17 março 2008

DOMINGOS SÃO FERIADOS

O descanso é divino



Toda sexta-feira à noite começa o shabat para a tradição judaica, um conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção inspirado no descanso divino — ao sétimo dia da Criação.
Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo.

A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue. Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar torna-se uma necessidade do planeta.

Hoje, o tempo de "pausa" é preenchido por diversão e alienação. O "lazer" não é feito de descanso, mas de ocupações "para não nos ocuparmos". A própria palavra "entretenimento" indica o desejo de "não parar". E a incapacidade de parar é uma forma de depressão.

O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições. Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas, fim de dia com gosto de vazio, um "divertido" que não é nem bom nem ruim.

Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo... Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A Internet e a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim.

Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde com o presente. As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado...

Nossos namorados querem "ficar", trocando o "ser" pelo "estar". Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI — um dia seremos, talvez, nossos?

Quem tem tempo não é "sério", quem não tem tempo é "importante". Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos... Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção.

O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair — literalmente, ficar desatento(a). É um dia de atenção, de ser atencioso(a) consigo e com sua vida. A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é "o que vamos fazer hoje?" — já marcada pela ansiedade. E sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando nem sabemos o que fazer numa tarde de domingo.

Quem "ganha" tempo, por definição, perde. Quem "mata" tempo, fere-se mortalmente. É este o grande "radical livre" que envelhece nossa alegria — o sonho de fazer do tempo uma mercadoria.

Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio será viver as pausas. Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar.

Afinal, por que o Criador descansou? Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada seja dá-lo como concluído.




*Com seu destacado background, Nilton Bonder — que foi Rabino da Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro — é Rabino da Congregação Judaica do Brasil desde 1990

SAIBA MAIS




"A única maneira de trazer Paz à Terra é
trazê-la, primeiro, a nós mesmo(a)s."
(BUDA)