17 março 2011

RADIAÇÃO GRÁTIS!


Tem pra todo mundo?*

O desastre nuclear em Fukushima, Japão, continua a se agravar. Múltiplas explosões fizeram saltar os tetos e paredes externas de reatores da usina e uma luta heróica está em curso, para prever o pior. Durante vários dias, as autoridades tentaram tranquilizar o público. Agora, pedem ajuda.
Para obter respostas independentes sobre os riscos enfrentados pela população, o Global Post entrevistou Arnold Gundersen, de 39 anos, ex-veterano da indústria nuclear. Hoje professor de Física e Matemática em Kent, Gundersen trabalhou como operador de usina nuclear e atuou como especialista na investigação do incidente de Three Mile Island, nos EUA.

Autoridades japonesas afirmam que a possibilidade de uma emissão de radiatividade em larga escala é pequena. Você concorda?

Arnold: 
Temo que a possibilidade seja de 50%, o que não considero “pequeno”.
Qual a base do seu cálculo?
Arnold: 
Há diversas razões. Temos três reatores envolvidos. Além disso, a radiação já está sendo captada por aviões a 150 quilômetros de distância e na cidade. Se for cada vez mais difícil controlar estas instalações, as tentativas de conter a contaminação irão falhar. Isso resultaria no lançamento rápido de enormes doses de radiação.
O New York Times relata que as emissões radiativas poderiam durar semanas ou meses. Que preocupação isto causa? Em que momento um reator no estado dos de Fukushima torna-se menos perigoso?
Arnold:
 A reação em cadeia foi interrompida. Ela durou dois segundos. Mas os isótopos radiativos ainda estão se desintegrando. O processo durará pelo menos um ano. Por isso, é preciso reduzir em muito a pressão dos reatores, a cada dia. Isso exige liberar isótopos radiativos, também. O NYT está certo quando afirma que cada reator – três dos quatro da usina – precisará abrir válvulas todos os dias para garantir a queda de pressão. E haverá radiações destas instalações por pelo menos um ano.
Quais as ameaças para a saúde?
Arnold:
 Em 90 dias, os riscos causados pela iodina radiativa desaparecerão, porque ela se desintegrará. Mas os isótopos mais nocivos – césio e estrôncio – durarão 30 anos. E são voláteis. No acidente de Three Mile Island, estrôncio foi detectado a 220 quilômetros do reator. Termina no leite das vacas e não desaparece por 300 anos. As emissões dos reatores japoneses vão durar um ano e conterão elementos que permanecerão na natureza por três séculos, no melhor dos casos. Se houver uma explosão, será muito pior.
O grande risco num acidente nuclear é que o calor torne-se intenso a ponto de romper a blindagem de aço, lançando enormes doses de radiação. Você diz que este risco é, atualmente, de 50%. Quais seriam as consequências, se o pior ocorresse?
Arnold: 
De alguma forma, as blindagens já se romperam. Iodina radiativa e césio foram encontrados na natureza, porque o primeiro reator explodiu. Sua presença na atmosfera é uma indicação clara da ruptura. O vazamento é de 1% dos isótopos radiativos gerados por dia? Provavelmente. Nestas condições, ele afetará as cidades em um raio de 3 quilômetros. Acho que ninguém poderá voltar a elas em cinco anos. Num raio maior, de 20 quilômetros, acredito que o isolamento tenha de chegar a seis meses. Tudo isso na melhor hipótese, a de que se evite um derretimento. Se ele ocorrer, não poderá haver ninguém, num raio de 30 quilômetros, por dez ou quinze anos.
Por que o isolamento? 
Arnold:
 Nas regiões contaminadas, haverá alta incidência de câncer. As águas subterrâneas serão atingidas. Com um derretimento, tudo, a quilômetros de distância do reator, será contaminado.
Qual seria a rapidez da contaminação da água?
Arnold: 
Em Chernobyl houve um derretimento e a faixa de águas subterrâneas contaminadas está aos poucos expandindo-se até Kiev, uma cidade muito grande, distante cerca de 130 quilômetros. Não é algo fácil de mitigar.
É um problema grave num país como o Japão, muito populoso e com área relativamente reduzida.
Arnold: 
Claro.
Você afirma que a blindagem já foi afetada, ao contrário do que dizem as autoridades japonesas. Como você pode saber que está certo?
Arnold: 
Há iodina radiativa e césio no ambiente. É uma indicação de que os reatores estão vazando. Exatamente quanto, é difícil dizer. Não posso entender como estas autoridades podem dizer que as emissões são baixas, sem ter os instrumentos operando. É muito difícil determinar os níveis de radiação e de pressão. O Japão e sua indústria nuclear fizeram investimentos muito pesados em energia nuclear. Também depois de Three Mile Island e de Chernobyl, afirmou-se que não haveria problemas, até que eles apareceram. Por isso, não acredito muito em pronunciamentos oficiais na primeira semana de um acidente.
Significa que as pessoas com acesso a informação têm interesse de tornar as informações tão tranquilizadoras quanto possível?
Arnold: 
Sim, além de as autoridades buscarem evitar o pânico, há o interesse financeiro de longo prazo em minimizar o impacto. Perde-se transparência, no processo de construção da informação. Estamos todos lidando com informações de segunda mão. Ouvi de uma fonte que o segundo reator não pode ser ventilado, porque o ventilador quebrou. Não sei se é verdade ou não. Gosto de ter ao menos duas fontes. Mas o acidente ainda não terminou. E ele pode agravar-se, antes de começar a se dissipar.
Se o sistema de ventilação estiver quebrado, a pressão continuará subindo, até que algo catastrófico ocorra?
Arnold:
 Neste caso, sim.
Tivemos explosões em dois dos prédios onde os reatores estão instalados. Você operou reatores nucleares. Num caso como este, as salas de controle seriam afetadas pelas explosões? E como é possível continuar controlando os reatores, em tais circunstâncias?
Arnold:
 Sim, as salas de controle estão quase totalmente inabitáveis. Os operadores devem estar usando cilindros de oxigênio, para não respirar ar contaminado depois que a ventilação falhou. A sala de controle fica muito próxima aos reatores, provavelmente a uns 60 metros. Duvido que seja possível fazer muita coisa por lá. Estão contaminadas, seu ar não pode ser respirado. E é muito difícil fazer algo usando um cilindro de oxigênio e roupas parecidas com uma bolha.
Nesse caso, como se reduz a pressão? Os técnicos estariam sendo enviados ao reator, para realizar tarefas manualmente?
Arnold: 
Podem mandar gente para abrir manualmente uma válvula. Mais tarde, esta pessoa terá de voltar para fechá-la, também com as mãos. Num terreno de radiação intensa, é possível fazer poucas viagens antes de se expor aos limites máximos de radiação. Os trabalhadores recebem doses muito grandes, em curtos períodos. Não se pode expô-los a muitas tarefas, para não liquidar sua saúde. É um trabalho altamente especializado.
As doses a que os trabalhadores estão sendo submetidos os afetarão?
Arnold: 
Os riscos de desenvolverem câncer aumentará dramaticamente porque, de qualquer forma, as doses diárias que recebem superam as que se pode sofrer num ano. Para cada 250 rem recebidos, haverá um câncer. É um dado muito bem estabelecido. Entre um grupo submetido a 2,5 rem, haverá um câncer para cada cem pessoas.
A esta altura, Tóquio está a salvo?
Arnold: 
O vento dilui e espalha a radiação. Tóquio está distante. Mas a Alemanha também não fica perto de Chernobyl, e o solo em algumas partes da Alemanha foi tão contaminado que ainda se proíbe a caça de javalis, 25 anos depois. Ressalto que, no caso japonês, não temos medidas acuradas. Um avião cargueiro norte-americano passou a 160 quilômetros do acidente e a tripulação recebeu, em uma hora, a dose de radiação que normalmente receberia em um mês.
A radiação pode chegar aos EUA?
Arnold: 
Ela certamente chegará. Chernobyl chegou aos Estados Unidos. A questão é: quanta radiação? Não há dados para prever.
Há riscos de contaminação dos alimentos?
Arnold: 
No Japão, certamente.
*David Case é diretor de Pesquisa e editor do serviço de assinaturas do site de notícias Global Post
Tradução: Antonio Martins
Imagem: Alain Jocard / AFP




MUNDO ABILOLADO

"Kowai"*

A imagem deveria causar algum estarrecimento, mas já está ficando tão comum... Né? Um monte de carros, aviões, pedaços de casas... De pessoas... Uma torre quadriculada do aeroporto que virou suco... Tudo ali, amontoado... Parecia bagunça de quarto de menino depois de um Domingo de chuva... A gente já tá ficando acostumado, né? A gente se acostuma com tudo, né? 
A matéria da revista só falava da incrível capacidade do povo japonês para administrar crises causadas por “tsunamis”, a incrível tecnologia avançada dos edifícios que balançaram, mas não caíram... A incrível disciplina, a incrível tecnologia para detectar tsunamis... A incrível tecnologia... 
Mas uma foto meio distorcida chamou a minha atenção: uma nuvem de fumaça branca subindo da usina atômica de Fukushima... 
Sabem o que é aquela fumacinha branca? 
Bingo! Quem respondeu: uma nuvenzinha de vaporzinho radioativozinho acertou... 
UM ACIDENTE RADIOATIVO?!?!?!? 
Não, não, senhores... Não vamos nos alarmar... Não vamos fazer alarde por pouca coisa, vamos manter a calma e a atitude racionalmente equilibrada de cidadãos do século XXI, afinal o Brasil também está entrando para o time dos paises “desenvolvidos”, não é mesmo? Também estamos nos tornando cidadãos pós-modernos e cientificamente corretos...  Não nos são convenientes, as atitudes emocionais e desequilibradas... O que é que os investidores vão pensar? 
O fato é que a nossa velha e boa “mãe terra” deu uma esticadinha nas costas, e em 15 minutos, a mais avançada das mais avançadas das tecnologias virou papinha de bebê... Por sorte, vontade de Deus, ou puro acaso, como prefeririam os mais darwinistas, o reator atômico não derreteu, liberando para a atmosfera DO PLANETA, uma gosma radioativa capaz de sei lá que tipo de conseqüências nefastas para esta e as próximas gerações... Pelo menos, não até agora (escrevo esse texto em 14\03\2011) 
Verdade que o povo japonês deu um exemplo mesmo, de coragem e competência para lidar com uma situação tão difícil, mas mesmo eles, que podemos considerar o povo mais bem preparado para enfrentar um trem deste tamanho, apanharam que nem a Argentina, naquele jogo com a Alemanha... 
Escapamos dessa, por milímetros... Bem... Escapamos... Até agora... Né? Que se a mamãe resolver se esticar só mais um pouquinho, a nossa sorte vai pro beleléu... 
Há poucos anos atrás, embalada pela grande aceleração do conhecimento material á respeito do mundo físico, a humanidade entrou em uma era de auto-deslumbramento e soberba intelectual, que a levou a acreditar no seu grande poderio e domínio sobre a Natureza... 
Nietzsche, um dos nossos maiores gênios do pensamento, chegou mesmo a afirmar (antes de ser engolido pela esquizofrenia) que “Deus está morto”... Não precisamos mais d’El’e e nem da sua religião caquética... Uma nova era se anunciava para uma humanidade soberana e liberta das amarras das superstições obscuras de um passado de trevas... A ciência ia explicar tudo... “Saberemos de tudo e seremos os soberanos”... De tudo... Assim também afirmaram outros gênios do Humanismo, como Marx, Freud, e mais recentemente Richard Dawkins... 
A religião foi sucateada, nos livramos da sua ética medíocre e covarde que nos impedia de nos tornarmos o que realmente somos: deuses!!!!! 
A ciência humana substituiu Deus... Somos livres, libertos e soberanos de nós mesmos e do nosso planeta... Fazemos o que bem entendemos, sem precisarmos nos preocupar com velharias como: moral, limites, respeito... 
Tomamos de conta! Entramos no mundo do átomo, do DNA, podemos mudar a nossa própria natureza ao nosso bel prazer, podemos contestar a escolha da Natureza, e escolhermos, nós mesmos, o nosso gênero... E logo, venceremos também o tempo e a morte com nossa tecnologia de ponta... Nossos cientistas nos garantem... 
Mas ... Vejam só... A mamãe dá uma esticadinha nas costas e vejam o que sobra do nosso incrível poderio, da nossa incrível tecnologia... Vejam a segurança que têm os nossos cientistas quando nos garantem que a tecnologia nuclear está “sob controle”, que as usinas são 100% seguras, que nossos engenheiros sabem exatamente o que estão fazendo... 
E os gênios da bio-tecnologia que estão alterando o DNA das plantas que nos alimentam, também têm a mesma certeza do que estão fazendo? 
E os gênios da Neuro, que estão empurrando psico-fármacos goela abaixo de crianças de cinco anos de idade, para torná-las “mais inteligentes” também têm a mesma certeza do que estão fazendo? 
E os gênios que inventaram aquelas bolinhas mágicas que faziam as pessoas perderem peso sem precisar fechar a boca? Aquelas... Que foram proibidas recentemente... Depois de anos de livre comércio... Aquilo vendia mais que água no deserto, né mêss? E os que inventam bolinhas mágicas que fazem as pessoas dormirem, sem estar em paz com as suas consciências, sabem que tipo de conseqüências, estão trazendo para a alma dessas pessoas, á médio e longo prazo? 
E os gênios que inventam bolinhas mágicas que fazem com que senhores de sessenta anos de idade apresentem performances sexuais de garotos de vinte, também sabem exatamente que tipo de conseqüências essas “maravilhas da pós-modernidade” podem trazer para a saúde do coração dessas pessoas? 
E os gênios da Economia, das Ciências Sociais, de Psicologia, da Educação, da Filosofia... Todos eles sabem exatamente o que estão fazendo e o que estão dizendo? 
É claro que eu sei que o tempo não para e que o progresso, seja lá o que essa palavra quer dizer, é inevitável... Logo, logo o planeta vem se transformar num formigueiro de gente, que nem a Índia e a China já são, e a gente vai ficar de frente pros desafios que essa situação vem nos apresentar... 
Talvez este seja um bom momento para refletirmos... Precisamos da ciência? Sim, graças a Deus que ela existe, mas daí a considerar que ela é onipotente e vem resolver todos os nossos problemas é uma outra coisa... Cientistas são pessoas que nem nós... Cheias de falhas e capazes de cometer equívocos crassos... 
Canja de galinha, um pouco de dúvida, e humildade, nunca fizeram mal a ninguém... 
Haaa, sim... Kowai, em japonês, significa... Medo...

 *Carlos Maltz é músico, astrólogo, escritor e psicólogo


NOVO CENÁRIO GLOBAL

Risco é sistêmico*




















O risco geopolítico alto por causa da instabilidade no Oriente Médio e Norte da África somou-se ao risco econômico elevado pelo desastre no Japão e ao risco financeiro ainda não debelado, acompanhado por déficits públicos elevados em grande parte dos países desenvolvidos, crise da dívida pública em vários países europeus e desequilíbrio cambial. 
Países emergentes como China e Brasil também mostram problemas como pressão inflacionária, nos dois casos, artificialidade cambial na China e desequilíbrio nas contas públicas no Brasil.

Assim, é possível que estejamos diante de uma elevação do risco do sistema global pela convergência de processos naturais, econômicos e políticos, alguns inesperados e incontroláveis como o desastre no Japão.
O desastre japonês tem dois lados igualmente complexos. Um é a repercussão na economia política do país e do mundo dos estragos, no momento incomensuráveis, advindos da combinação entre um violento terremoto de grande magnitude e um tsunami devastador. Os dois destruíram infraestrutura, subverteram toda a logística do país, romperam cadeias de suprimento, interromperam atividades econômicas, destruíram ativos significativos.
Só para se ter uma idéia da extensão desses danos econômicos, o Ipad 2, recém-lançado pela Apple com estrondoso sucesso no EUA e ansiosamente esperado em outros mercados, tem entre seus componentes dois chips fornecidos, em parte, por fábricas que estão na região atingida. O suprimento pode ser afetado por tempo indeterminado, embora fábricas em outras localidades continuem produzindo os chips. É que a demanda pelos iPads é forte e deve crescer.
A crise nuclear, que abrange seis usinas atômicas japonesas e chegou à situação crítica em uma delas, a unidade 3 de Fukushima, já alterou todos os planos de investimento nos mercados mais sérios a respeito de segurança, como EUA, União Européia, Austrália e  Nova Zelândia. Certamente terá impacto muito negativo nas ações de empresas do setor nuclear e nos fundos que detenham papéis de empresas de energia nuclear.

Na Alemanha, planos de investimento no setor já voltaram para a prancheta e a chanceler Angela Merkel determinou revisão geral do sistema de segurança de todas as usinas nucleares do país. Algumas delas provavelmente serão fechadas. Aliás, pelos menos três das usinas japonesas, nas quais foi injetada água do mar, podem ter que ser abandonadas, por causa do efeito corrosivo da água marinha.
O efeito desses dois desastres, o natural e o nuclear, na indústria de seguros e resseguros será também devastador.
Esses eventos totalmente inesperados somam-se à crise continuada no Oriente Médio e Norte da África, que tem profundas implicações geopolíticas de médio e longo prazo, com potencial para afetar o preço do petróleo de forma sustentada.

Ontem (13/03/11) a Liga Árabe decidiu por unanimidade pedir ao Conselho de Segurança da ONU uma área de restrição aérea sobre a Líbia (no-fly zone). Se o CS tomar essa decisão, ela implica, necessariamente, em bombardear as bases aéreas de Kadafi e suas instalações anti-aéreas. Ou seja, um ato de combate.

Não se sabe exatamente qual seria a reação de Kadafi. Ele aproveitou a tragédia japonesa e a vacilação dos países da OTAN para deflagrar um ataque geral e sangrento contras os rebeldes, na esperança de debelar a revolta antes que a decisão do CS seja tomada. Mas os rebeldes, embora recuando, estão se reagrupando e, aparentemente, recebendo armas e munições de setores anti-Kadafi da região.

O que pode ser um complicador para além da continuidade da beligerância, pois esses setores, no caso de saída do ditador, podem aumentar sua influência no governo que venha a substituí-lo.
No Bahrein, o aumento da rebelião popular levou o governo para o caminho do confronto e não o da negociação, como se esperava. Ele pediu ajuda aos países do Golfo Arábico e há notícias de que tropas da Arábia Saudita estão em seu território para ajudar na repressão. O governo saudita havia, dias antes, reprimido duramente manifestações de protesto em duas regiões, uma delas de grande concentração xiita, na fronteira com o Bahrein.

A maioria na Arábia Saudita é sunita mas, em Bahrein e no Iraque, as maiorias são xiitas. A repressão saudita em Bahrein pode se revelar um grave erro estratégico porque pode acirrar o conflito xiita-sunita. Neste caso, sunitas de outro país estariam atacando a população xiita de Bahrein. Pode desestabilizar o rei Hamad bin Issa al-Khalifa em Bahrein e complicar o quadro na Arábia Saudita.
Essa situação de maior instabilidade pode consolidar o patamar de US$ 100 p/b para o preço do petróleo e contribuir para as tendências recessivas oriundas de outras crises. Já se fala, por toda a UE, em risco de estagflação.
É  um cenário de alto risco, que não estava nos cálculos e que pode adquirir contornos sistêmicos pelos efeitos dinâmicos de cada uma das crises nas demais. Do ponto de vista de duração, esse cenário ainda está em aberto. A se confirmar essa contaminação sistêmica, como se sabe, o resultado é sempre maior que a soma das partes.
O grau de incerteza aumentou muito. Situações complexas, de alta capacidade de dano político, econômico, social, humanitário e físico, sobre as quais há grande incerteza, estão, por definição, no ponto mais elevado na escala de risco. Risco tem a ver com incerteza, imprevisibilidade e pouco conhecimento de causas ou efeitos. É o que estamos vivendo atualmente.


*Sérgio Abranches é cientista político, analista de riscos políticos e um dos diretores do site (O) Eco .
 Imagem by www.topnews.in


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11 março 2011

TODOS OS TEMOS

Vizinhos*



“É dom de Deus não ter vizinhança”, dizia um personagem franciscano que certa vez conheci — e houve um tempo em que eu concordava. Porque experimentei alguns vizinhos medonhos, nos três condomínios em que já morei.



Podem dizer que sou irritadiça e melindrosa, mas o mínimo que exijo de meu lar é privacidade e silêncio. Não consigo, por exemplo, ignorar um desfile matutino de salto alto, com repercussão de martelada, sobre minha cabeça.

Infelizmente — oh — há coisas muito piores! 
Como aquele morador (sempre no apartamento de cima) que arrastava mobília à meia-noite, ou tinha mania de jogar bila para que o cãozinho a perseguisse pela casa toda. Houve um que instalou uma banheira e trouxe como brinde várias infiltrações, propagadas pelo prédio inteiro...

Também já amarguei muito sobressalto com vizinhas histéricas, que gostam de chamar os filhos com cada grito que nem mesmo Munch suportaria!


Existem os que cozinham pratos nauseabundos com aroma poderoso; os que instalam karaokê aos fins de semana; os que têm mania de pintar as paredes mensalmente, com tinta intoxicante. 

E os mais perigosos: os que não cumprimentam no elevador (são os mesmos que monopolizam o elevador, ou o empestam com colônia adocicada, ou arrancam os botões do painel para completar alguma secreta coleção).

Há os que praticam arremesso de embalagem pela janela, todas as manhãs. Imagino que fiquem bem satisfeitos ao encontrar, no pátio, o próprio lixo. Devem conferir os potinhos de iogurte e as caixas de suco com idêntico prazer ao de um bicho farejando a urina com que demarcou o território...


E há os sonâmbulos, que de madrugada assombram os corredores e buscam a vertigem das varandas. Os apressados, que cruzam a garagem com desespero e fúria. Os gatunos curiosos, que furtam extratos bancários da caixa postal.

Os adolescentes mudos, que fazem planos pirotécnicos, ou as crianças ociosas, que meditam travessuras... Conheci cada um desses tipos temíveis, mas por sorte também encontrei pessoas discretas e amáveis.


Na minha atual vizinhança, existem fisionomias gentilmente familiares. De todos os que poderia citar, elejo um simpático senhor, que certo dia confessou gostar de minhas crônicas.


Em viagens rápidas ao terceiro e sétimo andar, já compartilhamos o encanto pelos textos de Mia Couto e trocamos ideias sobre a multiplicação dos livros — milagre lento que um dia nos tomará todo o espaço de habitação.


Pois a ele, o tal Vizinho Exemplar, dedico as palavras de hoje. Afinal, dom de Deus — cada vez mais raro — é conseguir uma morada tranquila.

*Tércia Montenegro  é escritora, fotógrafa e professora da UFC-Universidade Federal do Ceará
(imagem: apartmenttherapy.com)

CONTATO
literatercia3@gmail.com     

10 março 2011

CAMPANHA DA FRATERNIDADE

Cuidar da natureza














A Ciência demonstra que as desordens que afetam o meio ambiente são fruto da ação humana


A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou, ontem (em Fortaleza seria hoje), a Campanha da Fraternidade 2011, com o tema Fraternidade e a vida no planeta.

O evento ocorre anualmente na abertura da Quaresma, na Quarta-feira de Cinzas.

Trata-se da a 47.ª edição da Campanha, criada em 1964. Com o tema, a igreja pretende incentivar ações que preservem a vida no planeta. E não é a primeira vez que a instituição aborda a questão do meio ambiente: em 1979 e 2007 o tema esteve no alvo da campanha. A última foi Fraternidade e Amazônia – vida e missão neste chão.

Sua fundamentação religiosa está no trecho da Epístola de São Paulo aos Romanos: “Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores de parto até o presente” (Rm 8,22). Ou seja, o autor chama a atenção para o fato de que existe um fenômeno intrínseco a todo o criado: a deterioração, a degradação. É aquilo que outras tradições religiosas chamam de “impermanência”. 

E que a Ciência identificou como Lei da Entropia, segundo a qual, a tendência universal de todos os sistemas — incluídos os econômicos, sociais e ambientais — é passar de uma situação de ordem à crescente desordem. Para os cristãos essa desordem (ou corrupção) é o que eles classificam como “pecado”, que teria afetado o próprio ordenamento natural.

De fato, as pesquisas científicas demonstram que as desordens que afetam o meio ambiente, modificando o clima (com o aumento descomunal da temperatura do planeta), são fruto da ação humana. A falta de respeito às leis naturais — sob o pretexto de “dominar a natureza” — é um equívoco alimentado pelo próprio Judaísmo / Cristianismo, ao colocar o homem como dominador: “Enchei a terra e submetei-a” (Gen 1,28-29). 

Na verdade, o termo correto deveria ser “cuidador” — e não “dominador”.

 A revisão, pelo Cristianismo, de sua interpretação tradicional, o torna um aliado de todos os que se mobilizam para barrar o desatino nessa área. E é urgente essa mobilização. 

Fortaleza, por exemplo, foi surpreendida, neste último fim de semana, por uma iniciativa clamorosa: a devastação sorrateira (ainda que formalmente legal) de um bosque existente em plena selva de pedra em que a cidade se transformou. Como se sobre aquela área não pairasse uma “hipoteca social”. 

Já é hora de encarar essas questões com mais sensibilidade — tanto o poder público como o setor privado.



(editorial do jornal O Povo de 10.03.11)
(imagem: fondescrans.com)