28 junho 2010

POESIA EM PRANTO SECO

O recifense José Almino*


Feita de palavras “arrancadas do que passa e não importa”, a poesia de A estrela fria canta o longínquo, presentificado por lampejos de uma “saudade de pedra” que “jaz no fundo do poço”, mesmo sob o “azul do mais azul dos sóis a pino”.

Da saudade, seja ela de um amigo morto ou da própria infância, José Almino constrói uma “vida a retalho”, feita de centelhas do passado que se manifesta, por epifanias, embora seja ausência que “inundará minha alma”. Os estímulos do dia, por mais passageiros ou ínfimos – como a “carícia da poeira” –, “trazem a eternidade da infância esfacelada”.

Ainda há lugar para a "saudade" na poesia? Como mera manifestação da função emotiva da linguagem, pode-se dizer que não. Mas quando se leem os poemas de Almino, a nostalgia que os impregna parece partir-se em reflexos de um eu multiplicado (ou dividido), em muitos eus que não encontram seu lugar e o buscam num tempo de passagem, a unir lembranças que adquiram sua permanência não nos seres, mas nas palavras.

Não há mais coisas, porque estas se vão, se foram; as palavras são apenas "sombra das coisas", mas há o recurso de torná-las coisas para que as recordações se concretizem em novo mosaico feito e desfeito: “A infância se esfacela brutal/ diante dos olhos passados e adiante, no poema”.

Se a “água fria” lambe “nossos dias”, a lembrança será árida: biografia “inóspita como um bife malpassado”. Luta-se, sim, contra a saudade: “limpa, limpa/ limpa/ a puta/ desta nostalgia”; há, porém, a persistência dos momentos acumulados por teimosia: “Humilhado,/ triste, velho e burro./ Haja relho,/ haja orgulho.”

Como a infância no Recife, que teima em perdurar em palavra, mesmo quando se afirma o contrário (“um domingo enxuto,/ sem infância”), o tempo no exílio, vivido pelo poeta, resta-lhe como motor de sua melancolia seca, que se indigna com a própria existência, como na “Canção do exilado”, a evocar, em reverso, o Salmo 137.

A poesia de Almino, feita em versos livres, parece oscilar entre a prosa cotidiana eternizada e a poesia absorvida, enxuta; incorpora citações, faz suas as vozes que ecoam na memória, encaixando-as em ocos reservados nos próprios versos.

Mas há também, na forma, “citação” de medidas – um dos pontos altos desta poesia que entende o amor como “um longínquo solilóquio” são estes versos heptassílabos: “E a tua boca é um traço,/ no mesmo prumo do riso,/ no mesmo desembaraço/ do teu olhar, sempre oblíquo,/ punhal aflito em ferida,/ sangrando bem na medida/ dessa saudade tão rara.”


*Natural de Tietê/SP, Marcelo Tápia é escritor, tradutor, ensaísta e editor. Por vezes solta a voz em canções celtas e promove o Bloomsday em São Paulo. A resenha acima foi publicada originalmente no caderno Folha Ilustrada, do jornal Folha de S. Paulo, sob o título "Poeta canta a saudade em retalhos".

07 junho 2010

ODE À SUSTENTHABILIDADE

Questão de lucro*



A onda agora é "sustentabilidade", depois de "qualidade total", "foco no cliente", "parceria", "inovação", "responsabilidade social" e etc. Todo mundo fala em sustentabilidade, as propagandas informam como as empresas estão interessadas no assunto e grandes debates, como o da hidrelétrica de Belo Monte, têm o tema em suas raízes.

O conceito é muito bom e foi usado pela primeira vez em 1987, por uma política e médica norueguesa chamada Gro Harlem Brundtland. Ela escreveu num documento da ONU mais ou menos o seguinte:

"Sustentabilidade é o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender às suas próprias necessidades."

Muito bom mesmo, não é? Atuar no presente, cientes do nosso impacto e influência no futuro. Pois é. Então lembrei-me de que escrevi, anos atrás, um texto chamado "Coração empresarial", no qual eu dizia:

"Nas minhas andanças pelos EUA no começo dos anos 1990, em toda sala encontrei um quadrinho que falava da importância da diversidade (que é a necessidade de integrar as minorias -- negros, asiáticos, latinos etc., ao mundo dos brancos anglo-saxões). Fiquei encantado:

-- Puxa, as empresas estão entendendo que todo mundo é igual, que as diferenças de sexo, raça ou credo não tornam as pessoas mais ou menos dignas ou humanas.

Até que um alto executivo me explicou:

-- No futuro, aqui nos EUA, vamos ter muito mais negros, latinos e asiáticos. E essa gente só vai comprar produtos de empresas que empreguem gente igual a eles. E, se não começarmos a integrar essa gente, então no futuro não vamos conseguir vender para eles...

-- Ué, mas não é uma questão de valores humanitários, de entender que todos os homens são iguais, de não ter preconceitos?

-- Não. É uma questão de lucro."

Aquilo foi uma porrada! Eu era apenas um pobre jovem executivo idealista brasileiro, cheio de boa-vontade, sendo exposto à dura realidade: na briga dos valores morais com o lucro, quem se ferra é a moral.

Pois então... Sabe o que mudou desde que escrevi aquele texto? Só os modismos. E sustentabilidade é o modismo da hora.

Fazemos discursos maravilhosos, especialmente quando envolvem valores morais, mas apenas somos capazes de adotar pequenas ações táticas focadas na eficiência e que tenham resultados mensuráveis no curto prazo.

Coleta seletiva, uso de papel reciclado, economia de água, economia de energia... Essas ações são mais do que boas, são necessárias. E é ótimo que cada vez mais gente adote esses procedimentos, mas...

Sustentabilidade é muito mais que pequenas ações táticas. Sustentabilidade não pode ser comprada. Não é um modismo. Não é "invenção dos caras do meio ambiente".

Sustentabilidade, assim como a liberdade, não é uma "coisa", é uma relação. E a maioria das pessoas não está preparada para ela.

É sobre isso que falei no dia 18 de maio em São Paulo, na palestra "SustentHABILIDADE", realizada gratuitamente para convidados. Quis e quero provocar uma reflexão sobre nossa capacidade de fazer com que esse novo modismo não seja apenas mais um modismo.

Mais informações em www.istoelider.com.br


*Luciano Pires é jornalista, escritor, cartunista e palestrante


SAIBA MAIS
www.lucianopires.com.br