27 outubro 2007

LIDERANÇA DE EMPRESAS EXTRAORDINÁRIAS (3)

Lembrando Canudos


O objetivo desta série de artigos é responder a duas perguntas: o que é uma "empresa extraordinária" e se o Brasil tem lideranças habilitadas a conduzir esta vitoriosa organização. Desta vez, abordarei alguns fundamentos de sua construção. Indiscutivelmente, um dos primeiros tijolos (o mais importante) na arquitetura deste tipo de empresa é dispor de uma elite de liderança e gestão. Empresa ou grupo empresarial possuidor de um quadro diretivo de altíssima categoria não quebra, a não ser por surpresas totalmente imprevisíveis.

Com um comando competente, tem a possibiçlidade de continuar e até se perpetuar na sociedade e no mercado. O conceito de elite de gestão nada tem a ver, porém, com o nível social, econômico, acadêmico ou de titulação — e sim com o talento de personalidades do gestor.

Ampliando este conceito, feliz a nação possuidora de uma governança corporativa integrada por indivíduos possuidores de características pesoais notáveis, apresentando uma elevada performance. Infelizmente, a governança corporativa no Brasil, com exceção, está se transformando num ajuntamento de amigos, cupinchas, curriola, recrutados em função dos laços de amizade, de experiências passadas, quando um dos fatores prioritários é a independência destes homens e a sua profunda formação intelectual, cultural, ética e de sabedoria de vida, enfim, que sejam verdadeiros estadistas na liderança do empreendimento.

Para reforçar as distorções das governanças corporativas, inexistem no Brasil centros de excelência formando e desenvolvendo esse imprescindível segmento de condução do negócio, enquanto pontificam uns cursinhos superficiais caça-níqueis. O País revela ainda um baixíssimo nível de escolaridade. Idem de leitura, como demonstraram pesquisas relatadas na 19.ª Bienal Internacional do Livro realizada em São Paulo/SP: raros brasileiros lendo mais de dois livros/ano, enquanto em Paris a média de leitura anual é de 15 a 20 livros.

Ademais, é ínfima a atividade cultural, quase toda concentrada no eixo RJ-SP. E, quanto às experiências dos conselheiros, predominam as do cotidiano das organizações, mesmo porque o brasileiro tem resistências em circular pelo mundo, internalizando vivências de vida. Talvez até por condicionantes geográficos, tem uma vocação de se voltar para dentro de si mesmo, enterrado nas fronteiras nacionais.

Esses indicadores negativos se refletem prejudicialmente nas empresas, daí a precariedade das governanças corporativas, que vão beirando o fracasso total, mesmo sendo estas um dos pilares importantíssimos na edificação e, principalmente, na liderança das empresas extraordinárias.

Outros ingredientes deste tipo de organização são doutrina e estratégia. A doutrina compõe um conjunto de crenças, valores e ideologias sedimentadas ao longo dos anos que, proporcionando à organização uma orientação ideológica institucionalizada, dá ao empreendimento uma personalidade adulta e permite ao negócio andar com os próprios pés.

Uma empresa sem doutrina tem vida curta e se conduz de forma desorientada, ao sabor das circunstâncias. No Brasil, essa doutrina repousa pobremente na cabeça dos acionistas, dos donos do poder, tornando-se algo personalista. Diferentemente do que ocorre, por exemplo, no âmbito da Igreja Católica, dotada de uma doutrina responsável pela sua trajetória de milhares de anos na Terra, apesar de determinadas falhas de gestão.

A empresa, ao usufruir de uma doutrina, chega ao ponto de dispensar os gestores tradicionais concentrados nas coisinhas, controlando a força de trabalho para executar tarefas e atribuições. A doutrina, por sua vez, gera uma cultura, ambas contribuindo para a organização ter uma personalidade mais definida.

Quando isso ocorre, o empreendimento torna-se mais sólido. A Al-Qaeda, organização terrorista liderada por Bin Laden, espalha-se por vários países e funciona normalmente e com eficácia sem necessitar de ser cutucada pelos dirigentes.

A estratégia (não confundir com os obsoletos planejamentos estratégicos) são caminhos inteligentes formulados pela cúpula da organização, visando objetivos de longo prazo. No Brasil, predominam as reuniões de fim de ano, cuidando do orçamento, do dinheiro disponível no caixa para a empresa operar no ano seguinte. Não é inerente à cultura nacional a postura estratégica.

Nem o Ministério do Planejamento apresenta uma proposta estratégica para o Brasil sequer a médio prazo, isto dito a mim por um ex-ministro. A estratégia aqui ressaltada seria como na China, onde o falecido Deng Xiaoping, genial arquiteto do progresso chinês, costurou metas ambiciosas de 100 anos à frente. Em torno desta arquitetura futura, antes de morrer o líder Deng conseguiu mobilizar a sociedade chinesa na busca de construir sua invejável caminhada, definindo habilmente o destino daquele país.

Como o Brasil não cultiva o hábito de se direcionar sob uma roupagem estratégica, uma das resultantes desta distorção é o parque empresarial ser tocado ao sabor das instabilidades, tornando-se passivo de ser punido pela História e pelas circunstâncias, evidenciando a carência local de um projeto de futuro.

A estrutura organizacional é outro degrau na construção de empresas extraordinárias, como meio de implantar a arquitetura estratégica. No entanto, não se pode confundi-la com os ridículos e folclóricos organogramas.

A estrutura por mim sonhada lembra a de Canudos. Um grupo de pessoas motivadas, sob a liderança talentosa de Antonio Conselheiro, enfrentou quatro vezes gloriosamente o treinado Exército por meio de uma estrutura ancorada em valores compartilhados dos conselheiristas, gente humilde e analfabeta mas imbuídos da defesa de uma causa maior. A estrutura brotou da cultura, do contexto onde eles existiam e sintonizada com a época e com os desideratos estratégicos do mencionado movimento.

Outro exemplo é o Sendero Luminoso, movimento terrorista peruano. Seu fundador, Abimael Guzmán, brilhante professor de Filosofia da secular Universidad Nacional Mayor de San Marcos, ao ser preso pela polícia do então presidente Alberto Fujimori, disse: "Vocês estão me prendendo, mas não conseguem trancafiar a causa do nosso movimento".

Outra ilustração de estruturas organizacionais eficazes são as escolas de samba, responsáveis pelo maior evento diversional do mundo, o Carnaval. Não é do meu conhecimento que essas escolas tenham organogramas, muito menos os inúteis departamentos de Recursos Humanos ou gerências de Treinamento.

As escolas de samba, espontaneamante, treinam o ano todo, diariamente, e vão ao asfalto no período momino sem chefias martelando os sambistas e, mesmo assim, dão um show de desempenho superior a muitas empresas multinacionais.

Enquanto isso, é usual a existência de milhares de empresas escoradas em pomposos organogramas, em áreas custosas de departamentos de RH, palco de muitos treinamentos em variados atributos ultrapassados das escolas clássicas de Administração. São fracassadas e no mínimo exibem condutas sofríveis.


*O Dr. Cleber Pinheiro de Aquino é professor da USP-Universidade de São Paulo, consultor de alta gestão e coordenador dos 6 volumes de História empresarial vivida – Depoimentos de empresários brasileiros bem-sucedidos (Editora Gazeta Mercantil, 1986)
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