03 setembro 2013

ESPIONAGEM


Um soldado
embaixo da
sua cama*




Diferentemente da maioria das pessoas, não me surpreendi quando estourou a denúncia do técnico da CIA (agência de espionagem americana) Edward Snowden, informando que os Estados Unidos grampeavam deus e o mundo, com ajuda das grandes empresas da internet, como Google e Facebook.

A reportagem do jornalista Gleen Greenwald, para o jornal britânico The Guardian, apenas confirmava o que eu já lera no livro Cypherpunks, escrito por Julian Assange (WikiLeaks), em parceria com outros militantes da internet livre, Jacob Appelbaun, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmerman.

No livro, a reprodução de uma conversa entre os autores, Assange equipara a vigilância via internet a uma “ocupação militar”. Chegou a tal ponto, diz ele, que é como se cada um de nós tivesse “um soldado embaixo da cama”. Para Assange, “todos nós vivemos sob uma lei marcial no que diz respeito às nossas comunicações: "só não conseguimos enxergar os tanques, mas eles estão lá”.

Müller-Maguhn afirma que atualmente é mais eficiente para os governos “pegar tudo” o que trafega na rede e nos telefones para “esmiuçar depois”. Justamente o que faz o governo americano, como mostrou o programa Fantástico, na edição de domingo. Assange chega a fazer piada, dizendo que o celular “é um dispositivo de monitoramento que também faz ligações”.

GOOGLE E FACEBOOK: EXTENSÃO DAS AGÊNCIAS DE ESPIONAGEM
Jérémie Zimmermann destaca a vigilância sobre as pessoas comuns: “Se você for um usuário padrão, o Google sabe com quem você se comunica, quem você conhece, o que está pesquisando e, possivelmente, sua preferência sexual, sua religião e suas crenças filosóficas”. Para Zimmermann, Facebook e Google podem ser considerados “extensões” das agências de espionagem americanas”. (Exatamente o que Snowden denunciou.)

Jacob Appelbaun afirma que os governos ocidentais agem de forma parecida com países de governos ditatoriais. Appelbaun dá o próprio exemplo: pesquisador do Tor Project, sistema online que possibilita contornar a censura e a vigilância na internet, ele diz que é detido para “averiguação” a cada vez que tem de sair (ou entrar) nas fronteiras de seu próprio país: os Estados Unidos.

BRASIL
Dito isso, seria muita ingenuidade acreditar na explicação da Casa Branca, dizendo que coletava apenas os “metadados” (no caso, a lista de quem escrevia ou falava com quem, tempo de ligação, etc.), sem ter acesso ao conteúdo das conversas ou dos emails. É muito óbvio que se apoderando dos metadados, era só dar mais um passo para chegar aos dados em si. E, tendo a posse dos dados, quem resistiria a dar uma espiadinha? Nada inocente, diga-se.

A espionagem americana não tinha o objetivo de "tornar o mundo mais seguro", conforme disse Obama (risos). Conforme revelou a reportagem do Fantástico, tinha a ver com o temor americano pela ascensão dos países “pobres”, que poderiam abalar o poder do Império, além de assuntos mais prosaicos como obter vantagens para os seus negociantes.

Com as provas apresentadas, parece muito difícil que a Casa Branca tenha uma explicação “satisfatória” -- como quer o Brasil -- para o que aconteceu. A presidente Dilma Rousseff disse estar “muito irritada” e “indignada” com o atrevimento dos Estados Unidos, mas reação oficial tem de ir muito além disso. Devido à gravidade da situação, é preciso resposta vigorosa do Palácio do Planalto. A espionagem não atacou um governo específico: é uma ofensa à soberania brasileira.

Sugestão: o governo brasileiro poderia conceder asilo político a Edward Snowden. Creio que nada deixaria Barack Obama mais “irritado” e “indignado” do que isso. Dilma estaria pagando com a mesma moeda.

A PROPÓSITO
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (1.º/9/2013), o professor da London School of Economics e da Universidade de Nova York, Richard Sennett, 70 anos, afirmou que “ser progressista hoje é lutar pelo desmembramento do Google”. Sennet é considerado um dos mais famosos sociólogos do mundo. 

Ele entende que o governo americano deve acabar com o monopólio das gigantes empresas da internet. Mas, vamos ligar os pontos: por que o governo americano agiria assim, se ele controla a internet, e tem o beneplácito do Google e do Facebook para violar a correspondência alheia?

P.S.: No meu blog (http://blog.opovo.com.br/pliniobortolotti/venho fazendo postagens sobre o perigo que representa o monopólio das gigantes da internet. Este texto foi baseado em alguns desses posts. Quem se interessar, pode pôr na pesquisa do blog palavras como “assange” ou “internet”, e terá acesso a alguns posts sobre o assunto.



*o jornalista Plínio Bortolotti é diretor
Institucional 
do Grupo de Comunicação O Povo. 
Charge (por Clayton) publicada em www.opovo.com.br

02 setembro 2013

VIVER CONECTADO É ISSO


Mudança de hábitos faz 
com que despesas
de um casal sejam 
inferiores a R$ 15 / mês*



O casal usou a adversidade e as dificuldades para
repensar o modelo de vida que estavam levando antes

É sempre o mesmo dilema: entre o final de um mês e o início de outro as contas chegam, o salário "pinga" na conta, mas a equação não fecha. Geralmente, gastamos mais do que ganhamos, não é mesmo? Mas será que isso ocorre apenas por culpa da inflação (este monstro enorme) somada as baixas remunerações?

Pois saiba que um casal inglês consegue viver com menos de R$ 15 por mês. Detalhe: sem miséria. Apaixonados por jardinagem, Steven Lucas e Yvonne são adeptos de estilos de vida sustentáveis. Tudo começou quando Steven foi despedido do seu emprego (era engenheiro eletrônico) em 2010. A partir de então, a vida dele e da esposa sofreu uma reviravolta, segundo relatou o site Hypeness.

Depois de terem instalado painéis solares em 1992, Yvonne e Steven aumentaram a produção própria de alimentos e passaram a coletar água da chuva para a cozinha e banheiro.

Aproveitando as cortesias da natureza, eles passaram a plantar alimentos em seu terreno de seis hectares em Basingstoke, Hampshire (ING), onde ainda incluem um galinheiro com galinhas poedeiras e várias colmeias.

Eles contam ainda duas estufas para produção de legumes, ervas e flores, além de 15 árvores. O cultivo atinge níveis bem altos e o excesso é aproveitado para fazer geleias e compotas. Assim o casal vive de forma ecológica e atinge um valor de despesa mensal quase impensável na Inglaterra.


Yvonne e Steven aumentaram a produção própria
de alimentos e passaram a coletar água da chuva

O casal usou a adversidade e as dificuldades para repensar o modelo de vida que estavam levando antes. Uma ótima forma de transformar algo que parecia negativo em algo extremamente positivo.

É sempre o mesmo dilema: entre o final de um mês e o início de outro as contas chegam, o salário "pinga" na conta, mas a equação não fecha. Geralmente, gastamos mais do que ganhamos, não é mesmo? Mas será que isso ocorre apenas por culpa da inflação (este monstro enorme) somada as baixas remunerações?

Pois saiba que um casal inglês consegue viver com menos de R$ 15 por mês. Detalhe: sem miséria. Apaixonados por jardinagem, Steven Lucas e Yvonne são adeptos de estilos de vida sustentáveis. Tudo começou quando Steven foi despedido do seu emprego (era engenheiro eletrônico) em 2010. A partir de então, a vida dele e da esposa sofreu uma reviravolta, segundo relatou o site Hypeness.

Depois de terem instalado painéis solares em 1992, Yvonne e Steven aumentaram a produção própria de alimentos e passaram a coletar água da chuva para a cozinha e banheiro.

Aproveitando as cortesias da natureza, eles passaram a plantar alimentos em seu terreno de seis hectares em Basingstoke, Hampshire (ING), onde ainda incluem um galinheiro com galinhas poedeiras e várias colmeias.

Eles contam ainda duas estufas para produção de legumes, ervas e flores, além de 15 árvores. O cultivo atinge níveis bem altos e o excesso é aproveitado para fazer geleias e compotas. Assim o casal vive de forma ecológica e atingiu um valor de despesas mensais quase impensável na Inglaterra.


Foi uma ótima forma de transformar algo que parecia negativo
em algo extremamente positivo e coerente com a necessidade




(*conteúdo publicado em www.ecodesenvolvimento.org)
(fotos: Divulgação e Lucas2-ecod)

01 setembro 2013

LIMITES DA ESFERA DE INFLUÊNCIA



Vida de princesa
nos relatórios de
sustentabilidade*




Empresas ainda não entendem o motivo de seus relatórios de sustentabilidade não serem objeto de leitura dos seus stakeholders. Produzido no tradicional modelo top-down de comunicação, ainda não se deram conta que esse produto deve ter seus temas escolhidos não por eles, mas pelos seus públicos, num processo de diálogo que deve se dar ao longo do ano. Mas isso pode estar prestes a mudar e você deveria ser parte disso.

No mês passado participamos de um dia onde foram apresentadas e dialogadas as novidades do G4 Sustainability Reporting Guidelines. Na formação (apesar de achar que o tema está muito cru para chamarmos de curso) estavam empresas, consultores e representantes de entidades/federações.

Os dois aspectos mais marcantes da nova versão -- que passam a valer a partir de Janeiro de 2016 (1) -- são a obrigatoriedade de ter uma matriz de materialidade e de demonstrar que a empresa tem conhecimento dos impactos dentro e fora dela, colocando na pauta o tema cadeia de fornecimento. Na pesquisa Materialidade Brasil, elaborada pela consultoria Report Sustentabilidade, foi constatado que 85% das empresas publicaram quais são os temas materiais, mas apenas 61% publicou sua matriz de materialidade. Um número menor ainda (45%) publicou metas atreladas aos temas materiais (ou seja, apesar de material, 55% das empresas entendeu que ainda não era o momento de atribuir metas).

Algumas lacunas ainda são imperdoáveis no G4. Nenhum avanço na proposição de metodologia para se fazer um processo de materialidade e em como equilibrar os aspectos trazidos pelos stakeholders internos x externos. A Takao Consultoria elaborou um Manual para Implementação de Engajamento com Stakeholders. O documento propõe matrizes de priorização e perfil de partes interessadas e também exemplifica uma matriz de priorização de temas em relação aos critérios internos e externos. 

Pode ser um ótimo modelo a ser seguido, mas quando lemos um relatório de sustentabilidade muitas vezes não está explícito como foi feita a seleção e priorização dos públicos a serem consultados, se todos participaram juntos ou não, se os temas foram dados ou abriu-se a opções para temas que emergiram no processo e como se chegou a priorização dos temas.

Outro ponto é que a materialidade deve envolver stakeholders, mas não obriga a participação de determinadas partes interessadas. Dá para ficar apenas com os funcionários ou até mesmo não incluí-los.
Fonte: Pesquisa Materialidade Brasil - Report Sustentabilidade


A nova versão, apesar de falar muito em cadeia de fornecimento, ainda está longe de propor um olhar mais sistêmico, amplo, envolvendo toda a cadeia de valor da organização (que contemple também a distribuição, clientes e consumidores). Ou seja, a empresa tem que ficar atenta de quem ela compra, onde estão estes fornecedores e onde estão localizados os impactos na cadeia de fornecimento. Contudo, ainda está livre para vender para quem quiser! Levaram o conceito de esfera de influência da Norma ISO 26000 apenas para parte da cadeia.

"Esfera de influência: amplitude/extensão de relações políticas, contratuais, econômicas ou outras relações por meio das quais uma organização tem a capacidade de afetar as decisões ou atividades de indivíduos ou organizações. - Norma ISO 26000"
Com isso, ficam de fora as preocupações da empresa com a comercialização de seus produtos ou serviços para, por exemplo, países que têm graves violações dos direitos humanos ou que estejam em guerra civil; organizações envolvidas em corrupção ou lavagem de dinheiro; empresas que desmatam, têm trabalho infantil ou análogo ao escravo em sua operação ou na sua cadeia, etc.

As organizações presentes na formação da qual participamos também questionaram se a GRI tem alguma sinalização sobre como tornar os relatórios mais atrativos, mais lidos. Bem, não entendemos que isso seja uma missão da GRI, mas sim, em primeira instância, das próprias empresas.


O relatório será interessante pela qualidade e relevância das informações ali colocadas. Isso nos remete aos motivos de alguém "curtir" no Facebook a página oficial de uma empresa quando há interesse genuíno, e não quando é feito para participar de uma oferta comercial. Nós seguimos várias organizações e o que elas nos oferecem é informação de qualidade, independentemente do seu produto ou serviço.

O blog Testando os Limites da Sustentabilidade (um tipo de watchdog) lê e analisa relatórios de sustentabilidade das empresas e depois disso encaminha perguntas sobre informações incompletas ou imprecisas, apontando lacunas de temas que deveriam ser abordados conforme o negócio da empresa. Muitas respondem ao blog e deveriam ver os questionamentos feitos com bons olhos: afinal alguém está lendo seu relatório!

Contudo, há uma grande lacuna deixada por stakeholders imprescindíveis 
para a melhoria da qualidade das informações e da transparência do setor privado no Brasil, como organizações da sociedade civil, imprensa, academia, consultorias, organizações think tank, coletivos e formadores de opinião em geral. Céticos quanto ao conteúdo publicado nos relatos -- em alguma medida, com razão --, esses públicos deixam de prestar um enorme serviço à sociedade ao não fazer leituras e análises críticas às informações dos relatórios de sustentabilidade, um dos poucos, se não os únicos, instrumentos de consulta de como as corporações contam estar conduzindo os negócios das empresas por aqui. 

Acreditamos que existe um grande espaço para exercitar diferentes formas de se fazer a leitura desse tipo de documento. Esses stakeholders têm condições técnicas e informações complementares para "mastigar" o conteúdo dos relatórios e fazer cruzamentos com a real atuação da empresa, com o que a GRI determina, com práticas de outras empresas do mesmo setor, com políticas públicas, com Pactos e Compromissos voluntários, comparar com informações e práticas da matriz na busca por um duplo padrão (2), dentre outras dezenas de olhares possíveis. 

Analisar as informações públicas do setor privado -- ou evidenciar a falta delas -- ajuda na geração de conhecimento crítico que pode ser um impulsionador de novas práticas por parte das empresas. É o caso do estudo Sustentabilidade do Setor Automotivo, produzido pela Tistu para o UniEthos, que vem sendo utilizado por uma montadora na sua estratégia de sustentabilidade.

Por isso, o que realmente importa nos relatórios são os dados relevantes para quem lê, não para quem escreve. Entretanto, as informações ainda vêm embaladas num pacote desnecessário de frases de efeito que dizem pouco, ou quase nada, e não agregam no momento da análise, repetindo histórias ano após ano sem demonstrar ou deixar clara qual foi a real evolução frente ao ano anterior. 


Daí a importância da análise crítica de formadores de opinião. Enquanto as empresas não avançam neste aspecto, iniciativas que capturem os dados e "limpem" as informações dos excessos, serão úteis para aumentar o conhecimento sobre os aspectos de sustentabilidade que as empresas estão colocando na sua cesta de prioridades.

Em tempo de manifestações onde cartazes levantam bandeiras como saúde (a ser melhorada), corrupção (a ser combatida), transporte (como forma de inclusão) e acesso à cidade (como forma de promoção da igualdade), quem não gostaria de saber quais empresas estão antenadas com essas necessidades e trabalham em convergência com as políticas públicas? Não passa pela nossa cabeça abrir o relatório da Siemens no ano que vem e não ver a questão da corrupção e cartel. 

Ou ler o relatório da Samsung e não encontrar nada sobre as condições degradantes dos trabalhadores. Mas não estamos falando daqueles textos sobre o quanto valorizam os processos, como os sistemas funcionam etc. Queremos saber justamente o contrário. 

Quais foram as lições aprendidas, onde estava o furo, quais desafios que entendem que estão longe de superar? As empresas são feitas de pessoas e portanto são cheias de falhas, inconsistências, dilemas. E é isso que falta aparecer nos seus relatos de vida de princesa.

Talvez esta deva ser a tendência dos relatos das empresas. Criar visões por assuntos de interesse pela ótica de quem busca a informação, com construções e atualizações dinâmicas (entenda aqui que elas não serão feitas de forma unilateral, apenas pelas empresas), com muito menos filtros e fotos de banco de imagens.

Mais Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação (NINJA) para os relatórios de sustentabilidade têm o potencial de torná-los muito mais interessantes e vivos. Se as empresas não fizerem, alguém vai fazer.



(1) Ou seja, o último ano de relato na versão G3 ou G3.1 
será 2014, sendo que 2015 já será relatado na nova versão.


(2) Esta é uma metodologia que a Tistu vem adotando em alguns 
estudos. Isolar alguns assuntos e procurar por práticas e
 posicionamento na matriz e na operação do Brasil.
Quando há divergência (i.e. a matriz tem políticas, 
programas ou é estratégico e aqui nem é citado)
 ocorre o que denominamos de "Duplo Padrão".



*Carla Stoicov é mestranda em Gestão e Políticas Públicas pela FGV-SP.
Sócia da Tistu, 
atua como consultora em projetos para o Desenvolvimento
Sustentável e de Responsabilidade Social Empresarial. Ex-coordenadora do
Programa Tear do Instituto Ethos, é especialista do UniEthos.


*Wilson Bispo é jornalista e desde 2005 trabalha na cobertura de temas socioambientais 
e de RSE. Sócio da Tistu, foi produtor do Repórter Eco da TV Cultura de SP, editor
do portal e agência 
Envolverde e consultor na Report Sustentabilidade.



(conteúdo publicado em http://www.tistu.net)