ali navegaram (e ainda navegam) milhões de norte-americanos, em especial nas classes superiores.

Entrelaçado com o anterior irrompeu um processo, a princípio quase imperceptível mas a seguir esmagador de desintegração social, em que um dos seus aspectos mais notáveis é o incremento da criminalidade e da subcultura da transgressão, que abrange os mais variados setores da população. Tal processo foi acompanhado pela criminalização de pobres, marginais e minorias étnicas. Actualmente, os cárceres norte-americanos são os mais populosos do planeta.

Em 1980 os EUA alojavam uns 500 mil presos, em 1990 cerca de 1.150.000, que em 1997 eram 1.700.000, aos quais havia que acrescentar 3.900.000 em liberdade vigiada ( probation etc.), mas em fins de 2006 os presos somavam uns 2.260.000 e os cidadãos em liberdade vigiada uns 5 milhões. No total, mais de 7.200.000 norte-americanos encontravam-se sob custódia judicial [5] .

Em abril de 2008, um artigo aparecido no New York Times assinalava que os EUA, com menos de 5% da população mundial, alojam 25% de todos os presos do planeta: um em cada 100 dos seus habitantes adultos encontram-se encarcerados. É o número mais alto no nível internacional [6] .

Militarização e decadência estatal
Outro fenômeno a ter em conta é a longa marcha ascendente do Complexo Industrial Militar, área de convergência entre o Estado, a indústria e a ciência que se foi expandindo desde meados dos anos 1930, atravessando governos democratas e republicanos, guerras reais ou imaginárias, períodos de calma global ou de alta tensão. Alguns autores, dentre eles Chalmers Johnson, consideram que os gastos militares foram o centro dinâmico da economia norte-americana desde a Segunda Guerra Mundial até às guerras euro-asiáticas da administração Bush-Cheney, passando pela Coréia, Vietnam, a "Guerra das Estrelas" e o Kosovo.

Segundo Johnson, que define a estratégia sobredeterminante seguida nas últimas sete décadas como "keynesianismo militar", o gasto bélico real do exercício fiscal de 2008 superaria os 1,1 milhões de milhões de dólares, o mais alto desde a Segunda Guerra Mundial [7] . Estes gastos foram crescendo ao longo do tempo, envolvendo milhares de empresas e milhões de pessoas.

De acordo com os cálculos de Rodrigue Tremblay em 2006, o Departamento da Defesa dos EUA empregou 2.143.000 pessoas, enquanto os empreiteiros privados do sistema de defesa empregavam 3.600.000 trabalhadores (no total, 5.743.000 postos de trabalho), aos quais há que acrescentar uns 25 milhões de veteranos de guerra. Em suma, nos Estados Unidos uns 30 milhões de pessoas (número equivalente a 20% da População Economicamente Activa) recebem de maneira direta ou indireta rendimentos provenientes da despesas públicas militares [8] .

O efeito multiplicador do setor sobre o conjunto da economia possibilitou, no passado, a prosperidade de um esquema que Scott MacDonald qualifica como "the guns and butter economy", ou seja, uma estrutura onde o consumo de massa e a indústria bélica expandem-se ao mesmo tempo [9] .

Mas este longo ciclo está chegando ao seu fim. A magnitude atingida pelos gastos bélicos converteram-nos num fator decisivo do déficit fiscal, causando inflação e a desvalorização internacional do dólar. Além disso, sua hipertrofia concedeu um enorme peso político a elites estatais (civis e militares) e empresariais, que foram embarcando num autismo sem contrapesos sociais.

O crescente refinamento tecnológico -- em paralelo com o encarecimento dos sistema de armas -- afastou cada vez mais a ciência militarizada das suas eventuais aplicações civis, afetando negativamente a competitividade industrial. Esta separação ascendente entre a ciência-militar (devoradora de fundos e talentos) e a indústria civil chegou a níveis catastróficos no período terminal da ex-União Soviética. Agora, a história parece repetir-se. A tudo isto acrescenta-se um acontecimento aparentemente inesperado.

As guerras do Iraque e do Afeganistão -- e de maneira indireta o fracasso da ofensiva israelense no Líbano -- mostram a ineficácia operativa da super-complexa (e super-cara) maquinaria bélica de última geração, posta em xeque por inimigos que operam de maneira descentralizada e com armas simples e baratas, o que disponibiliza uma grave crise de percepção (uma catástrofe psicológica) entre os dirigentes do Complexo Industrial Militar dos EUA e da NATO (na história das civilizações, esta não é a primeira vez que ocorre um fenômeno deste tipo).

Pois bem, a hipertrofia-crise da militarização está estreitamente associada (faz parte) à decadência do Estado, expressa pelo recuo da sua capacidade integradora (declínio da segurança social, predomínio da cultura elitista nos seus centros de decisão etc.), pela degradação da infraestrutura e por um déficit fiscal crônico e em aumento que redundou numa dívida pública gigantesca. Se nos ativermos às últimas quatro décadas, os superávits fiscais constituem uma raridade. A partir dos anos 1970, os déficits foram crescendo até chegarem, em princípios dos 1990, a níveis muito altos.

Entretanto, Clinton despediu-se em fins dessa década com alguns superávits que, observados do ponto de vista do longo prazo, surgem como fatos efêmeros. Mas desde a chegada de George W. Bush, o déficit regressou, atingindo números sem precedentes: 160 mil milhões de dólares em 2002, 380 mil milhões em 2003, 320 mil milhões em 2005...

Encontramo-nos agora frente a um Estado imperial carregado de dívidas, cujo funcionamento já não depende só do sistema financeiro nacional como também (cada vez mais) do financiamento internacional. Teria sido extremamente difícil à Casa Branca lançar-se na sua aventura militar asiática sem a compra dos seus títulos por parte da China, Japão, Alemanha e outras fontes externas.

A dependência energética
A tudo isto é necessário acrescentar a dependência petrolífera. Por volta de 1960 os Estados Unidos importavam 16% do seu consumo, que atualmente chegam aos 65%. Durante muito tempo puderam importar a preços baixos, mas agora a situação mudou, a produção mundial de petróleo está a aproximar-se do seu nível máximo (dentro de muito pouco tempo começará a descer) o que, combinado com o enfraquecimento do dólar, está a levar o preço a níveis nunca antes atingidos.

E a substituição parcial de combustível de origem fóssil por biocombustíveis (no qual também estão empenhadas as outras grandes potências industriais) reduz a disponibilidade relativa global de terras agrícolas para a produção de alimentos, o que provoca a subida geral dos preços dos produtos da agricultura. Em consequência, o efeito inflacionário amplifica-se.

Os Estados Unidos emergiram como um grande país industrial porque, desde princípios do século XX foram também a primeira potência petrolífera internacional. Tal como a Inglaterra durante o século XIX em relação ao carvão, gozaram de uma vantagem energética que lhes permitiu desenvolver tecnologias apoiadas no referido privilégio e competir com êxito com o resto do mundo. Mas em meados dos anos 1950, importantes peritos norte-americanos, como o geólogo King Hubbert, anunciaram o fim próximo da era de abundância energética nacional. Tal como antecipou Hubbert (em 1956), a partir de princípios dos anos 1970 a produção petrolífera estado-unidense começaria a declinar. Assim aconteceu.

A incapacidade dos Estados Unidos para reconverter seu sistema energético (teve quase quatro décadas para fazê-lo) reduzindo ou travando sua dependência em relação ao petróleo pode ser atribuída em primeiro lugar à pressão das companhias de petróleo, que impuseram a opção da exploração intensiva de recursos externos, periféricos, que foram superestimados. Poderia afirmar-se, neste caso, que a dinâmica imperialista forjou uma armadilha energética da qual agora é vítima o próprio Império.

O Estado não desenvolveu estratégias de longo prazo tendentes à poupança de energia – o que provavelmente teria desacelerado (não evitado) a crise energética actual – não só por imposição do lobby petrolífero como também porque suas cúpulas políticas (democratas e republicanas) foram-se submergindo na cultura do curto prazo correspondente à era da hegemonia financeira, subordinando-se por completo aos interesses imediatos dos grupos econômicos dominantes.

Mas também deveríamos refletir acerca dos limites do sistema tecnológico ocidental moderno, que os estado-unidenses exacerbaram ao extremo. O mesmo reproduziu-se em torno de objectos técnicos decisivos da cultura individualista (o automóvel, por exemplo), que definem o estilo de vida dominante e de procedimentos produtivos baseados na exploração intensiva de recursos naturais não renováveis ou na destruição dos ciclos de reprodução dos recursos renováveis.

Graças a esta lógica destrutiva, o capitalismo industrial na Europa pôde, desde fins do século XVIII, tornar-se independente dos ritmos naturais, submetendo brutalmente a natureza e acelerando sua expansão.

Isto aparecia, perante os admiradores do progresso dos séculos XIX e XX, como a grande proeza da civilização burguesa. Uma visão mais ampla permite-nos agora dar-nos conta de que se tratava do desdobrar de uma das suas irracionalidades mais fundamentais -- que os Estados Unidos, o capitalismo com mais êxito da história, levou ao mais alto nível jamais alcançado.

Desequilíbrios, dívidas, queda do dólar
A perda de dinamismo do sistema produtivo foi compensada pela expansão do consumo privado (centrado nas classe altas), pelos gastos militares e pela proliferação de atividades parasitárias lideradas pelo sistema financeiro, o que engendrou crescentes desequilíbrios fiscais e do comércio exterior e uma acumulação incessantes de dívidas públicas e privadas, internas e externas.

A dívida pública norte-americana passou de 390 mil milhões de dólares em 1970 para 930 mil milhões em 1980, para 3,2 milhões de milhões em 1990, para 5,6 milhões de milhões em 2000 até saltar para 9,5 milhões de milhões (!) em abril de 2008.

Por sua vez, a dívida total dos estado-unidenses (pública mais privada), na última data mencionada, rondava os 53 milhões de milhões de dólares (aproximadamente o equivalente ao Produto Bruto Mundial). Desse número, 20% (uns 10 milhões de milhões de dólares) são constituídos por dívida externa. Só durante o ano de 2007 a dívida total aumentou cerca de 4,3 milhões de milhões de dólares (o equivalente a 30% do Produto Interno Bruto norte-americano) [10] .

O processo foi coroado por uma sucessão de borbulhas especulativas que marcaram, desde os anos 1990, um sistema que consumia para além das suas possibilidades produtivas. A partir dos anos 1970-1980, é possível observar o crescimento paralelo de tendências perversas -- como os déficits comercial, fiscal e energético, os gastos militares, o número de presos e as dívidas públicas e privadas. Todas estas curvas ascendentes surgem atravessadas por algumas tendências descendentes. Exemplo: a diminuição da taxa de poupança pessoal e a queda do valor internacional do dólar (que se acelerou na década atual), expressão do declínio da supremacia imperial.

A articulação desses fenômenos permite-nos esboçar uma totalidade social decadente em que se incorporam (convergem) uma grande diversidade de fatos de diferentes magnitude (culturais, tecnológicos, sociais, políticos, militares etc.). Esta visão de longo prazo coloca a "era dos falcões" presidida por George W. Bush como uma espécie de "salto qualitativo" de um processo com várias décadas de desenvolvimento, e não como um facto excepcional ou um desvio negativo. Estaríamos diante da fase mais recente da degradação do capitalismo estatista-keynesiano iniciado nos anos 1970, pontapé inicial da crise geral do sistema.

A experiência histórica ensina que esses arranques rumo ao inferno (hell, em Inglês) cresçam em meio a euforias triunfalistas, aonde por trás de cada sinal de vitória oculta-se uma constatação de desastre. A louca corrida militar sobre a Eurásia estava (ainda está) no centro do discurso acerca do suposto combate vitorioso contra um inimigo (terrorista) global imaginário, que submergiu no pântano as forças armadas imperiais. As expansões desenfreadas da borbulha imobiliária e das dívidas eram ocultadas pelos número dos aumentos do Produto Interno Bruto e da sensação (midiática) de prosperidade.

Como os EUA constituem hoje o centro do mundo (do capitalismo global), seu declínio é ainda o do espaço essencial da interpenetração produtiva, comercial e financeira em escala planetária, que se foi acelerando nas últimas três décadas até formar uma trama muito densa da qual nenhuma economia capitalista desenvolvida ou subdesenvolvida pode escapar (sair dessa rede emaranhada significa romper com a lógica, com o funcionamento concreto do capitalismo integrado por classes dominantes locais altamente transnacionalizadas).

Durante a presente década, a expansão econômica na Europa, China e outros países subdesenvolvidos e o modesto (efêmero) fim do estancamento japonês costumavam ser mostrados como o restabelecimento de capitalismos maduros e a ascensão de jovens capitalismos periféricos, quando na realidade tratou-se de prosperidades estreitamente relacionadas com a expansão consumista-financeira norte-americana. Os Estados Unidos representam 25% do Produto Bruto Mundial e são o primeiro importador global.

Em 2007, compraram bens e serviços no valor de 2,3 milhões de milhões de dólares, são o principal cliente da China, Índia, Japão, Inglaterra e o primeiro mercado extra-europeu da Alemanha. Mas é sobretudo no plano financeiro, área hegemônica do sistema internacional, em que se destaca a sua primazia. Exemplo: a rede dos negócios com produtos financeiros derivados (mais de 600 milhões de milhões de dólares registados pelo Banco da Basiléia, ou seja, umas 12 vezes o Produto Mundial Bruto) articula-se a partir da estrutura financeira norte-americana.

As grandes bolhas especulativas imperiais irradiam para o resto do mundo, de maneira direta ou gerando bolhas paralelas, como foi possível comprovar com a experiência recente da especulação imobiliária nos Estados Unidos -- e seus clones diretos em Espanha, Inglaterra, Irlanda e Austrália, ou indiretos como a superbolha bursátil chinesa.

Se observarmos o comportamento econômico das grandes potências, comprovaremos em cada caso como suas esferas de negócios superam sempre os limites dos respectivos mercados nacionais -- e inclusive regionais --, cuja dimensão real torna-se insuficiente do ponto de vista do volume e da articulação internacional das suas atividades. A União Européia está solidamente atada aos Estados Unidos em nível comercial, industrial e principalmente financeiro.

O Japão acrescenta a isso a sua histórica dependência das compras norte-americanas, e por sua vez a China desenvolveu sua economia no último quarto de século na base das suas exportações industriais para os Estados Unidos e para países como Japão, Coréia do Sul e outros, fortemente dependentes do Império.

Enfim, o renascimento russo gira em torno das suas exportações energéticas (destinadas principalmente à Europa), enquanto sua elite econômica foi-se estruturando desde o fim da URSS multiplicando suas operações à escala transnacional, em especial seus vínculos financeiros com a Europa ocidental e os EUA.

Não se trata de simples laços diretos com o Império e sim da reprodução ampliada e acelerada de uma complexa rede global de negócios, mercados interdependentes, associações financeiras, inovações tecnológicas etc., que integra o conjunto de burguesias dominantes do planeta.

O mundo financeiro hipertrofiado é o seu espaço de circulação natural e seu motor geográfico são os Estados Unidos, cuja decadência não pode ser dissociada do fenômeno mais amplo da chamada globalização, ou seja, da financiarização da economia mundial.

Poderíamos visualizar o Império como sujeito central do processo, seu grande beneficiário e manipulador, e ao mesmo tempo como seu objeto, produto de uma corrente que o levou até o mais alto nível de riqueza e degradação. Graças à globalização, os Estados Unidos puderam sobre-consumir pagando ao resto do mundo com os seus dólares desvalorizados, impondo-lhe o seu entesouramento (sob a forma de reservas) e seus títulos públicos, que financiaram seus déficits fiscais.

Ainda, também, graças ao parasitismo norte-americano os europeus, chineses, japoneses etc. puderam colocar no mercado mundial uma porção significativa das suas exportações de mercadorias e de excedentes de capitais. Neste sentido, o parasitismo financeiro, produto da crise de superprodução crônica, é simultaneamente norte-americano e universal. A outra face do consumismo imperial é a reprodução de capitalismos centrais e periféricos, que necessitam transpor seus mercados locais para fazer crescer seus lucros.

Isto é evidente nos casos da Europa ocidental e Japão, mas também é evidente no caso da China, que exporta graças a seus baixos salários (comprimindo seu mercado interno). O que está agora a afundar não é a nave principal da frota (se assim fosse, numerosas embarcações poderiam salvar-se). Só há uma nave e é o seu setor decisivo que está a fazer água.

Horizontes turbulentos e ilusões conservadoras
Devemos pôr no seu contexto histórico as atuais intervenções dos Estados dos países centrais destinadas a contrapor-se à crise. Nos últimos meses, proliferaram ilusões conservadoras mencionadas como possível desconexão de várias economias industriais e subdesenvolvidas em relação à recessão imperial, mas os factos vão derrubando tais esperanças.

Junto a elas, surgiu a fantasia do renascimento do intervencionismo keynesiano: segundo a referida hipótese o neoliberalismo (entendido como simples desestatização da economia) seria um fenômeno reversível -- e novamente, como há um século, o Estado salvaria o capitalismo.

Na realidade, nas últimas quatro décadas produziu-se nos países centrais um fenômeno duplo: por um lado a degradação geral dos Estados que, mantendo seu tamanho em relação a cada economia nacional, ficaram submetidos aos grupos financeiros, perdendo legitimidade social. E por outro foram progressivamente ultrapassados pelo sistema econômico mundial, não só por sua trama financeira como também por operações industriais e comerciais que burlavam os controles (cada vez mais frouxos) das instituições nacionais e regionais.

Nos Estados Unidos, o referido processo avançou mais do que em nenhum outro país desenvolvido. Nunca foi abandonado o histórico keynesianismo militar, pelo contrário, o Complexo Militar-Industrial hipertrofiou-se articulando-se com um conjunto de negócios mafiosos, financeiros, energéticos etc., que se converteu no centro dominante do sistema de poder, apropriando-se grosseiramente do aparelho estatal até convertê-lo em uma estrutura decadente. Nos países centrais, o Estado intervencionista (de raiz keynesiana) não precisa regressar porque nunca se foi.

Ao longo das últimas décadas, obediente às necessidades das áreas mais avançadas do capitalismo, o mesmo foi modificando suas estratégias, apoiando a concentração de rendimentos e os desenvolvimentos parasitários, mudando sua ideologia, seu discurso (ontem integrador, social, produtivista-industrial, hoje elitista, neoliberal e virtualista-financeiro).

No mundo subdesenvolvido, onde o estatismo retrocedeu até ser em numerosos casos triturado pela onda depredadora imperialista, a desestatização foi sua forma concreta de submissão à dinâmica do capitalismo global.

Ali, o regresso ao Estado interventor-desenvolvimentista de outras épocas é uma viagem no tempo fisicamente impossível. As burguesias dominantes locais, seus negócios decisivos, estão completamente transnacionalizados ou então sob a tutela direta de firmas transnacionais. Agora em plena crise, ficam a descoberto os dois problemas sem solução à vista do Estado desenvolvido (imperialista): sua degeneração estrutural e sua insuficiência, sua impotência perante um mundo capitalista demasiado grande e complexo.

É o que assinala Richard Haas no artigo citado acima, ainda que sem dizer que não se trata de uma reconversão positiva sobredeterminante do capitalismo internacional aquilo que encurrala o Estado norte-americano e os outros Estados centrais e sim, antes, de um fenômeno mundial negativo que, de maneira rigorosa, deveríamos definir como decadência global (econômica-institucional-política-militar-tecnológica).

É por isso que o paralelo (agora na moda em certos círculos de peritos) entre a implosão soviética e a provável futura implosão dos Estados Unidos é totalmente insuficiente, porque existe, entre outras coisas, uma diferença de magnitude decisiva: o hipergigantismo do Império faz com que o seu afundamento tenha o poder de arrastamento sem precedentes na história humana.

E também porque os Estados Unidos não constituem "um mundo à parte" (marginalizado) e sim o centro da cultura universal (o capitalismo), a etapa mais recente de uma longa história mundial em torno do Ocidente.

A imensidade do desastre em curso, a extrema radicalidade das rupturas que pode chegar a engendrar, muito superiores às que causaram a crise iniciada em 1914 (que deu nascimento a um longo ciclo de tentativas de superação do capitalismo e também do fascismo, tentativa de recomposição bárbara do sistema burguês) gera reações espontâneas negadoras da realidade nas elites dominantes, nos espaços sociais conservadores e para além deles, mas a realidade da crise vai-se impondo.

Todo o edifício de idéias, de certezas de diferentes sinais, construído ao longo de mais de dois séculos de capitalismo industrial está começando a rachar.




Notas
(1) Paul Craig Roberts, The collapse of American power, Online Journal, 20-03-2008;
(2) Peter Morice, Bush Administration Dithers While Rome Burns. The Deepening recesion, Counterpunch, April 3, 2008;
(3) Richard Haass, What follows American dominion?, Financial Times, April 16, 2008;
(4) Center on Budget and Policy Priorities;
(5) U.S. Department of Justice - Bureau of Justice Statistics;
(6) Adam Liptak, American Exception. Inmate Count in U.S. Dwarfs Other Nations, The New York Times, April 23, 2008;
(7) Chalmers Johnson, Going bankrupt: The US's greatest threat, Asia Times, 24 Jan 2008;
(8) Rodrigue Tremblay, The Five Pillars of the U.S. Military-Industrial Complex, September 25, 2006, http://www.thenewamericanempire.com/tremblay=1038.htm
(9) Scott B. MacDonald, End of the guns and butter economy, Asia Times, October 31, 2007;(10), Grandfather Economic Report, http://mwhodges.home.att.net/.


*o economista e escritor Jorge Beinstein, professor da Universidade de Buenos Aires e membro-coordenador do Observatório Internacional da Crise nos apresenta uma visão nua e crua da realidade mundial



TIRE DÚVIDAS

08 outubro 2008

OLHAR CARICATURISTA

Mendez faz 100 anos


A exposição Mário Mendez - O mestre da caricatura, apresentada no Espaço Cultural Correios (Centro de Fortaleza/CE) pelo Núcleo ArtZ, comemora o Centenário de um dos maiores artistas cearenses, reconhecido entre os seus pares brasileiros pelo traço inconfundível e pela herança deixada a gerações de caricaturistas.

O artista, que colaborou para o sucesso de várias publicações, hoje é pouco lembrado no Ceará. Na exposição, seu traço elegante passeia entre encantadoras caricaturas de políticos, músicos, pintores e outras personagens de sua época, produzidas ao longo de sua carreira de quase 70 anos. A mostra traz ainda ilustrações, pinturas e fotos de sua autoria.

O evento tem curadoria do ilustrador e poeta Klévisson Viana, responsável pela vinda de Mendez à capital do Ceará em 1992 para ser homenageado no I Salão Nacional de Humor de Fortaleza. Mas quem foi Mário Mendez?

Nascido em Baturité em 1907, Mário de Oliveira Mendes, o Mendez, mudou-se para o Rio de Janeiro aos 17 anos. Sua carreira artística teve início com a publicação de sua primeira caricatura na Revista Musical, em 1.º de julho de 1927. A partir de então, passou a colaborar com diversos jornais e revistas, entre eles A Noite, Folha Carioca, Revista do Rádio, Radiolândia, Revista da Semana e O Cruzeiro, contribuindo para o seu sucesso.

Mendez destacou-se por seu traço preciso, facilmente reconhecível, que se tornou sua marca de humor irreverente, despertando a satisfação de alguns e causando incômodo a outros dos seus caricaturados. Certos personagens temiam tornar-se o seu próximo “alvo”. O cantor Orlando Silva, por exemplo, tentou impedir a publicação de sua caricatura, na qual figurava com cara de carneiro. Em vão: Mendez argumentou que “caricatura não humilha ninguém. Ao contrário, enaltece”.

Por outro lado, o artista agradava a figuras como Getúlio Vargas, Ângela Maria e Cândido Portinari. A caricatura de Getúlio criada por Mendez inclusive participou, garbosamente, da campanha eleitoral que conduziu o gaúcho à Presidência da República pela segunda vez (1951-54).

Ao final de sua trajetória profissional, o cearense dedicou-se também à pintura, admitindo ter sempre feito ensaios com os pincéis, no retrato, na paisagem ou na figura. "Minha pintura não está ligada a nenhuma escola. Faço o que sinto e o que gosto de fazer. O que faço é por intuição", afirmou. Sua produção foi interrompida apenas pela morte, em 1996, aos 90 anos.

Núcleo ArtZ:
Em sua notável iniciativa de resgate dos grandes nomes do desenho cearense, os produtores Weaver Lima e Franklin de Oliveira, do Núcleo ArtZ, com esta exposição sobre Mendez dão continuidade ao trabalho que realizou, em 2007, no CCBNB-Centro Cultural do BNB, exposição em homenagem ao Centenário do cartunista Luiz Sá.


CHEGUE JUNTO
Mendez – O Mestre da Caricatura, de 9 de outubro a 22 de novembro
Espaço Cultural Correios - Agência Central de Fortaleza/CE
Rua Senador Alencar, 38 - Centro
Produção: Núcleo ArtZ
http://nucleoartz.blogspot.com

*Na imagem, a autocaricatura do artista contempla um painel de personagens em seu traço característico


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Mário Mendez, um traço calado
Mendez nasceu em Baturité, Ceará, à zero hora do dia 25 de dezembro de 1907. Chegou ao mundo causando maior confusão, pois a única parteira da cidade assistia à Missa do Galo. O pai, apavorado, entrou às pressas na igreja e arrastou-a para casa. O dia festivo quase carimbou-lhe o nome de Natalino. Mas o pai -- José Mendes de Brito Arraes -- voltou atrás.

Seja como for, a mudança de nome deve ter marcado o menino, pois mais tarde alteraria o "s" do sobrenome por "z". Durante a infância, interessou-se pelo desenho e passava horas copiando caricaturas de J.Carlos, Kalixto e Storne. Cresceu com a arte nas veias e punha isso em prática vendendo bonecos e cartões pintados por ele mesmo. Era simples: montava uma barraca em frente à igreja da cidade para onde se havia mudado (Carutapera/MA).

Certa vez, já morando em Iguatu/CE, precisando de grana, pegou um serviço para pintar o nome de uma mercearia na parede. Preparou a tinta com anil e goma arábica. Ele conta: "Naquela região já não chovia há muito, mas dei azar; choveu durante a noite, levantei de madrugada, ainda escuro e fui olhar os letreiros. Que calamidade! A frente da mercearia estava em petição de miséria, já não se lia o letreiro. A frente da casa estava toda borrada de azul. Não esperei mais nada. Fui à casa de outra tia onde estava hospedado, enfiei algumas roupas numa valise e corri para a estação; comprei uma passagem e peguei o primeiro trem para Fortaleza".

Foi na capital cearense que teve o primeiro contato com a pintura. Mostrou alguns desenhos ao dono do atelier -- Manoel Queirós -- e foi pego como ajudante, sem ganhar nada. Assim seguiu, até que apareceu um tenente da Marinha querendo um cartaz para convocar voluntários. Mendez, que sonhava em viajar, ofereceu-se. Disse que tinha 18 anos (quando tinha 17) e, com essa idade, desembarcou no Rio de Janeiro.

Serviu na banda de música do regimento. Certa vez, fez a caricatura do regente da banda e mostrou-a ao tenente. Logo o desenho saiu na Revista Musical. Era o início de sua carreira de caricaturista. Três anos depois, foi convidado para fazer ilustrações de Carnaval para o jornal A Manhã. Foi um sucesso, e Mendez acabou efetivado.

Também colaborava com os jornais A Batalha, A Esquerda, Vanguarda e o Radical. Os caricaturistas da época eram Kalixto, Romano, Guevara, Raul Pederneiras, Justinus e Figueroa (que muito influenciou Mendez). Envolvendo-se com esses artistas, acabou conhecendo Luiz Sá, conterrâneo que fazia histórias em quadrinhos da série Reco-reco, Bolão e Azeitona para as revistas O Tico-Tico e O Malho.

Foi incentivado por Raul Pederneiras, que fazia Cenas da vida carioca para a Revista da Semana e publicava sátiras no Jornal do Brasil. Artistas conhecendo artistas dão sempre uma história boa. Certo dia, quando almoçava numa pensão, viu um cara numa mesa e achou-o caricaturável, tirou um papel do bolso e desenhou-o. A dona da pensão viu e disse a Mendez que aquele cara era (o colega) J.Carlos. Mendez quase teve um treco. Seu ídolo desde a infância estava ali perto! A dona da pensão não perdeu tempo e apresentou Mendez a J.Carlos. Mendez tremia. Só se aquietou quando recebeu elogios do mestre sobre o seu trabalho.

Caricaturistas são debochados e ousados. Quando Mendez casou-se, em 1933, a notícia foi publicada no jornal -- porém, no lugar da tradicional foto, havia uma caricatura dos noivos! Em 1935, Mendez organizou uma exposição de desenhos feitos durante uma viagem à Bahia, Pernambuco e Ceará. No mesmo ano, publicou o livro Tipos e costumes do negro no Brasil.

Um ano depois, seus desenhos saíram na revista O Cruzeiro, despertando o interesse de Belmonte: o "monstro sagrado" da charge trabalhava na Folha da Manhã em São Paulo e convidou Mendez para trabalhar com ele. Em 1938, voltou ao Rio para trabalhar no jornal A Noite, junto com os "feras" da charge: Álvarus, Carlos Thiré, chargista e quadrinhista (criador dos personagens Gavião de Riff, Bob Lloyd, Rafles e Os Três Legionários da Sorte) e Monteiro Filho (que idealizou o personagem Roberto Sorocaba).

Mendez foi ficando famoso. Caricaturava figuras importantes da política e das artes brasileiras. Ele conta que Dalva de Oliveira chorou de desgosto durante uma semana quando viu sua caricatura na revista Carioca. Orlando Silva também ficou aborrecido com ele por ter sido caricaturado com cabeça de carneiro.

Isso não abalou sua carreira, nem sua fama. Em 1941, quando Walt Disney esteve no Rio, vários artistas foram apresentados a ele: J.Carlos, Luiz Sá, Jorge Bastos e... Mendez. Além de desenhar, Mário Mendez era preocupado com arte. Ele comentou: "O humor na caricatura brota espontaneamente. Ele vem só e naturalmente. Não o tentamos nunca... É conseqüência fácil... Se nos acharem rebeldes, não o somos voluntariamente. Rebeldia é fugirmos de uma norma, e como em caricatura não há normas, é absurdo sairmos de uma coisa que não existe. Quantos políticos não devem sua popularidade aos caricaturistas? E no entanto, muitos não gostam de ser caricaturados... Felizmente, não são todos."

Para a campanha de eleição de Getúlio Vargas, o PTB-Partido Trabalhista Brasileiro usou uma caricatura feita por Mendez. Além de Getúlio, Dorival Caymmi e outras personalidades famosas passaram pela ponta de seu lápis in loco: a primeira-dama argentina Eva Perón, o presidente norte-americano Harry Truman, o multiartista Burle Marx, o maestro espanhol Xavier Cugat.

Em 1973 Mendez foi entrevistado por Ziraldo, Nássara e Augusto Rodrigues para o Museu da Imagem e do Som. Sobre a caricatura, disse: "As melhores caricaturas sempre foram aquelas das pessoas com quem a gente convive, das quais podemos captar traços da personalidade que só notamos mesmo com a convivência. Pois como já foi dito, a caricatura é o retrato da alma... Eu acho que uma caricatura acertada, às vezes, vale mais do que uma fotografia. Na foto, as pessoas vão mudando de ano para ano, enquanto a boa caricatura retrata a pessoa durante anos a fio!".

A certa época de sua vida, Mendez abandonou o desenho. Aposentou-se! Mas a veia artística impulsionou-o à música. Trocou o lápis pelo violão. A esposa, Emília, vendo sua capacidade musical, sugeriu que entrasse numa banda. Mendez pensou, pensou e desistiu, largou o violão e voltou ao desenho...

Artista nato e autodidata, Mendez não teve professor nem fez curso algum. Aprendeu tudo vendo, observando e comparando. A caricatura foi sua profissão, meio de expressão e vida. Ele dizia "A gente nasce caricaturista, vira desenhista e morre pintor. Como exemplos, lembro Columbano (Bordalo Pinheiro) de Portugal, (Honoré) Daumier e (Henri de) Toulouse-Lautrec da França, (José Clemente) Orozco do México... e (Emiliano) Di Cavalcanti, que também começou a carreira como caricaturista."

Ele continuou: "Tanto a pintura como a escultura vêm do desenho. Hoje, há uma concepção diferente em relação a essa idéia, devido ao abstracionismo. Mas a pintura figurativa vem sempre do desenho. A cor é inerente. É uma questão de sentimento. Minha pintura não está ligada a nenhuma escola. Faço o que sinto e o que gosto de fazer. O que faço é por intuição."

Mário Mendez esteve ligado à caricatura e ao humor até o fim da vida. Caricaturou Chico Caruso e em1996 foi homenageado no Salão de Humor de Piracicaba. Mas o tempo neste mundo é curto para mestres e gênios... e o criador voltou ao Criador. O traço de Mendez calou-se no mesmo mês em que nasceu, 90 anos depois -- dezembro de 1997. Sua arte está registrada em duas obras editadas pela Ediouro: Caricaturas e caricaturados e Como fazer caricaturas.


* O jornalista e quadrinhista Fernando Moretti publicou este texto em seu blog Humor Vítreo

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