12 julho 2011

VENENOS: MAPEAMENTO


Agrotóxicos no Ceará*

Há quatro anos, a fim de elaborar este projeto, estendíamos a mão à Fundação Cearense de Apoio à Pesquisa (FUNCAP), na busca de respaldo financeiro (menos de R$ 4 mil/mês). Não tardaria o indeferimento: "Negado. Não há recursos". Em última instância, recorríamos ao prestigiado jornalista Demócrito Dummar, solicitando-lhe interferência junto àquela instituição, na esperança de reverter o quadro. 

Todavia, não tardaria a resposta do saudoso amigo: "Debalde os meus esforços, os meus apelos, doutor. Aliás, quem já viu governo bater de frente contra as multinacionais dos agrovenenos?", sentenciou taxativamente. Inobstante, o clarividente Dummar foi-me generoso em seu incentivo: "Seu estudo, Júlio, é muito importante. Não recue, vá em frente e conte com O Povo para divulgar os resultados". Assim o fiz.

Quase sozinhos, dávamos continuidade ao projeto. Lenta, mas tenazmente. Cativo apenas à lúcida parceria da pesquisadora Erbene Góes da Ponte, admirável exemplo de esposa dedicada e competente.

Na incansável busca de dados, palmilhamos todos os recantos do Ceará, cerca de 15 mil quilômetros. Enfim, tudo concluso. E, abaixo, alinhadas e em ordem decrescente dos respectivos investimentos em agrotóxicos: 1) Ibiapaba, com 26%; 2) Vale do Jaguaribe, 24%; 3) Litoral, 17%; 4) Maciço de Baturité, 15%; 5) Cariri, 8%; 6) Sertão Norte, 6%; 7) Sertão Central, 3%, e 8) Inhamuns, 1%.

Em sua totalidade, comercializam-se, no Ceará, 24 mil t/ano, o correspondente a 3% de todo o consumo nacional (800 mil t/ano). Vale lembrar que o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos e, segundo a FAO, o primeiro também no ranking em mortandade por câncer. 

Agrotóxico e câncer estão intrinsecamente ligados pelos liames de causa/efeito. Neste Estado, até 1960, o percentual de óbitos por câncer girava em torno de 0,1%. Hoje, é da ordem de 16%. Com efeito, não há, atualmente, nenhuma família que não deplore a morte de um ente querido vitimado por tal doença.

Não obstante, alheios ao problema, médicos e nutricionistas, por descaso ou ignorância, continuam a receitar dietas vegetarianas sem advertir sobre frutas e hortaliças envenenadas. São os profetas do câncer. Na infame lista dos males causados por agrotóxicos, alinham-se doenças graves e deploráveis desequilíbrios ambientais.

Dentre os produtos agrícolas mais envenenados, tomate, morango, alface e demais verduras folhosas prevalecem nos primeiros lugares, logo seguidos de uva, goiaba, melão, melancia, batata, citros, banana, legumes e cereais. 

Entre os agrotóxicos mais difundidos no Ceará, sobrelevam-se Tomaron, Malution, Decis, Folidol, Mancozeb e Monocrofton, todos de alta toxicidade e, há anos, prescritos na Europa, América do Norte e até no Senegal e na Mauritânia. No Brasil, continuam livres. Por quê? Perguntem ao ex-ministro Reinhold Stephanes e à retrógrada bancada ruralista do parlamento.

Urge um "basta!" aos agrotóxicos. Em termos prescritos ao Ceará, vale um crédito de confiança no atual secretário de Agricultura, Nelson Martins, agrônomo consciente e, até ontem, deputado estadual brilhante e destemido. Louvado seja!

*o engenheiro agrônomo José Júlio da Ponte Filho é presidente da Associação Cearense de Ciência, professor emérito e livre-docente da cadeira de Fitopatologia do Curso de Agronomia da UFC e desde 2007 comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico. É ainda o criador de um substituto eficaz ao uso de agrotóxicos, para o qual solicitou patente, a "Produção de manipueira em pó para utilização como insumo agrícola: defensivo e fertilizante". Tal invenção, inteiramente original, pretende prover a produção de manipueira (extrato líquido das raizes de mandioca, Manihot esculenta) em pó, mediante processo de liofilização, de sorte a manter praticamente intactos os componentes responsáveis por sua extraordinária eficácia como defensivo e fertilizante agrícolas, conforme os compostos em seu estado original, ou seja, na forma líquida. Em forma de pó e devidamente acondicionada em embalagens apropriadas, a manipueira torna-se disponível durante todo o ano e a qualquer tempo ou distância, corrigindo-se, assim, as suas duas principais limitações: a sazonalidade (o composto dificilmente é encontrado na estação chuvosa, época pouco adequada à farinhada) e, em muitos casos, a dificuldade em obtê-la dada a grande distância que separa a propriedade rural do usuário do centro de produção de mandioca, de cuja industrialização a manipueira é um subproduto. Além do mais, superando outra limitação do composto natural: a curta durabilidade dos seus préstimos como insumo agrícola, pois a manipueira à temperatura ambiente perde sua eficácia a partir do quarto dia após a extração, dada a sua fermentação (imagem editada de www.agencia.cnptia.embrapa.br).