15 setembro 2015

COLAPSO EM (MENOS DE) 40 ANOS


O Futuro Climático da Amazônia*



Lançado há um ano em São Paulo, o relatório “O Futuro Climático da Amazônia” conclui 
que a redução do desmatamento não basta para garantir as funções climáticas do bioma

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhões de anos a vulcanismos, glaciações, meteoros, deriva do continente. Mas em menos de 50 anos, encontra-se ameaçada pela ação de humanos. Existe um paralelo entre a lenda grega do calcanhar de Aquiles e a importância da grande floresta amazônica para o clima da Terra.

Como o herói grego, a Amazônia – essa assembleia astronômica de extraordinários seres vivos – deve possuir algum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulnerável, por dezenas de milhões de anos, resistindo aos cataclismos geofísicos que assolaram o planeta. Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta, do condicionamento atmosférico umedecedor, passando pela nucleação de nuvens, à bomba biótica, revela e sugere mecanismos elaborados de invulnerabilidade. Onde estaria então o ponto fraco?

Resposta: na degradação e no desmatamento. Como a grande floresta presta um rol determinante de serviços para a estabilidade do clima local, regional e global, sua ruptura física significa levar a “grande guerreira” à derrota nesses papéis, a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles, que o fez perder a guerra. A flecha do inimigo é a motosserra, o correntão, o fogo, a fumaça, a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado, descontrolado e terrível das invenções do Antropoceno, a nova era em que a humanidade tornou-se uma força geológica capaz de mudar a face do planeta.

A perturbação antropogênica, embora já extensiva e provavelmente demasiada, é o fator mais imprevisível numa projeção sobre o destino final da Amazônia. A razão simples é que temos o livre arbítrio. Se escolhermos continuar no ritmo “deixa-como-está-para-ver-como-é-que-fica” (business as usual), e principalmente se optarmos por não recuperar os estragos infligidos à grande floresta, a teoria sugere que o sistema amazônico pode entrar em colapso em menos de 40 anos.

Os limiares de desmatamento nos quais as simulações indicavam ruptura do sistema climático atual estão se aproximando. Os efeitos locais e regionais no clima já estão sendo observados muito antes do esperado, especialmente ao longo das zonas mais devastadas, mas também nas áreas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva.

O futuro climático da Amazônia chegou. A responsabilidade é nossa, sobre o que faremos com esse conhecimento. Portanto, a decisão urgente e já tardia pela intensificação da ação não pode esperar, se é que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaçador. O investimento feito na atividade científica na Amazônia rendeu frutos de informação rica, fundamentada e disponível. A responsabilidade é nossa sobre o que faremos com esse conhecimento.

Para contemplarmos a dimensão do que precisa ser feito em relação ao futuro climático da Amazônia (e como consequência, da América do Sul), imaginemos um futuro próximo no qual o Brasil fosse atacado por uma poderosa nação inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por satélites para dissipar nuvens e, assim, reduzir as chuvas. A nação inimiga teria interesses comerciais ameaçados pelo sucesso do setor agrícola brasileiro.

Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plantações que com eles competem, quebrando safras e fazendo os preços internacionais explodirem. Informados pelo nosso serviço secreto dos malfeitos daquele país sobre o nosso, qual seria a reação dos agricultores brasileiros? Qual seria a reação da sociedade e do governo? Com toda a humilhação que o ultraje impõe, não precisamos de clarividência para suspeitar que a reação seria imediata e poderosa.

Nas grandes ameaças a uma nação, as forças militares entram logo em prontidão. Depois do ataque japonês a Pearl Harbor, os Estados Unidos decidiram ser necessário entrar na Segunda Guerra Mundial. Em poucos meses montou um “esforço de guerra”, em que fábricas de automóveis passaram a produzir tanques e aviões de guerra, e outras fábricas não bélicas passaram a produzir munição, armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos. 

Até à Amazônia chegou aquele esforço de guerra, com os soldados da borracha. Sem tal esforço concentrado e extraordinário, os Aliados não teriam vencido.

Saindo da ficção e voltando à realidade, vemos que o ultraje contra o Brasil está em pleno curso sem qualquer envolvimento de nação estrangeira. Em uma guerra não declarada, nos últimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas. A remoção das florestas, ameaçando as chuvas e o clima, não derrotaria somente a competitiva agricultura; falta (ou excesso) de água afeta a produção de energia, as indústrias, o abastecimento das populações e a vida nas cidades. 

Mas, diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra, nós estivemos e permanecemos praticamente inertes em relação aos ataques sofridos, deixando que sigam, ano após ano, a destruir o berço esplêndido. Quem são os que atentam contra o bem-estar da nação? Por que a sociedade não se levantou e nosso Exército não foi acionado em nossa defesa?

Para enfrentar a gravidade da situação, precisamos de uma mobilização semelhante a um esforço de guerra, mas não direcionada ao conflito. Em primeira instância é urgente uma “guerra” contra a ignorância, um empenho sem precedentes para o esclarecimento da sociedade, inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inócua a devastação das florestas. 

Entre eles, os que manejam motosserras, tratores com correntão e tochas incendiárias, e os grupos que formularam políticas públicas, financiaram, controlaram e deram cobertura legislativa, legal e propagandística aos comandos da devastação. Contudo, apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda está diretamente envolvida na destruição de florestas.

E é essa minoria que empurra a nação na direção do abismo climático. A esperança é de que a eliminação da ignorância quanto à função essencial das florestas na geração do clima amigo haverá por si só de participar como vetor na conversão de desmatadores em protetores, e quiçá, até em restauradores das florestas. Muitos exemplos já existem onde essa conversão ocorreu, com grandes vantagens para todos os envolvidos. 

Enquanto não ultrapassarmos o ponto de não retorno, existem umas poucas frestas de oportunidade para a ação reparadora. Este é o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforço de guerra na tentativa de reverter o desastre climático decorrente da destruição da floresta oceano-verde. Nessa direção, várias tarefas se impõem:

1) Popularizar a ciência da Floresta: saber é poder e  quem conhece protege.
É vital fazer com que os fatos científicos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na geração do clima inóspito cheguem à sociedade e tornem-se conhecimento corrente. Todos os esforços devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essência. Antes de tudo, deve-se falar para a sensibilidade das pessoas.

2) Zerar o desmatamento no curto prazo é indispensável, se quisermos conter dano maior ao clima.
É preciso erradicar vigorosamente a complacência e a procrastinação com a destruição. Um nível adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco. Constatados os males ao ser humano e os prejuízos econômicos à sociedade, uma série de medidas foram adotadas para desestimular o tabagismo.

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil, várias providências do governo federal iniciaram esse processo de controle e desestímulo. Resultados significativos foram alcançados. Mas é preciso ir mais fundo e chegar à raiz do problema. Ampliar as políticas do Executivo, mobilizar a sociedade para neutralizar ações desagregadoras do Legislativo, como a anistia dada a desmatadores no novo Código Florestal Brasileiro. 

Infelizmente, as discussões em torno do Código Florestal não incluíram as consequências climáticas do uso do solo. Uma situação extraordinária requer medidas extraordinárias. Sempre é tempo de rever leis para adequá-las às demandas da realidade e da sociedade. Somente multar desmatadores, que mais adiante serão anistiados pela burocracia ou pelo Congresso, é receita de fracasso.

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estímulo de ciclos econômicos, a demanda crescente de mercados por madeira e produtos agrícolas, a cobiça por terras e os vetores representados por estradas, hidrelétricas e outros programas de desenvolvimento, cujas debilidades de planejamento fomentam a invasão e ocupação de áreas florestadas. Para que o desmatamento seja efetivamente zerado, como é indispensável para conter dano maior ao clima, todos esses buracos precisam ser tapados com mobilização e articulação da sociedade e governo, estratégia, inteligência, visão de longo prazo e sentido de urgência.

3) Acabar com o fogo, a fumaça e a fuligem: chamem os bombeiros!
Todas as formas de ignição originárias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamente extintas. O fogo em áreas florestais, pastos e áreas agrícolas, próximas ou distantes da Amazônia, é um problema grave. Quanto menos fontes de fumaça e fuligem existirem, menor o dano à formação de nuvens e chuvas, portanto menor o dano à floresta oceano-verde.

Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo, essa não será uma tarefa fácil, porém ela é fundamental. Mas voltemos à comparação com o tabaco. Durante décadas, a indústria mascarou a realidade sobre os danos do fumo à saúde. Empregou elaboradas estratégias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo, buscando desmerecer a ciência e confundir a sociedade.

Mas a verdade triunfou. E algo que parecia impossível tornou-se tendência mundial irreversível. O mesmo percurso de banimento em relação ao fogo é facilitado pela existência de muitas alternativas à queima que podem ser empregadas com vantagens pelos produtores.

4) Recuperar o passivo do desmatamento: a fênix ressurge das cinzas
Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatória, inescapável e há muito devida, somente isso já não é suficiente para reverter as ameaçadoras tendências climáticas. É preciso confrontar o passivo do desmatamento acumulado, começar a pagar o principal da enorme dívida ambiental com a floresta. Embora o esforço de reflorestamento seja desafiador, é o melhor - e talvez único - caminho para desviar um risco maior em relação ao clima.

Mas como reconstruir uma paisagem devastada? Se fosse uma paisagem urbana, seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifícios que demandariam penosa reconstrução, tijolo a tijolo, um esforço de anos. Já estruturas inertes da natureza, como solos, rochas e montanhas levam milhares, milhões ou até bilhões de anos para se compor ou recompor, fruto da ação de lentas forças geofísicas.

E a paisagem viva? Se a vida anterior não tiver sido extinta, isto é, se houver propágulos, esporos, sementes, ovos, pais e seus filhotes, uma força misteriosa e automática de reconstrução entra em ação. Os “tijolos” biológicos são os átomos, que unem-se nas moléculas, compõem as substâncias que constroem as células, articulam-se nos tecidos, aglomeram-se nos órgãos, constituem os organismos, povoam os ecossistemas, interagem nos biomas e cuja soma total é a biosfera.

Para uma ideia prática do que está implícito nesta ordem viva encadeada e automática, imaginemos como seria se pudéssemos dispor de bens modernos (da tecnologia humana), da mesma forma que o faz a natureza. Poderíamos encomendar um automóvel (espécie) que viria em um módulo desenvolvedor (semente). Colocado em um vaso ao sol e regado por algumas semanas, cresceria o veículo.

Parece difícil? Acontece que essa tecnologia já existe, funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra, desde a sua origem. Uma árvore portentosa, cujas habilidades físicas e bioquímicas para existir e sobreviver beiram a ficção, saiu inteirinha de uma simples e minúscula semente, tirando do ar e da terra os materiais para se formar.

Na perspectiva do clima, precisamos regenerar tudo o que foi um dia alterado. Assim, a própria floresta nos oferece soluções mirabolantes para a reconstrução das paisagens florestais nativas, pois dispõe de engenhosos mecanismos para recompor-se a partir de sementes, ou cicatrizar-se, com o processo natural de regeneração das árvores em clareiras. 

Há uma coleção rica de espécies de plantas pioneiras que têm a capacidade de crescer em condições ambientais extremas. Essas plantas formam uma floresta secundária densa, criando, assim, condições para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessão ecológica de médio e longo prazos.

Entretanto, quando a área desmatada é muito grande, o processo natural entra em falência por não conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pioneiras. Aí torna-se necessário o plantio das espécies nativas. Se ainda houver chuvas, a floresta se regenerará nas áreas replantadas. Uma coleção de árvores plantadas é melhor que o solo exposto, entretanto ainda está longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruído.

Precisamos e devemos regenerar o mais extensivamente possível o que foi alterado. Somente a integridade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geológicas a saúde benigna e mantenedora do ciclo hidrológico na América do Sul. É preciso usar a paisagem de modo inteligente, zoneando as terras por suas potencialidades, vulnerabilidades e riscos.

Mas essa recomposição florestal implicaria a reversão do uso do solo em vastas áreas hoje ocupadas, algo improvável na ordem atual. Não obstante, existem caminhos alternativos com chances de criar condições imediatas de aceitação. Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem, com aplicação de tecnologias de zoneamento das terras em função das suas potencialidades, vulnerabilidades e riscos.

A agricultura e outras atividades econômicas nas zonas rurais podem ser otimizadas, aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaço para o reflorestamento com espécies nativas. Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produção pecuária, reduzindo grandemente a demanda por área de pastos. Projetos como o Y Ikatu Xingu e Cultivando Água Boa demonstram como é possível a associação de interessados dos vários setores na recuperação de matas ciliares e outras valiosas ações de sustentabilidade.

O caos climático previsto tem o potencial de ser incomensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial. O que é impensável hoje pode tornar-se uma realidade incontornável em prazo menor do que esperamos. A China, com todos os seus graves problemas ambientais, já trilha esse caminho e tornou-se o país que mais refloresta. Restaurar as florestas nativas é a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climático, uma verdadeira apólice de seguro.

5) Governantes e sociedade precisam despertar: choque de realidade
Em 2008, quando estourou a bolha financeira de Wall Street, governos mundo afora precisaram de apenas quinze dias para decidir usar trilhões de dólares de recursos públicos na salvação de bancos privados e evitar o que ameaçava tornar-se um colapso do sistema financeiro. A crise climática tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira, não obstante as elites governantes vêm procrastinando por mais de 15 anos tomar decisões efetivas que desviem a humanidade do desastre climático. E essa procrastinação parece piorar com o tempo, mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidências científicas e saídas viáveis, atraentes e criativas.

Na Amazônia, o retardamento decisório está nos prazos dilatados para metas e ações que deveriam ser urgentes, mas emperram na burocracia impenetrável e impeditiva. Encontra-se também na demora no financiamento de projetos alternativos e benéficos e, principalmente, na lenta apropriação dos fatos científicos sobre a importância das florestas para o clima. Ignorar soluções inovadoras, disponíveis e viáveis de valorização econômica das florestas é jogar o problema para a frente. 

O desmatamento zero, que já era urgente há uma década, ainda é colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante. Muito diferente portanto dos 15 dias usados para salvar os bancos. As elites governantes ainda têm como mudar o curso dos acontecimentos. Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de colapso no sistema ambiental.

Vimos o primeiro esforço coerente e consequente para reduzir efetivamente o desmatamento na Amazônia brasileira ganhar momentum a partir de 2003, e seus resultados são visíveis, demostrando que é possível ir mais longe. Mas a despeito das auspiciosas iniciativas e também de promessas importantes em projetos de carbono, estamos muito longe daquele “esforço de guerra” requerido para enfrentar a degradação climática. 

Para avançar de maneira efetiva, outras iniciativas criativas e enérgicas são urgentes e necessárias. Suficientemente documentados pela ciência, as mudanças climáticas globais e os ameaçadores impactos regionais e locais do desmatamento metem o pé na porta fechada da inação política, colocando pressão crescente sobre tomadores de decisão. Se o conhecimento científico qualificado, ou o principio da precaução e o simples bom senso não lograram gerar reação adequada daqueles que detêm os meios financeiros e os recursos estratégicos, o choque das torneiras secas aqui, cidades inundadas acolá e outros desastres naturais há de produzir reação.

É necessário, desejável, viável e até lucrativo alterar o modus operandi da ocupação humana na Amazônia. Embora todas as cinco tarefas sejam requeridas para a regeneração e o restabelecimento funcional da regulação climática pela floresta, a novidade estaria em enfrentar o passivo de desmatamento com reflorestamento.

O esforço de guerra contra a ignorância é a melhor estratégia para harmonizar a sociedade em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido, criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climáticos. Se, a despeito da montanha de evidências científicas, ainda não formos capazes de agir, ou se formos lentos demais, então é provável que tenhamos de lidar com um prejuízo incompreensível para quem sempre teve sombra e água fresca providos graciosamente pela grande floresta.

 A mítica floresta amazônica é imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela. Vai muito além de um museu geográfico de espécies ameaçadas guardadas em unidades de conservação e representa muito mais do que um simples depósito de carbono, referenciado como massa morta nos tratados climáticos.

A floresta é um espetacular parque tecnológico da natureza, um complexo vivo que forma uma poderosa e versátil usina de serviços ambientais. Qualquer apelo que se faça pela valorização da floresta precisa recuperar esse valor intrínseco. É preciso despertar a capacidade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas, desde a manipulação dos ínfimos átomos e moléculas até a interferência nos oceanos e na atmosfera global.

O que vemos de ações humanas sobre a floresta amazônica revela enorme inconsciência, tanto dos que estão envolvidos na sua destruição, quanto dos que vagamente desejam sua proteção. Cada nova iniciativa em defesa da floresta tem trilhado os mesmos caminhos e pressionado as mesmas teclas.

Neste comportamento, insistimos no que Einstein definiu como a própria insanidade: “Fazer a mesma coisa sempre, de novo, esperando resultados diferentes.” O abundante conhecimento científico, assim como outras formas accessíveis de percepção e entendimento já nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem – iluminada, integrativa, propositiva e construtiva.

Uma abordagem diferente, portanto, do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou até aqui. Análises sérias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonização da presença e dos interesses da sociedade contemporânea com uma Amazônia viva e vigorosa, reconstituída em suas múltiplas capacidades.

Para chegarmos lá, é preciso compenetração e modéstia, dedicação e compromisso com a vida. Com os recursos tecnológicos disponíveis, podemos agregar inteligência à ocupação, otimizando um novo uso do solo que abra espaço para a reconstrução ecológica da floresta. Podemos também revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente biologia tropical e, com isso, ir muito além de apenas compreender seus mecanismos.

Pioneira na percepção dessas possibilidades, a professora universitária, escritora e ativista Janine Benyus lançou em seu livro Biomimética, a inovação inspirada pela Natureza, uma revolução na ideia de conexão entre natureza e tecnologia. Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente o gênio da Natureza nas suas próprias criações, ela enuncia três princípios básicos para essa reaproximação dar certo:

1) a Natureza como modelo: estudar os sistemas da Natureza e então copiá-los ou inspirar-se nos seus designs e processos para resolver problemas humanos. Ex: uma célula solar inspirada por uma folha.

2)  a Natureza como medida: usar um padrão ou critério ecológico para julgar a “correção” de nossas inovações. Após 3,8 bilhões de anos de evolução, a Natureza aprendeu o que funciona, o que é apropriado e o que tem durabilidade.

3) a Natureza como mentor: um novo modo de ver e valorizar a Natureza, do qual surge uma era baseada não naquilo que podemos “extrair” do mundo natural, mas no que podemos aprender dele.

Respondendo a Einstein: “Não podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criá-los.” O pragmatismo gerador de problemas não deve ser a saída para resolver esses mesmos problemas. 


Além desses três, a revolução da Biomimética reconhece uma série de outros princípios que guiam o funcionamento da natureza e que apresentam potencial para, se absorvidos pela civilização global, resolver grande parte dos problemas atuais.

Nesta proposta, uma lista curta desses princípios específicos listados por Janine Benyus constata que a natureza é propelida pela luz solar; utiliza somente a energia de que necessita; ajusta forma à função; recicla todas as coisas; recompensa a cooperação; aposta na diversidade; demanda conhecimento local; limita os excessos internamente; e aproveita o poder dos limites.
*Antonio Donato Nobre é pesquisador do Centro de Ciência
do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Conteúdo publicado em www.ccst.inpe.br e www.concurseirosocial.net