30 janeiro 2009

VIRGENS NA ACADEMIA

Estudando pra valer


Que muitas mulheres se prostituem para poder pagar seus estudos, isso todo mundo tá careca de saber. Se você for a um bordel de cidade grande, provavelmente topará com algumas universitárias por lá, dando duro pra melhorar de vida.

Durante um trabalho que fiz pra uma ONG no Rio de Janeiro em 2005, entrevistei estudantes que trabalhavam como prostitutas na Vila Mimosa, tradicional reduto de prostituição no Centro da cidade. Elas atuavam de forma independente, pagando apenas pelo aluguel de 20 minutos do quarto.

Trabalhando dois ou três dias por semana, algumas juntavam todo o dinheiro necessário para pagar a faculdade e até mais. Embora não amassem o que faziam, preferiam esse tipo de trabalho a ter que se submeter a um emprego chato, horários fixos, patrão insensível e baixa remuneração.

A relação entre prostituição e financiamento de estudos não é exclusividade do Brasil. O jornal inglês The Times divulgou em 2008 que no Reino Unido e na França cresce a cada ano o número de estudantes, homens e mulheres, que se prostituem e que o governo francês tenciona tomar algum tipo de medida para evitar que os estudantes acumulem tantas dívidas durante seus estudos.

Agora, porém, surgiu uma novidade bem interessante nessa história toda. De repente, garotas de todo o mundo parecem ter descoberto que não precisam se prostituir da forma tradicional para poder pagar os estudos. Em vez disso elas podem vender, e vender muito caro, a própria virgindade.

Em outras palavras: no lugar de dar muitas vezes, elas dão apenas uma vezinha -- e ainda lucram bem mais. Senhoras e senhores, com vocês o Leilão da Virgindade!

Um dos casos mais conhecidos é o de Rosie Reid, a estudante inglesa de 18 anos que, em 2004, para poder pagar suas dívidas com a Universidade de Bristol, leiloou sua virgindade através de seu site pessoal. Rosie conseguiu vendê-la por 8.400 libras, algo como US$ 15 mil na época, para um engenheiro divorciado de 44 anos. Rosie, que é lésbica (ainda tem isso), afirmou depois que não gostou da experiência, mas que preferiu transar com um estranho do que passar anos vivendo na pobreza.

Atualmente, há (pelo menos) dois casos bem documentados pela mídia. Um deles é o da modelo napolitana Raffaella Fico, de 21 anos, que em 2007 participou do Big Brother local. Raffaella revelou recentemente que é virgem e que venderá sua virgindade ao candidato que aceitar paga-lhe um milhão de euros. Com a grana ela, que pretende ser atriz, planeja comprar uma casa em Roma e fazer um curso de interpretação.

Para terminar os exemplos, que são muitos, fiquemos com o de Natalie Dylan, pseudônimo de uma estudante de Ciências Sociais de 22 anos de San Diego, nos EUA, que também está leiloando sua virgindade a fim de custear a continuação dos estudos. Como sua tese de pós-graduação é sobre a valorização da virgindade em diferentes culturas, seu próprio exemplo seria um excelente caso a relatar, pois a danadinha já recebeu milhares de propostas, inclusive uma de US$ 5,6 milhões! A noite de gala será no Bunny Ranch, famoso bordel de Nevada, que organiza o leilão através de seu site.

A italiana é famosa em seu país, já estampou capas de revistas masculinas. Seu caso, portanto, tem a ver com o fetiche masculino de ser o primeiro homem de uma mulher desejada por muita gente. Natalie era uma estudantezinha qualquer desconhecida que se tornou famosa e desejável, a partir do momento em que divulgou seu "negócio". Agora o mundo inteiro sabe dela e a sua virgindade teve uma maxivalorização instantânea.

O hímen de Natalie não é mais um himenzinho qualquer, desses que se vão todos os dias no banco traseiro dos carros. Ele está valendo R$ 12 milhões! Dava para comprar uma dúzia dos melhores bordéis, com tudo dentro.

Evidente que, como todo bom negócio, o Leilão da Virgindade exige boa dose de saco e sacrifício. Saco para aguentar o lenga-lenga dos moralistas, essa gente que aceita que se venda o rim mas não o hímen. E sacrifício para ter que ficar vários anos "segurando a piriquita", a fim de poder oferecer o "produto" com, digamos assim, "autenticação de qualidade".

Evidente também que os namorados das moças têm que entender muitíssimo bem a situação. Caso não sejam muito ciumentos, serão depois recompensados com uma namorada rica, que poderá até lhes pagar a faculdade também. Excelente negócio: a namorada entra com o cabaço e eles saem com o canudo (hummm, essa foi péssima).

Esse fetiche de querer ser o primeiro é para exibicionistas. Eu, particularmente, prefiro ser o atual. Mas não posso negar que a inocência e a inexperiência femininas também são excitantes. Por isso me inscrevi nos (ahn, como chamar?) dois "concursos". Isso mesmo, mandei proposta pra Raffaella e pra Natalie. Como ultimamente tô liso e economizando até espirro para poder comprar um notebook, o que pude oferecer a cada uma delas não foi muito: um livro meu com dedicatória e um caldo-de-cana na feirinha da Benedito Calixto em São Paulo/SP.

Ué, por que você está rindo? A Natalie mesma avisou que não transará necessariamente com quem oferecer mais dinheiro, pois ela terá que gostar do cidadão. É pouco? E se eu disser que meu beijo tem gosto de brigadeiro, hein, hein?

Como daqui pra frente as meninas vão todas querer ser virgens quando crescerem, fica desde já registrada minha proposta a todas as brasileiras estudiosas que decidirem seguir esse novo modelo de negócios. Sei perfeitamente que haverá propostas bem mais avantajadas que um livro e um caldo-de-cana, claro. Mas quem disse que faço questão de ser o primeiro?

*o escritor cearense radicado em São Paulo Ricardo Kelmer esmera-se em abordar temáticas insuspeitas e ângulos pragmáticos do cotidiano da espécie humana

29 janeiro 2009

GRANDES NOMES MUSICAIS

Carnaval jazzístico



Há já 10 anos que o Carnaval realizado em uma pequena cidade situada na região montanhosa do Ceará tem uma sonoridade diferente. Nas ruas e palcos de Guaramiranga, ao invés dos ritmos tradicionais que marcam o período em todo o País, cantores, guitarristas e outros músicos brasileiros e estrangeiros que pegam a estrada e sobem as curvas do Maciço de Baturité fazem o Festival Jazz & Blues.

São quatro dias de programação na serra, a 865 metros de altitude, e mais três no litoral, em Fortaleza, depois da pausa na Quarta-feira de Cinzas. Com menos de 6 mil habitantes, localizada a pouco mais de 100 Km da capital cearense, Guaramiranga é, durante todo o ano, um refúgio para quem quer trocar o calor e o sol das praias pelo aconchego de sítios e pousadas, cercados pela riqueza da Mata Atlântica preservada, com sua rica flora e banhada de cachoeiras.

O clima ameno, que torna indispensável o uso de um casaco à noite, convida para um bom vinho e para a boa gastronomia alemã, italiana ou francesa dos cafés e restaurantes locais. Em 2008, a cidade foi eleita pela revista Viagem e Turismo como a segunda mais romântica do Brasil.

É nesse cenário que, desde 2000, acontece o Festival Jazz & Blues em pleno período carnavalesco, atraindo um público que triplica a população da cidade. Pelos palcos do festival já passaram importantes nomes da música instrumental, do jazz e do blues, respeitados no Brasil e mundo afora.

Entre os que já escreveram um capítulo na história do Festival Jazz & Blues estão Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Jean Jacques Milteau, Ivan Lins, Scott Henderson, Stanley Jordan, Pedro Aznar, Paulo e Daniel Jobim, Danilo Caymmi e Paulo Braga, Hélio Delmiro, Duofel, Leny Andrade, Gilson Peranzzetta, Renato Borghetti, Eileina Williams, Badi Assad, Derico & Sindicato do Jazz, Big Time Sarah, Toninho Horta, Flávio Guimarães, André Cristóvam, Nuno Mindelis, Arismar do Espírito Santo, Victor Biglione, Cama de Gato, Nasi, Traditional Jazz Band, Baseado em Blues, Fernando Noronha & Black Soul, Heraldo do Monte, Sérgio Duarte, Leo Gandelman, Márcio Montarroyos (in memoriam), Kenny Brown, JJ Jackson, Frères Guissé, Torcuato Mariano, Hamilton de Holanda e Jefferson Gonçalves.

Do Ceará, participaram bandas e instrumentistas como Manassés, Waldonys, Jorge Helder, Irmãos Aniceto, Márcio Resende, Alex Holanda, Arthur Menezes, Marajazz, Fátima Santos, Bob Mesquita, Carlinhos Patriolino, Ítalo e Renno, Felipe Cazaux, Carlinhos Ferreira, Metalira, Rodolf Forte, Blues Label, Luizinho Calixto, Idilva Germano, De Blues em Quando, Marcus Britto, Cristiano Pinho, Lúcio Ricardo e Adriano Azevedo, entre outros.

Em 2009, de 21 a 24 de fevereiro em Guaramiranga e de 26 a 28 em Fortaleza, o Festival Jazz & Blues chega à sua décima edição, seguindo com a idéia pioneira e ousada de oferecer ao público espetáculos de jazz, blues, ritmos afins e boa música instrumental durante o Carnaval e distante dos grandes centros urbanos.

Tudo isso, que garantiu ao evento um lugar cativo no calendário cultural brasileiro, conquistou credibilidade e um público fiel, que vem do Ceará e de vários cantos do País. Mais uma vez, artistas renomados e de carreiras consolidadas vão marcar esta edição comemorativa dos 10 anos do Festival Jazz & Blues.

No palco do Teatro Rachel de Queiroz, em Guaramiranga, vão se apresentar o belga Toots Thielemans, reconhecido como um dos maiores gaitistas de jazz do século XX; o pianista, arranjador e compositor César Camargo Mariano, um dos músicos brasileiros mais celebrados e requisitados no mundo; Arthur Maia, considerado pela crítica especializada um dos melhores baixistas do mundo; a cantora Ná Ozzetti, que vem com o quarteto formado por Dante Ozzetti (violão), Mário Manga (guitarra e violoncelo), Sérgio Reze (percussão) e Zé Alexandre Carvalho (contrabaixo); o Trio + 1, com o pianista, compositor e arranjador Benjamin Taubkin, o baixista Zeca Assumpção, Sérgio Reze e o trompetista Joatan Nascimento; o guitarrista Lanny Gordin, um dos maiores instrumentistas que surgiu no movimento tropicalista e cujo mais recente trabalho, Lanny - Duos, traz versões de sucessos feitos entre ele e artistas como Gal Gosta, Max de Castro, Rodrigo Amarante, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, Chico César e Adriana Calcanhoto; Dominguinhos, um dos mais conceituados e atuantes sanfoneiros do País e que é referência para as novas gerações; e um pioneiros do blues no Brasil, Paulo Meyer, fundador da hoje lendária banda Expresso 2222, que marcou época e influenciou toda uma geração de bluesmen paulistanos.

Uma série de atividades gratuitas também marca o Festival anualmente, democratizando o acesso à programação para todos que escolheram a cidade serrana como refúgio no Carnaval. A exemplo das edições anteriores, o fim de tarde contará com shows diários, em uma estrutura que será montada na Praça da Prefeitura.

Entre os que vão se apresentar no local ao pôr-do-sol estão o gaitista Pablo Fagundes, de Brasília, que vai lançar em primeira mão no Festival seu CD Foles, resultado de mais de 11 anos de pesquisa em relação às possibilidades sonoras da gaita; e a Dixie Square Jazz Band, de São Paulo, com o jazz tradicional de New Orleans, em cortejo pelas ruas de Guaramiranga e em show da Praça.

Depois da meia-noite, a festa continua com a tradicional Jam Session, que este ano será comandada pelo blues da carioca Beale Street. A banda foi criada há 10 anos pelo guitarrista e cantor Ivan Mariz (ex-Sex Beatles), o baterista Alexandre Baça e o baixista César Lago (neto do ator e compositor Mário Lago). Desde 2008, com a saída de Baça, a Beale Street viaja o país em festivais e mostras de blues com baterista convidado.

Não foi à toa que um festival de jazz & blues foi lançado há 10 anos e deu tão certo no Ceará: o Estado é celeiro de grandes instrumentistas e cultiva uma tradição em shows de blues, jazz e música instrumental em bares e casas noturnas, principalmente da capital. Da cena cearense, a 10.ª edição do Festival conta com veteranos e jovens talentos.

Entre os que já têm bagagem de muita música estão Luciano Franco, um dos mais completos músicos da efervescente cena instrumental no Ceará, que lança o CD Rio Novo, trabalho que abre espaço para o que de melhor nasceu da confluência entre a tradição jazzística e a herança musical brasileira: a improvisação; o compositor Ricardo Bezerra, autor dos sucessos Cavalo Ferro e Manera Fru Fru Manera em parceria com Raimundo Fagner, cuja participação foi importante no início da carreira desse artista e que, depois de longo exílio voluntário, gravou em 2003 Notas de Viagem, um CD instrumental; Lúcio Ricardo, voz inconfundível do blues no Ceará, que já participou do Festival em tributo a Ray Charles; Nélio Costa, baixista cearense que já acompanhou os artistas Maria Creuza, Nelson Gonçalves, Fagner, Jorge Vercilo, João Donato, Waldonys, Manassés e Amelinha. Nos anos 90, Nélio morou em Colônia, Alemanha, onde graduou-se em Pedagogia Musical e tocou com diversos estilos musicais, como jazz, salsa, reggae, bossa-Nova e pop, em diferentes grupos.

Da "geração Festival Jazz & Blues", estão três bandas com trabalhos sólidos na música instrumental e no blues: o projeto Timbral, surgido em 2000, na primeira edição do Festival em Guaramiranga, idealizada por Lú de Souza com o objetivo de mostrar que a música instrumental pode ser apresentada em diversos locais e para diversos tipos de público; a banda Blues Label, formada em 2001 por Roberto Lessa, e que é hoje uma das mais atuantes do Ceará, contando também com Artur Menezes (guitarra/baixo/vocal), Wladimir Catunda (bateria) e Leonardo Vasconcelos (teclado); e o guitarrista revelação na nova geração do blues do Ceará, Artur Menezes, integrante da Blues Label, que desenvolve trabalho próprio com sua banda Os Caras, com influências que vão de Jimi Hendrix a Luiz Gonzaga, passando por Albert Collins, Albert King, B.B. King, Stevie Ray Vaughan, Buddy Guy e Johnny Winter. Duas temporadas morando em Chicago, nos Estados Unidos, renderam a Artur Menezes bons contatos com músicos de renome internacional com os quais tocou, como John Primer, Charlie Love and The Silky Smooth Band e Jimmi Burns, mostrando seu talento em bares de blues como B.L.U.E.S., Kingston Mines, Buddy Guy's Legends, Smoky Daddy, Rosa's, Vine Tastings e Katherina's.

No palco aberto, no fim de tarde, também vão se apresentar três bandas formadas em oficinas realizadas em cidades do Ceará, com jovens instrumentistas. É o projeto Novos Talentos, uma ação de responsabilidade social e inclusão do Festival, que visa formar bandas de jazz e blues no interior do Estado. Este ano, antes do Carnaval, os músicos e professores Jefferson Gonçalves e Kleber Dias vão formar e preparar bandas no Crato (10 a 12/02), em Paraipaba (14 a 16/02) e Pacatuba (18 a 20/02). Cada banda vai se apresentar em um dia do Festival na serra.

Além de shows, durante o dia o público do Festival pode conferir ensaios abertos, onde atrações da noite conversam com a platéia e dão uma prévia do que vai acontecer no palco às 22h30. Este ano os ensaios abertos serão com Dominguinhos, César Camargo Mariano, Ná Ozzetti e Toots Thielemans. Quem quer mais do que se deleitar com a música dos artistas convidados, vai poder participar das oficinas de Flauta (Bob Mesquita/CE), Gaita e Guitarra (Jefferson Gonçalves e Kleber Dias/RJ) e Percussão (Vanildo/CE).

E depois dos quatro dias no friozinho da serra, o Festival desce a Fortaleza na Quarta-feira de Cinzas para, de quinta a sábado, levar aos palcos mais shows. Além das apresentações à noite, durante o dia alguns dos importantes instrumentistas convidados passam um pouco de suas experiências e técnicas de instrumento para músicos profissionais e amadores em workshops gratuitos.

O Festival Jazz & Blues é uma realização da Via de Comunicação e Cultura, em uma promoção do Diário do Nordeste, com o patrocínio de Votorantim, Indaiá e CAGECE e apoio do Banco do Nordeste e COELCE. Recebe ainda apoio cultural da Prefeitura Municipal de Guaramiranga e do Governo Federal, por meio do Ministério da Cultura (Lei de Incentivo à Cultura).

SERVIÇO
Festival Jazz & Blues 2009 - de 21 a 24 de fevereiro em Guaramiranga e de 26 a 28 em Fortaleza
Programação em Guaramiranga disponível no site do Festival. A programação em Fortaleza será divulgada posteriormente.
Informações: (85) 3262-7230 e viac@viadecomunicacao.com


SAIBA MAIS
www.jazzeblues.com.br

20 janeiro 2009

NINGUÉM VÊ A ÁGUA

No front da guerra


“Para além das manchetes do conflito do Oriente Médio, há uma batalha pelo controle dos limitados recursos hídricos na região. Embora a disputa entre Israel e seus vizinhos se concentre no modelo 'terra por paz', há uma realidade histórica de guerras pela água — tensões sobre as fontes do Rio Jordão, localizadas nas Colinas de Golã, precederam a Guerra dos Seis Dias”. Raymond Dwek - The Guardian, [24/nov/2002] *

A nossa sobrevivência na Terra está ameaçada. Sem alimento, o ser humano resiste até 40 dias; sem água, morre em 3 dias. Somos água! Mas, enquanto a população se multiplica e a poluição recrudesce, as fontes de água desaparecem.

Na guerra do momento — Israel em Gaza —, por que a mídia sensacionalista não fala sobre a água, um dos itens mais importantes dos conflitos no Oriente Médio?

Oriente Médio... uma região aonde água vale mais do que petróleo... E sempre nos passam a idéia de que lá as guerras ocorrem pela conquista das reservas de petróleo...

E a conquista das reservas de água? Em 1997, o então vice-diretor geral da UNESCO, Adnan Badran, no seminário Águas transfronteiriças: fonte de paz e guerra (que centrou os debates nas águas do Mar Aral, do rio Jordão, do Nilo...), disse que “a água substituirá o petróleo como principal fonte de conflitos no mundo”.

Embora Israel tenha sérios problemas com recursos hídricos, detém o controle dos suprimentos de água, tanto seus como da Palestina. Além de restringir o uso d’água, luta pela expansão do seu território para obter mais acesso e controle deste recurso natural. Ali, Israel é o “dono” das:
  • águas superficiais: bacia do rio Jordão (incluindo o alto Jordão e seus tributários), o mar da Galiléia, o rio Yarmuk e o baixo Jordão;

  • águas subterrâneas: 2 grandes sistemas de aqüíferos, o da Montanha (totalmente sob o solo da Cisjordânia, com uma pequena porção sob o Estado de Israel), o aqüífero de Basin e o aqüífero Costeiro, que se estende por quase toda faixa litorânea israelense até Gaza.
    Tais águas são ‘transfronteiriças’, são recursos naturais compartilhados.

Segundo recente inventário da UNESCO, 96% das reservas de água doce mundiais estão em aqüíferos subterrâneos, compartilhados por pelo menos dois países. Há regras internacionais para o uso dessas águas. Algumas destas obrigam Israel a fornecer água potável aos palestinos.

Mas Israel não compartilha a água; afinal, tais regras internacionais não prevêem mecanismos de coação ou coerção; é letra morta. O Tribunal Internacional de Justiça, até hoje, condenou apenas um caso relacionado com águas internacionais.

A estratégia de Israel é outra. Em 1990, o jornal Jerusalém Post publicou que “é difícil conceber qualquer solução política consistente com a sobrevivência de Israel que não envolva o completo e contínuo controle israelense da água e do sistema de esgotos, e da infra-estrutura associada, incluindo a distribuição, a rede de estradas, essencial para sua operação, manutenção e acessibilidade” **. Palavras do ministro da Agricultura israelense, sobre a necessidade de Israel controlar o uso dos recursos hídricos da Cisjordânia através da ocupação daquele território.

O Acordo de Paz de Oslo de 1993, por exemplo, estipulou que os palestinos deveriam ter mais controle e acesso à água da região. Nessa época, segundo o professor da Hebrew University, Haim Gvirtzman, dos 600 milhões de metros cúbicos de água retirados anualmente de fontes na Judéia e Samaria, os israelenses usavam quase 500 milhões, satisfazendo cerca de 1/3 de suas necessidades hídricas. Para ele, isso gerou um "direito adquirido sobre a água".

Questionado sobre o acesso palestino à água, o professor respondeu que “Israel deve somente se preocupar com um padrão mínimo de vida palestino, nada mais, o que significa suprimento de água para eles só para as necessidades urbanas. Isso chega a cerca de 50/100 milhões de metros cúbicos por ano. Israel é capaz de suportar essa perda. Portanto, não deveríamos permitir que os palestinos desenvolvessem qualquer atividade agrícola, porque tal desenvolvimento virá em prejuízo de Israel. Certamente, nunca permitiremos aos palestinos suprir as necessidades hídricas da Faixa de Gaza por meio do aqüífero montanhoso. Se purificar a água do mar é uma solução realista, então deixemos que o façam para as necessidades dos residentes da Faixa de Gaza” **.

E na Guerra pela Água vale tudo: os israelenses bombardeiam tanques d'água, grandes ou pequenos (muitas vezes construídos nos telhados de suas casas), confiscam as bombas d’água, destroem poços, proíbem que explorem novos poços e novas fontes d’água (a Cisjordânia, em 2003, contava com cerca de 250 fontes ilegais e a Faixa de Gaza, com mais de 2 mil).

Israel irriga 50% das terras cultivadas, mas a agricultura na Palestina exige prévia autorização. Então, furto de água das adutoras de Israel é comum naquela região. A regra do jogo é esta: enquanto o palestino não tem acesso à água para beber, o israelense acostumou-se ao seu uso irrestrito.

Sendo assim, dá pra imaginar uma outra forma de divisão ou de uso compartilhado desses recursos hídricos para os próximos anos? Dá para imaginar a sobrevivência de qualquer Estado e, nesse caso, a da Palestina, sem o controle efetivo do acesso e da distribuição dos recursos hídricos que necessita?

Botar a mão na água é coisa antiga. Britânicos e franceses no Oriente Médio definiram as fronteiras (em especial da Palestina), de olho nas águas da bacia do rio Jordão.

Desde 1948, Israel prioriza projetos, inclusive bélicos, para garantir o controle de água na região. Dentre estes:

  • a construção do Aqueduto Nacional (National Water Carrier);

  • em 1967, anexou os territórios palestinos de Gaza e Cisjordânia e tomou da Síria as Colinas do Golã, ricos em fontes de água, para controlar os afluentes do Rio Jordão. Sobre esta guerra, Ariel Sharon afirmou que a idéia surgiu em 1964, quando Israel decidiu controlar o suprimento d’água;

  • em 2002, a construção do "muro de segurança" viabilizou o controle israelense da quase totalidade do aqüífero de Basin, um dos três maiores da Cisjordânia, que fornece 362 milhões de metros cúbicos de água por ano.

Segundo Noam Chomsky, “o Muro já abarcou algumas das terras mais férteis do lado oriental. E, o que é crucial, estende o controle de Israel sobre recursos hídrico críticos, dos quais Israel e seus assentados podem apropriar-se como bem entenderem...” ***. Antes do muro, ele já fornecia metade da água para os assentamentos israelenses. Com a destruição de 996 quilômetros de tubulação de água, à população palestina do entorno do muro falta água para beber;

  • antes de devolver (simbolicamente) a Faixa de Gaza, Israel destruiu os recursos hídricos da região. E, até hoje, não há infra-estrutura hídrica nas regiões palestinas.
Quantos falam a respeito disso??? Em 2003, na 3.ª Conferência Mundial sobre Água, em Kyoto, Mikhail Gorbachev bateu na tecla dos conflitos mundiais pela água: contabilizou, na época, 21 conflitos armados e apropriação de mais fontes de água; destes, 18 ocorreram em Israel.

Gestão conjunta, consumo igualitário de água, ética e consenso na água — são palavras bonitas no papel, nas mesas de negociação, na mídia... Na prática, é utopia.O que a ONU e os donos do planeta estão esperando para exigir que Israel cumpra as regras internacionais sobre águas, especialmente as contidas em convenções, acordos, declarações (e outras abobrinhas)... ?!?!?

Quem vai ter coragem de criar regras claras e objetivas para punir a violação dos direitos dos povos e nações à sua soberania sobre os seus recursos e riquezas naturais?


*a advogada ambientalista Ana Echevenguá é coordenadora do programa Eco&Ação e presidente da ONG ambiental Acqua Bios, bem como da Academia Livre das Águas (ana@ecoeacao.com.br)

REFERÊNCIAS DO TEXTO
* - http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/internacional/2002/11/23/jorint20021123004.html

** - Noam Chomsky: Novas e velhas ordens mundiais, São Paulo, Ed. Scritta, 1996.

*** - www.galizacig.com/actualidade/200403/portoalegre2003_muro_humilhacao_e_roubo.htm

SAIBA MAIS
www.ecoeacao.com.br

SONORIDADE CEARENSE

Palavras do autor


Antes de tudo o mais... é preciso destacar que, sem a aprovação do projeto deste meu disco pelo IV edital de Incentivo às Artes, promovido pela SECULT-Secretaria da Cultura do Ceará em 2007, as gravações não teriam acontecido!

O trabalho passou por alguns anos de maturação em seu conteúdo e forma, e nesse ínterim algumas pessoas importantes para ele surgiram com sugestões, igualmente ricas. A oportunidade de muitas vivências foi absorvida e a decisão, enfim, foi a de, mais uma vez, valorizar as influências que fazem de mim o profissional que me sinto hoje.

Maduro em meu ofício, ciente do mercado profissional, mais ético do que nunca, coerente como jamais. Como um instrumento de fortalecimento da identidade coletiva da escola lítero-musical cearense, o CD tem em seu ambiente sonoro as manifestações da cultura regional, dispersos de forma discreta, porém não menos perceptível.

Fazendo menção aos primórdios da nossa formação musical (Oriente, de Eugênio Leandro) e algumas de suas principais influências, o formato acústico do CD nos aproxima ainda mais do seu universo temático.

São maxixes, chorinhos, sambas, flamencos e toadas que remontam a um déjà vu doméstico, íntimo, ao conhecido, a um recanto do nosso imaginário coletivo quando a música parecia narrar-nos a nossa própria história — e daí a nossa identificação natural com ela.

Entraram em cena compositores cearenses, arranjadores e instrumentistas cearenses, estúdio cearense, obras de e com autores cearenses, num abraço afetuoso de reconhecimento à pequena fração do que de melhor queremos e podemos produzir para o mundo.

Há uma questão de fundamental importância para o ambiente da cultura do mercado de produção de áudio que se faz aqui: o grau de maturidade dos profissionais desse segmento ultrapassa, em muito, a média do que se encontra na produção nacional, e portanto, abre precedentes para que uma infinidade de iniciativas, de projetos, de trabalhos sejam desenvolvidos com mão-de-obra integralmente local — uma visão meritória de toda a nossa construção ao longo do tempo.

Nesse contexto histórico, saudamos os compositores Evaldo Gouveia (Tango pra Tereza), hit romântico que compôs o cenário da música nacional a partir dos anos 1970 pela voz da “Sapoti“ Ângela Maria; Fausto Nilo, que nos trouxe a consciência poética da obra de Severino Araújo (Espinha de bacalhau).

Agradeço ainda o empréstimo de suas obras ao internacionalmente renomado Nonato Luís, que em parceria com Abel Silva, referência no mercado da composição, autorizou-me e estimulou o registro de sua gostosíssima composição Pagando pra ver; igualmente agradeço ao meu primeiro violonista, Marcílio Homem, que em dois momentos pontua o disco como resultado de parcerias distintas (Morena, com Alencar Menezes e Segredo, com Marcus Dias).

Do grupo de filhos da minha geração, a sorte me trouxe Alan Mendonça e Rafael Torres (Enquanto a cidade dorme) e, fechando o trabalho, um hino à espirituosidade do compositor, com Eudes Fraga e Eliakin Rufino (Poeta).

Impossível não agradecer a Adelson Viana, que em seus poucos momentos comigo trouxe luz a algumas questões técnicas; a Adriana Góis, que com um espírito pacífico e com serenidade administrou parte da burocracia que envolve a produção de um CD; a Hamilton Silva, operador de áudio que, sempre atento, buscou a melhor sonoridade para as nossas sessões de gravação; ao Cabeça e ao Antônio, que também participaram de momentos conosco.

Os músicos, todos, foram de uma sensibilidade e compreensão além da comum, e isso é motivo de muita gratidão e satisfação em tê-los comigo neste trabalho. Dessa forma Carlinho Crisóstomo, Carlinhos Patriolino, Eduardo de Holanda, Marcos Maia, Marcelo Randemarck, Nélio Costa, Adelson Viana, Edson Távora, Márcio Resende, Nilton Fiore e Rossano Cavalcante — obrigado pela presteza e pelo empréstimo de tantos talentos.

Outros amigos, como Moacir Júnior, Rejane Porto, D. Carminha e minha família deram suporte logístico nos dias que se seguiram. Mais outras pessoas também se somaram ao projeto, D. Evangelina e o Sr. Claudionor, Cely Dias e Vanda Melão (SEST-SENAT), Goreti Macedo e Ana Studart (Fundação Beto Studart), Rui Dias e Nerizeth Moreira (Queiroz Galvão), Marcelo Arraes e Dane Arraes (Distrivídeo), Colégio Nossa Senhora das Graças, Gárdia, Gláucia Studart (Taco & Pizza), Lucielena (Midiamix) e Inara (CD+).

É "só" um disco, mas o esforço valeu a pena pela qualidade sonora, e pelo conteúdo e forma atribuídos ao produto final. A certeza é a de que teremos juntos, no futuro, outros momentos prazerosos, sendo vividos e revividos nas ondas do rádio, em nossa memória déjà vu.



*Marcus Caffé empresta sua voz a projetos que refletem a ampla musicalidade dos artistas da terrinha.

01 janeiro 2009

CABEÇA FEITA

No meio do caminho...



Brasileiro adora crise. Se não está no meio de uma, está especulando quando chegará a próxima. Que por sinal, será a definitiva, a maior de todas, o Juízo Final.

Perguntado sobre como vejo a crise, contei mais uma das muitas histórias da minha viagem ao Campo-Base do Everest, que tantas lições me trouxe. Quando viajei para lá em 2001, tive a precaução de marcar a viagem com um ano de antecedência, assim teria tempo de sobra para me preparar.

Todos diziam que a viagem ao Everest era "90% cabeça" e que, se eu me preparasse para enfrentar os desconfortos psicológicos, teria grandes chances de ser bem-sucedido. Assim, passei um ano fazendo minha cabeça.

Ao finalmente embarcar para o Nepal, eu estava mentalmente preparado para enfrentar uma avalanche de neve ou cair numa fenda sem fundo no gelo. Para tomar um tombo de 3 mil metros ou enfrentar os guerrilheiros maoístas. Para encarar uma comida que destrói os delicados estômagos ocidentais...

Pois sabe o que aconteceu? Nenhum dos problemas que ocuparam minha mente durante aqueles 12 meses aconteceu! Tinha avalanche? Claro que sim. Mas não iríamos até as áreas de risco. Tinha fendas no gelo? Sim. Mas não chegaríamos até o local onde elas estavam. Era perigoso cair da montanha? Claro! Mas a trilha era cuidadosamente escolhida para minimizar os riscos.

Os guerrilheiros maoístas estavam lá? Sim. Mas não na região por onde seguiríamos... Sabe qual foi o grande problema que quase acabou com minha viagem? Os toaletes do Everest.

Não sei como é com você, mas eu trato a ida ao banheiro como um momento quase espiritual, de reflexão, relaxamento e contemplação. Quero conforto, iluminação, música e ventilação.

Mas aqueles toaletes do Everest — pequenas casinhas de pedra, com um buraco no chão, sem ventilação, sujas e desconfortáveis — eram um inferno! Dava vontade de ir ao banheiro, mas quando entrava neles, não tinha jeito: a vontade passava...

Os toaletes do Everest foram o maior e pior problema. E deram-me uma lição valiosa.

Naqueles 12 meses em que fiz a cabeça para os grandes problemas, não dediquei um segundo sequer a pensar nos toaletes. Afinal, tinha tanto problema imenso, que “ir ao banheiro” parecia coisa banal...

Quando voltei, contei essa história para um amigo budista, que disse: "Luciano, ninguém tropeça em montanhas. A gente tropeça em pedregulhos..." E então eu respondo como vejo a crise: do jeito que aprendi a ver minha viagem...

O petróleo subiu, é? O petróleo caiu? O banco quebrou? Os juros subiram? Cada um desses grandes acontecimentos está aí, como uma avalanche ou a fenda no gelo ou os guerrilheiros maoístas. Mas temos que continuar a caminhar, não podemos simplesmente voltar para casa, não é?

E daí? O que é que eu posso fazer a respeito? Primeiro, tenho que conhecer a trilha. Entender o contexto, as áreas de risco e os problemas que podem acontecer. Depois, tenho que montar meu plano.

Se tem avalanche aqui, vamos por ali. E, por fim, botar na cabeça que, para vencer a trilha, a gente tem que andar sempre, um passinho de cada vez, pequeno, constante, sistemático. Parar não é solução. A gente congela...

Enquanto estamos preocupados com os grandes problemas sobre os quais temos nenhuma influência, a vida está correndo. As oportunidades passando. Enquanto estamos de olho nas montanhas, são os pedregulhos espalhados pelo caminho que vão ameaçar a caminhada.

Contemple as montanhas. Mas tome cuidado com os pedregulhos.


*O jornalista Luciano Pires milita ativamente no combate à mentalidade pocotó que assola o País — e o mundo (na inspiradora imagem, o Cerro Tronador, divisa com o Chile situada na zona Sul do Parque Nacional Nahuel Huapi, na Patagonia argentina, com cerca de 3.554 metros de altura)

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