22 novembro 2011

ADEUS BIOSSEGURANÇA

Resolução normativa autoriza isenção
do monitoramento de transgênicos




"Está em curso um processo de desmanche das regras de biossegurança no País”, declara o agrônomo Gabriel Fernandes, ao comentar a resolução normativa que autoriza empresas produtoras de transgênicos a pedirem isenção do monitoramento dos produtos após a liberação comercial.

A resolução foi aprovada aprovada esta semana pela CTNBio-Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. Com a mudança, as empresas estão liberadas de monitorar os efeitos dos transgênicos sobre a saúde humana e o meio ambiente. “O não monitoramento pós-comercialização dos transgênicos impede que seus potenciais riscos sejam identificados. Com isso, as empresas seguirão dizendo que ainda não foram comprovados danos causados pelo uso de transgênicos”, adverte o pesquisador.

De acordo com o agrônomo, antes de as regras sobre o monitoramento dos transgênicosserem alteradas, as empresas apresentaram suas posições em reunião da CTNBio. “Na prática, a reunião serviu para as empresas apresentarem suas propostas sobre o monitoramento. Quando questionado por um dos integrantes, o presidente da CTNBio disse que os demais interessados poderiam enviar suas sugestões por escrito, mas o texto base para comentário não foi disponibilizado, nem foi aberto prazo para consulta pública”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Fernandes informa que “84% da área total cultivada com sementes transgênicas” está somente em quatro países: Brasil, Estados Unidos, Argentina e Índia. Afirma haver uma falsa ideia de que a transgenia cresce no mundo todo e que essa “é uma imagem que a indústria tenta empurrar. A forte concentração no mercado de sementes explica boa parte dessa expansão, inclusive no Brasil”. 

A produção de transgênicos apenas será reduzida “quando os consumidores de forma geral passarem a ter mais interesse em saber de onde vem sua comida e virem no consumo uma opção política também”, ressalta.

Como você recebeu a notícia de que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio aprovou a resolução normativa que autoriza empresas produtoras de organismos geneticamente modificados a pedirem isenção do monitoramento pós-liberação comercial? O que muda em relação ao controle dos transgênicos a partir da liberação desse procedimento? Quais os riscos?
Gabriel Fernandes – Está em curso um processo de desmanche das regras de biossegurança no país. Aqueles poucos itens da lei que as empresas não conseguiram levar em 2005, quando da disputa no Congresso, estão sendo conquistados agora por meio da CTNBio, que é órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. A mudança está no fato de que as empresas daqui em diante poderão se isentar de monitorar os efeitos de médio e longo prazo dos transgênicos sobre a saúde e o meio ambiente. As que porventura o estivessem fazendo poderão pedir sua extinção. O perigo está exatamente no fato de que os riscos desses produtos não serão investigados.

Como aconteceu o processo de votação na CTNBio?
G.F. – Antes de mudar as regras de monitoramento, o presidente da CTNBio convidou as empresas para uma reunião em Brasília/DF, na qual se discutiriam regras para o tratamento de informações confidenciais. Na prática, a reunião serviu para as empresas apresentarem suas propostas sobre o monitoramento. Quando questionado por um dos integrantes, o presidente disse que os demais interessados poderiam enviar suas sugestões por escrito, mas o texto base para comentário não foi disponibilizado, nem foi aberto prazo para consulta pública. No início da reunião em que o fim do monitoramento foi votado, entidades protocolaram pedido para adiamento da votação até que todos os interessados tivessem garantido o mesmo direito de participar. O pedido não foi lido.

Posteriormente à comercialização de agrotóxicos, os produtos são submetidos a novos testes e alguns são retirados do mercado em função dos novos resultados. Ocorre o mesmo com os transgênicos? Podes citar exemplos de transgênicos que já foram banidos do mercado?
G.F. – Antes de chegar ao mercado um agrotóxico passa por três órgãos, e mesmo assim, quando a reavaliação é feita anos depois, alguns produtos são banidos e outros têm seu uso restringido em função dos danos que causam. Algo semelhante acontece com os remédios. No caso dos transgênicos, até antes da aprovação da nova lei de biossegurança em 2005 o procedimento para licenciamento seguia os moldes dos agrotóxicos. A CTNBio já existia, mas era instância apenas consultiva. Essa nova lei foi criada exatamente para dar amplos e terminativos poderes para esta comissão, criando um caso de exceção na administração pública, onde suas decisões criam obrigações para seus órgãos hierarquicamente superiores. Desconheço algum transgênico que tenha sido banido do mercado após ter sido cultivado por algum tempo. Há casos na Europa de banimentos nacionais em face de liberações no âmbito da Comissão Europeia. Mas, assim como o banimento de agrotóxicos seria inviabilizado caso dessem cabo da reavaliação toxicológica, o não monitoramento pós-comercialização dos transgênicos impede que seus potenciais riscos sejam identificados. Com isso as empresas seguirão dizendo que ainda não foram comprovados danos causados pelo uso de transgênicos.

Como vê a postura da CTNBio diante desse assunto, considerando que a Comissão autorizou a comercialização do milho e, recentemente, do feijão transgênico no Brasil?
G.F. – A meu ver, essa comissão foi criada exatamente para funcionar como um cartório, só carimbando os pedidos de liberação. Colocaram nela um nome pomposo para tentar transmitir uma ideia de cientificidade que permitiria legitimar o processo. A questão é que esse ritmo acelerado de liberações só ocorre porque o restante do governo está de costas para o assunto, não quer entrar no debate. O mesmo pode-se dizer da maior parte das entidades científicas. Falta institucionalidade na CTNBio. A maioria de seus integrantes está lá falando por si mesmo; parecem se esquecer que cada um lá dentro deveria representar a posição de um ministério, de um setor da academia ou da sociedade. Se o governo estivesse atento, querendo saber o que fazem seus representantes, ou então se as entidades científicas estivessem acompanhando o debate ou mesmo pedindo algum tipo de “prestação de contas” a seus representantes, a questão poderia ser tratada com um pouco mais de rigor. O descaso é tamanho que a derrubada do monitoramento vai contra orientação de 2008, expedida por 11 ministros e assinada à época pela ministra Dilma Roussef, que chefiava a Casa Civil, para que o Ministério de Ciências e Tecnologia criasse grupo de trabalho (que nunca foi criado) envolvendo outros ministérios e que teria como objetivo realizar estudos de monitoramento de médio e longo prazo para avaliar os potenciais danos dos transgênicos.

A transgenia tem crescido no mundo? É possível travar a produção dos organismos geneticamente modificados?
G.F. – É preciso destacar que Estados Unidos, Brasil, Argentina e Índia respondem por 84% da área total cultivada com sementes transgênicas. Assim, a ideia de que a transgenia cresce no mundo todo é uma imagem que a indústria tenta empurrar. A forte concentração no mercado de sementes explica boa parte dessa expansão, inclusive no Brasil. Grandes multinacionais como Monsanto, Syngenta e Pioneer vêm há anos comprando empresas menores de sementes e formando um poderoso oligopólio. Como seu interesse é vender sementes transgênicas, elas tiram do mercado as variedades convencionais e o agricultor fica sem opção. Os grandes produtores de soja do Mato Grosso já ameaçaram recorrer ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE para tentar barrar essa imposição. Também contribuem para a expansão a grande presença de representantes comerciais das empresas no campo e de convênios de governos estaduais para disseminação das sementes modificadas, como no Rio Grande do Sul e no Acre. Até hoje os transgênicos não trouxeram nenhum benefício para o consumidor. Não há nenhuma vantagem que o produtor possa ter eventualmente obtido com os transgênicos que não poderia ter sido alcançada com a adoção de outras técnicas de manejo. Assim, os transgênicos serão travados quando os consumidores de forma geral passarem a ter mais interesse em saber de onde vem sua comida e virem no consumo uma opção política também. Na agricultura, especificamente a familiar, a reversão do quadro dependerá dos movimentos do campo (Via Campesina, Fetraf e Contag) colocarem o controle sobre as sementes como prioridade em suas agendas estratégicas e como um caminho para um modelo agrícola que liberte o agricultor de fazer o que faz o agronegócio, só que em menor escala.

Como vê a participação da sociedade civil em relação aos transgênicos? Por que não há uma mobilização massiva contra esses produtos?
G.F. – Muitas entidades e movimentos sociais estão atravessando um momento difícil, de indefinições políticas e financeiras. Isso torna necessária a priorização de agendas ou, em muitos casos, o enxugamento de quadros. A questão dos transgênicos já foi um tema mais mobilizador e que ajudou a puxar o debate sobre o modelo dominante de agricultura. Agora os agrotóxicos estão novamente cumprindo esse papel. Mas trata-se, na verdade, de dois lados da mesma moeda, e a tendência é que a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida comece a pautar mais a questão dos transgênicos.

Como ficou a diversidade das sementes depois da introdução dos transgênicos?
G.F. – Os produtores que conservam suas sementes próprias estão tendo que assumir o ônus de evitar a contaminação. Isso quer dizer que estão tendo que plantar barreiras em suas propriedades, mudar épocas de plantio ou a localização de suas lavouras. Há casos em que as organizações locais estão comprando kits diagnósticos para averiguar se não houve contaminação das sementes que serão repassadas a outros agricultores ou levadas a feiras de sementes e biodiversidade. A preservação desses recursos genéticos nas mãos dos agricultores será decisiva para a produção de alimentos em tempos de mudança climática e esgotamento dos recursos naturais. O papel estratégico dessas sementes já é reconhecido há décadas, por exemplo, pelos agricultores do semiárido, que desenvolveram os bancos comunitários de sementes, e agora é também defendido pelo relator especial da ONU para o direito humano à alimentação. No âmbito do programa Fome Zero, o governo tem iniciado ações que permitem a compra e distribuição de sementes crioulas entre os agricultores familiares. É um reconhecimento importante, que permitirá que o agricultor enfrente os transgênicos cultivando suas próprias sementes.

Quais são os limites da fiscalização de produtos geneticamente modificados?
G.F. – Para fins de rotulagem dos alimentos, o Ministério da Agricultura deve fiscalizar as plantações; a ANVISA, a indústria de alimentos; e a Justiça, por meio dos Procons, o mercado varejista. Se houvesse cooperação e troca de informação entre esses órgãos, o controle seria mais eficaz e o consumidor poderia estar mais bem informado. Mas infelizmente não é isso o que acontece. Além de ser bem mais caro, o teste em produtos amostrados nos mercados não é totalmente satisfatório, pois em muitos alimentos o processamento torna impossível a detecção do ingrediente transgênico.

*Gabriel Fernandes é agrônomo formado pela USP-Universidade
de São Paulo e membro da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia.
Fonte: 
www.ihu.unisinos.br / Imagem em www.flashinthepan.net

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21 novembro 2011

MEU BRASIL BRASILEIRO!

Sem desculpas


Estou migrando meus livros para o sistema eletrônico (ebooks). Busquei informações e disseram que eu mesmo poderia fazer, mas diante do primeiro “tutorial” desisti. É preciso ter uma lesão mental para conviver com tutoriais. 


Procurei então várias alternativas de fornecedores para realizar o trabalho e fui soterrado por toneladas de “veja bem”, “pode ser”, “talvez”... De cada lado uma informação diferente, sem contar os irritantes “ah, mas é tão fácil!”. Pedi orçamentos, recebi loucuras. Sem contar as ameaças do tipo “olha, se não fizer assim e assado você será pirateado, sucateado, incompatibilizado”.

Seis meses depois eu estava no mesmo ponto zero.

Parti para o plano B: fornecedores de fora do Brasil. Num blog dos Estados Unidos encontrei dicas, mandei um email para o primeiro indicado e recebi em algumas horas uma resposta: “não posso fazer por ser em português, mas conheço quem faz”.

Em minutos eu estava em contato com o fornecedor, que respondeu com uma praticidade chocante: dá pra fazer, é assim que funciona, leva dez dias e custa entre 150 e 400 dólares. E fazemos para o Kindle e para o ePub, dois dos sistemas de leitores eletrônicos mais populares.

Mandei os arquivos e por email recebi um orçamento inteligente. A cada aba uma instrução, um download, uma explicação. Preço: 340 dólares. Bem, encurtando o assunto: duas semanas depois o livro está praticamente pronto, sem estresse, sem chororô, sem desculpas.

Refleti sobre a diferença entre fazer negócio com os fornecedores brasileiros e com o norte americano e descobri que o que mais me chamou a atenção foi algo prosaico:

- Ele acredita em mim!

Sim. Credibilidade. O fornecedor dos EUA acreditou em tudo que eu disse e cumpriu tudo o que prometeu, fazendo com que eu acreditasse nele. Não teve “caiu o sistema”, “o Correio entrou em greve”, “fiquei sem Speedy”, “faltou um funcionário”, “subiu o dólar” ou “o trânsito estava lento”. Não teve “não aceito PDF”, “não pode usar cores”, “foi feriado”, “me manda por motoboy” ou “não aceito cartão de crédito”... Sem desculpas. Dá pra fazer, é assim que se faz, custa tanto e pronto.

Meu interlocutor sabia o que estava falando, me orientou com precisão, ofereceu todos os meios de acesso, respondeu a todas as perguntas imediatamente e quando achou que não dava disse: “Não dá”. Sem “talvez”, “vou ver”, “liga mais tarde”.

No Brasil, acostumados a não acreditar nos outros, sempre deixamos um colchão enorme nas negociações. Já esperamos pelo atraso, pelos problemas de qualidade, pelo entregue diferente do prometido, pelas exceções que são regras, pelo chute do especialista e pelas desculpas, as desculpas, as desculpas...

Livre da teia de desculpas que caracteriza os negócios no Brasil, fiquei, como a gente dizia lá em Bauru, encafifado. Senti uma sensação estranha, agradável, que me deixou curioso:

- O que será?

Era profissionalismo.


                                                      *O jornalista multimídia Luciano Pires trabalha dia e noite pela despocotização do Brasil 
(imagem em dirtybottle.com)

04 novembro 2011

FEITICEIRA DO BEM

Minha vida de casal


Bela manhã de domingo, como sói serem as manhãs de domingo em Fortaleza. Sentados na varanda, lado a lado, como se unidos por um fio invisível, minha mulher Sônia e eu lemos juntos o jornal recém-chegado, ainda fresquinho como um pão saído do forno da padaria. 

 Ela acordou tão cedo quanto eu, nossos relógios biológicos parecendo cronometrados para nos despertar na mesma hora matinal. Sua presença me faz um bem incomensurável à alma. 


 Enquanto dividimos irmanamente os cadernos do matutino, vamos conversando sobre os mais variados assuntos, inclusive a respeito de nós mesmos, de nossos problemas mútuos, de nossas preocupações em comum, da vida um tanto quanto aperreada que levamos, dos nossos esforços, da nossa luta cotidiana para manter o barco da família à tona das eventuais procelas. 


Faz muito que caminhamos de mãos dadas seguindo a mesma estrada, percorrendo, entre quedas e levantes, o mesmo caminho desde que nos conhecemos ainda adolescentes.


 Em tom de blague, costumo dizer que Dona Sônia é minha cruz que o destino me ofereceu. Todavia, uma cruz diferente, pois ao invés de ser carregada por mim, na verdade é ela quem me carrega nos ombros que parecem frágeis, mas que são muito mais fortes que os meus. 


Reconheço que sou um fraco, que me deixo abater facilmente por qualquer percalço mais grave, enquanto ela resiste bravamente às intempéries que nos acometem como legítimos representantes do que eu chamo de "classe média aperreada". 

Ela é a verdadeira comandante do navio. Eu não passo de um simples marujo, apesar de tentar manter minha pose de falso capitão de longo curso. 

Minha mulher parece-se demasiado com minha mãe, pois demonstra nos momentos de aperreio a mesma fortaleza inquebrantável de minha genitora, que não desabava em lágrimas por qualquer besteira e enfrentava as dificuldades do existir com uma coragem de leoa.

Quando me encontro sozinho comigo mesmo na solidão das noites insones, uma indefectível pergunta logo me cutuca com vara curta o bestunto, cortando o fluxo dos pensamentos vadios que me povoam a mente inquieta: o que de mim seria se eu ficasse sem minha mulher? 

Uma certeza me bate, avassaladora: certamente me transformaria num quase-nada, num inútil, insignificante zero à esquerda, um cachorro caído do caminhão de mudança. Da morte não tenho medo, porém me apavora o simples pensar que minha mulher possa morrer antes de mim. 

Vergonha não tenho de confessar isso. E por que haveria de ter se estou falando a mais pura, a mais lídima das verdades? Pois além de amá-la com um amor intenso e permanente, eu dependo dela para tudo. 

Sem ela, minha existência perderia a maior e a melhor porção do seu sentido, do seu significado. Ser-me-ia quase impossível continuar a viver sem ela.

Enquanto escrevo, quando em vez, sem que ela perceba, pouso nela meu olhar repleto de carinho e recebo de volta uma corrente intensa de força, de segurança. 

Perto dela sinto-me envolto em uma aura de bendita proteção, a sensação feliz de que tenho alguém que estará sempre do meu lado, pronta para me ajudar, me socorrer nos momentos de urgente precisão. 

Minhas fraquezas todas ela as conhece uma por uma -- e sabe de mim muito mais do que eu jamais saberei. Acredito até que é capaz de ler meus pensamentos, feito uma legítima "feiticeira do Bem". 

Bendigo o dia em que nossos destinos se cruzaram e fomos naturalmente atraídos uma para o outro por obra e graça de algum deus do qual desconheço o nome. 

Se é mesmo verdadeira a lenda de que há pessoas que já nascem destinadas a viverem juntas, nós dois somos a prova viva de que essa lenda, conosco, deixou de ser somente uma lenda para tornar-se um fenômeno real e incontestável. Ainda bem.



*Antônio Airton Machado Monte é médico-psiquiatra, escritor,
cronista e colunista do Jornal da Praia desde os anos 1980.
Caricatura do autor by Carlus Campos

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