26 agosto 2010

REFESTELANÇA

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ECOLOGIA E MISSÃO

Jogos de palavras*


A ecologia ambiental carece de maior fôlego. Não se trata de salvar “o meio ambiente”, mas o ambiente inteiro. Com esse jogo de palavras, arrancamos o olhar pequeno do sitiante que protege seu rincão: está em jogo o ser humano enquanto ser inserido na sociedade.

Os cuidados pessoais necessários e primeiros não bastam. Vivemos numa sociedade cada vez mais complexa. Soluções individuais não dão conta dos problemas.

Entra em questão a modificação de nossa concepção. E salta-nos aos olhos o fato de que os dois extremos da sociedade – os mais ricos e os mais pobres – degradam a natureza.

Os primeiros, pelo consumismo desvairado, pelo desperdício insano, sugam-na até à exaustão; os outros a contaminam, por falta de condições humanas de viver.

Ao invés de horrorizar-nos, fascina-nos a abundância de bens que shoppings quilométricos exibem. Nem nos passa pela cabeça o que significa tal esbanjamento de objetos em termos de gasto de energia, de destruição da natureza, de extração de minérios e materiais não-renováveis.
Os ecologistas denunciam sem cessar a inviabilidade total da expansão desse alto nível de consumo para as gigantescas massas asiáticas. E, em grau menor, também para as nossas.

Basta imaginar cidades como Beinjing, México e São Paulo, se cada família tiver dois ou mais automóveis saindo à rua. Tudo para.

Só a gigantesca injustiça social consegue manter as massas pobres longe do consumo conspícuo, abundante, dos ricos.

Do seu lado, os pobres destroem a vida por serem forçados a viver na precariedade: falta de saneamento básico, de assistência à saúde e de outras condições dignas de sobrevivência. Moram em lugares inadequados e perigosos, devem conviver com mais doenças e até com o lixo.

De novo, a injustiça social os mantêm em situação de morte e de semeadores de morte. Só uma ecologia social traz resposta a tal situação.


*J. B. Libanio, sj, originalmente no semanário O Domingo, publicado pela Pia Sociedade de São Paulo (Paulus), num Ano C (verde). Image by Susan at Photobucket

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www.sunnet.com.br

09 agosto 2010

CRESCIMENTO INSUSTENTÁVEL

Batendo no teto*


"Decrescimento", diz o graffiti inscrito sobre a Coluna de Julho (monumento localizado na Praça da Bastilha em Paris, França) durante protestos dos trabalhadores (greve geral) realizados em 28 de março de 2006 (vivos, certamente, até hoje).

Decrescimento é um conceito essencialmente econômico, mas também político, cunhado na década de 1970, parcialmente baseado nas teses do economista romeno e criador da bioeconomia, Nicholas Georgescu-Roegen, as quais foram publicadas em seu livro The entropy law and the economic process (1971).

A tese do decrescimento baseia-se na hipótese de que o crescimento econômico -- entendido como aumento constante e progressivo do PIB-Produto Interno Bruto em qualquer sociedade humana -- não é sustentável pelo ecossistema global. Esta ideia opõe-se cabalmente ao pensamento econômico dominante, segundo o qual a melhoria do nível de vida só seria possível em decorrência do crescimento do PIB e, portanto, o aumento do valor da produção deveria ser um objetivo permanente da sociedade.

A questão principal, segundo os defensores do decrescimento -- dos quais o também economista e filósofo francês Serge Latouche é o mais notório -- é que os recursos naturais são limitados e, portanto, não existe crescimento infinito. A melhoria das condições de vida deve, consequentemente, ser obtida sem aumento do consumo -- o que implica, necessariamente, na mudança do paradigma atualmente dominante.

Segundo seus críticos, as principais consequências do produtivismo, entendido como a ênfase dada aos aumentos de produtividade e ao crescimento, nas sociedades industriais, tanto socialistas como capitalistas, seriam:

• o esgotamento dos recursos energéticos (petróleo, gás, urânio, carvão) no próximo século, caso se mantenha o atual ritmo de crescimento do consumo;
• o valor decrescente de diversas matérias-primas e o crescente de outras;
• a degradação ambiental, evidenciada pelo efeito estufa, pelo aquecimento global, pela perda da biodiversidade e pela poluição;
• a degradação da flora, da fauna e da saúde humana;
• a evolução do padrão de vida dos países do hemisfério Norte em detrimento dos do Sul, no que diz respeito a transportes, saneamento, alimentação etc.

Embora o produtivismo tenha sido parcialmente questionado pelos defensores do desenvolvimento sustentável, a crítica dos adversários do crescimento é mais radical, já que consideram o próprio desenvolvimento (ou crescimento) sustentável como um oxímoro -- ou seja, uma contradição, em termos.

O desenvolvimento (ou crescimento) não pode ser sustentável, uma vez que o aumento constante da produção de bens e serviços também provoca o aumento do consumo de recursos naturais -- acelerando, assim, o seu esgotamento. É urgente perceber que 20% da população mundial já consomem 85% dos recursos naturais do planeta (!).

Além disso, os adeptos do decrescimento tentam mostrar que mesmo a tão esperada "desmaterialização da economia" -- que deveria ocorrer pelo deslocamento do eixo da atividade econômica para o setor terciário, menos demandante de recursos naturais e, particularmente, de energia -- acabou por se revelar uma ilusão.

Segundo Serge Latouche, a "nova economia" é relativamente imaterial (ou menos material), porém, mais do que uma substituição da antiga economia pela nova, o que existe são relações de complementaridade entre ambas. No final, todos os indicadores mostram que a extração de recursos continua a crescer.

Conforme Latouche, o conceito de decrescimento baseia-se, num primeiro momento, na crítica antropológica da modernidade e do homo economicus, elaborada a partir dos anos 1970, quando a mensagem de pensadores (como o austríaco Ivan Illich) é a de que viveríamos melhor de outra maneira -- ou seja, seria desejável sair deste sistema.

O segundo momento da Teoria do Decrescimento -- ligado, principalmente, à ecologia e ao relatório do Clube de Roma -- é perceber quando se torna imperativo, por razões físicas, sair desse sistema (mais sobre a entidade em < http://www.clubofrome.org/ >).

"Fomos formatados pelo imaginário do 'sempre mais', da acumulação ilimitada, dessa mecânica que, se um dia pareceu'-nos virtuosa, agora se mostra infernal, por seus efeitos destruidores sobre a humanidade e o planeta. A necessidade de mudarmos esta lógica é a de reinventar a sociedade em uma escala humana, uma sociedade que reencontre seu sentido da medida e do limite que nos é imposto, porque, como dizia meu colega Nicholas Georgescu-Roegen, 'um crescimento infinito é incompatível com um mundo finito'", afirma Latouche.

E há mais (muitos mais) argumentos:

• o funcionamento do sistema econômico atual depende essencialmente de recursos não renováveis e, portanto, não pode se perpetuar: as reservas de matérias-primas são limitadas, sobretudo quanto a fontes de energia, o que contradiz o princípio de crescimento ilimitado do PIB;
• não existe evidência da possibilidade de se separar o crescimento econômico do aumento do seu impacto ambiental;
• a riqueza produzida pelos sistemas econômicos não consiste apenas de bens e serviços, mas há outras formas de riqueza social -- tais como a saúde dos ecossistemas, a qualidade da justiça e das relações entre os membros de uma sociedade, o grau de igualdade e o caráter democrático das instituições. O crescimento da riqueza material, medido apenas por indicadores monetários, pode ocorrer apenas em detrimento dessas outras formas de riqueza;
• as sociedades ocidentais, dependentes do consumo supérfluo, em geral não percebem a progressiva perda de riquezas (como a qualidade de vida) e subestimam a reação das populações excluídas (a exemplo da violência nas periferias e o ressentimento em relação ao Ocidente, por parte dos países que não apresentam o padrão de desenvolvimento econômico ocidental).

Para os teóricos do decrescimento sustentável, o PIB é uma medida apenas parcial da riqueza e, se se pretende restabelecer toda a variedade de riquezas possíveis, é preciso deixar de utilizá-lo como bússola. Neste sentido, defendem a utilização de outros indicadores -- tais como o IDH-Índice de Desenvolvimento Humano, a "pegada ecológica" e o Índice de Saúde Social.



*membro-diretor (Região Nordeste) da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, Manuel Osório Viana pesquisa há 40 anos sobre desenvolvimento e ambiente osorioviana@live.com


SAIBA MAIS
http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=375&PHPSESSID=2992afb2cd65c8594faad2ff286459fc

http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/sustentabilidade_em_um_mundo_lotado.html

http://www.decroissance.org

http://www.degrowth.eu



LEIA TAMBÉM
LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do crescimento sereno. São Paulo: Martins Fontes, 2009

19 julho 2010

DESMODELOS DE VIDA

Passeio socrático*


Outro dia, observava eu o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos dependurados em telefones celulares, mostravam-se preocupados, ansiosos e, na lanchonete, comiam mais do que deviam.

Com certeza, já haviam tomado café-da-manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, muitos demonstravam um apetite voraz.

Aquilo me fez refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade? O dos monges ou o dos executivos?

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?” Ela respondeu: “Não; minha aula é à tarde”. Comemorei: “Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir um pouco mais”.

“Não -- ela retrucou --, “tenho tanta coisa de manhã...” “Que tanta coisa?”, indaguei. “Aulas de inglês, balé, pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada.

Fiquei pensando: “Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’”

A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas muitos são emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram que, agora, mais importante que o QI (Quociente Intelectual), é a IE (Inteligência Emocional).

Pois é, não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!

Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem 60 academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito.

Acho ótimo, vamos todos morrer esbelto(a)s: “Como estava o defunto?”. “Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!” Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade: tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse.

Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi­nho de prédio ou de quadra!

Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais.

Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…

A cultura começa onde a natureza termina: cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil -- com raras e honrosas exceções --, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é "entretenimento".

Domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, vestir este tênis,­ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!”.

O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba­ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma su­gestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir!

O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo(a), começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globocolonizador, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor.

Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade -- a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center.

É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas.

Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno...

Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: “Estou apenas fazendo um passeio socrático.” Diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas.

Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.”


*Frei Betto é escritor, autor do romance “Um homem chamado Jesus” (Ed. Rocco), entre outros livros

SAIBA MAIS
http://travessia21.blogspot.com/2008/06/eu-o-livro-homenagem-frei-betto.html


15 julho 2010

INTEGRAÇÃO QUÂNTICA

Como construir o amanhã?*


O que é sustentabilidade, em seu conceito geral?
Em primeiro lugar, o meu "olá" para os leitores deste site. O termo "sustentabilidade", uma palavrinha meio "na moda", tem um conceito muito maior que imaginamos nesses tempos de aquecimento global e muitas crises econômicas e sociais. Há quase 20 anos, a ONU afirmou que "desenvolvimento sustentável" é o "atendimento das necessidades das gerações atuais, sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades das gerações futuras". O termo, que para muitos se refere apenas à gestão ambiental nas grandes empresas, tomou outras proporções ao também indicar uma gestão responsável não apenas do meio ambiente, mas com as pessoas e tudo o que se refere ao social. “Sustentabilidade” ganhou uma conotação muito mais holística no século XXI, adquirindo notoriedade como referência aos projetos ambientais das grandes organizações quando pressionadas pela sociedade a fazerem uma gestão sustentável sobre seus resíduos de produção, tornou-se um termo muito mais sistêmico e engloba não apenas a ecologia externa, mas também a ecologia interna, seja das pessoas, seja das empresas.

Como aplicar a sustentabilidade nas empresas modernas?
A consciência de uma empresa nasce em seus valores, que são os sustentáculos da cultura organizacional – o estilo de comunicação, o tipo de pessoas que recrutará e o padrão de liderança dos gestores. Por isso, para trabalharmos com o conceito de sustentabilidade temos primeiro que trabalhar com a cultura da empresa, seus valores, missão, visão. No meu livro Sustentabilidade nos Negócios - Valores, Comportamentos e Relações Humanas no Trabalho (Ed. Qualitymark), falo do uso dos valores humanos para a construção de uma empresa mais solidária e consciente, o que poderá ajudar a tornar a vida melhor na sociedade em que vivemos. Nisso, "sustentabilidade" passa a representar não apenas um modelo de gestão ecológica do meio ambiente, mas um modelo de gestão da ecologia interna que norteia as políticas de gestão de pessoas e suas estratégias de negócios. Existe um valor humano que considero ideal para a prática da gestão sustentável, que é a boa vontade. Este valor é uma das bases da mudança comportamental que devemos alcançar para termos sustentabilidades nas ações futuras. Boa vontade significa uma atitude de cooperação que transforma o amor em ação concreta. A boa vontade estimula a justiça e a honestidade nas pessoas, por isso é considerado um dos valores mais importantes para a sociedade humana contemporânea.

Sabemos que a liderança tem um papel fundamental no processo de conscientização para a sustentabilidade. Como os líderes das organizações que desejam aderir à sustentabilidade podem mobilizar os demais colaboradores para participar do processo?
Primeiramente, os líderes precisam se conscientizar da importância de uma gestão de pessoas sustentável, porque fazemos negócios com pessoas e para pessoas. Assim, a educação interna para uma mudança de valores é o princípio. Mesmo porque a visão sustentável não é uma técnica, é uma consciência. Segundo, para uma organização sobreviver e se desenvolver, necessita de inovações constantes para se revitalizar. O processo de revitalização acontece quando trabalhamos regularmente a cultura organizacional. Podemos revitalizar uma empresa mexendo em seus valores, alterando sua cultura. E como já disse antes, isso não é fácil porque sugere uma mudança de consciência. E todos nós sabemos da grande resistência para mudarmos. No entanto, valores como respeito ao próximo, compaixão, solidariedade, simplicidade, amor e tantos outros importantes para a boa convivência humana são fundamentais para a saúde biopsicossocial da empresa. Os líderes devem ser treinados para usar esses valores.

Qual o papel da comunicação nesse processo?

Nossa sociedade atual é baseada na informação, na comunicação de ideias. Mas informação não é formação. Dessa maneira, acho que a comunicação tem um grande desafio que é encontrar um modelo de informação mais substancial em tempos de urgências, onde as pessoas não mais leem e querem tudo muito rápido. Conscientizar as pessoas sobre a necessidade de um novo modelo econômico, social e ambiental que traga sustentação aos recursos naturais globais e qualidade de vida para todos no planeta é fundamental. Todo mundo sabe o quanto o modelo de produção das grandes empresas está sendo questionado nos últimos anos, em termo de “ecoeficiência”. Ou seja, a preocupação com questões como a emissão de menos poluentes, a redução da produção de lixo industrial, o menor gasto de energia, entre outras, é discutida em busca de soluções urgentes para a poluição que está ameaçando o planeta e as futuras gerações. A comunicação, seja em veículos da mídia ou internamente na empresa, é uma das principais ferramentas de conscientização das pessoas neste século, sobre todos estes assuntos.

Você considera que as organizações de hoje estão verdadeiramente voltadas para a importância da sustentabilidade, como diferencial no mercado?
Não. A maioria das empresas ainda não adotou verdadeiras práticas sustentáveis. Os projetos nessa área ainda são muito tímidos diante da urgência em nos encontramos. A maioria adota práticas superficiais, projetos para venderem sua imagem à sociedade. Existe muito mais propaganda do que verdade nos projetos que conheço. Claro que existem empresas conscientes e preocupadas com o meio ambiente, com as pessoas, com a sua comunidade. Mas, infelizmente, ainda são poucas… Acredito que ainda não existe a verdadeira consciência por parte das empresas por falta de uma mudança na mentalidade dos lideres em relação aos negócios. A urgência dos resultados financeiros, dos lucros, ainda impera. Mas agora não se trata mais de “marketing”, se trata de sobrevivência mesmo! Sobrevivência não apenas do planeta, mas dos negócios, afinal os consumidores estão cada vez mais antenados e exigentes quanto à responsabilidade das empresas em sua comunidade e com o meio ambiente. E em nossa sociedade da informação, ninguém esconde mais nada. Assim, atenção senhores gestores, sejam verdadeiros em seus discursos. O cliente não perdoa ser enganado!

Diante da grande demanda do mercado por empresas cada vez mais voltadas para práticas sustentáveis, o que as ações sustentáveis podem representar no resultado final das empresas?
Os resultados para uma empresa que tem uma visão sustentável são enormes! Creio que a prática sustentável já é um modo de vida, ainda não totalmente vivenciado por todos, mas a velocidade e a intensidade das mudanças ocorridas nos últimos anos são surpreendentes. Assim, embora as ações sustentáveis da maioria das empresas ainda sejam tímidas, elas estão procurando se adaptar ao mundo dos negócios globalizados e ecologicamente corretos, um cenário que exige uma visão competitiva aliada a um comportamento cooperativo. Essa realidade mostra a necessidade das empresas de buscarem formas criativas e alternativas de negociação para obterem lucratividade. Práticas de negociações ilícitas como as que detonaram a recente crise no mercado americano que varreu o globo não serão mais aceitas. Por isso já se fala muito em mudanças radicais no modelo econômico vigente.

Fazendo-se um comparativo com as organizações de países desenvolvidos, o marketing socioambiental no Brasil apresenta características agregadoras, independente da demanda do mercado, ou ainda é visto como ação corretiva para a ampliação de mercado das empresas?
O Brasil tem uma cultura agregadora. O pensamento de sustentabilidade nos negócios visa aliar o lucro com a responsabilidade social e ambiental. E para isso a atenção aos recursos humanos e naturais como forma de gerar lucro é o desafio das empresas que buscam prosperar e construir uma boa imagem para os seus clientes, sem deixar de serem responsáveis pelo futuro das próximas gerações. A questão agora é uma mudança verdadeira de consciência por parte das empresas, que no século passado foram mestras na produção de bens diversificados e criaram o marketing para incorporar fatores como preço, qualidade, serviços e inovação tecnológica ao consumidor, numa corrida maluca para ganhar o cliente. Essa mentalidade fortaleceu a cultura da competição extremamente agressiva e predatória, onde todos os valores morais foram postos em cheque, principalmente com o cuidado no trato com a vida, com as pessoas, com o planeta. A competição, centrada na lógica financeira de lucros crescentes, negou totalmente as conseqüências negativas para o meio ambiente, e, consequentemente, para a vida como um todo.

No seu livro você fala sobre a “desmassificação da produção de consumo”. O que isso significa e qual a influência da sustentabilidade nisso?
A transformação da mentalidade consumista de nossa sociedade é fundamental para colocarmos novamente a vida no centro de tudo. E isso é um paradoxo complexo, porque a nossa economia capitalista sobrevive do consumo: o que acontecerá com ela se pararmos de consumir? Esta pergunta também tem uma resposta complexa. Acho que tem a ver com a busca por um consumo com qualidade e não mais por quantidade. "Desmassificar" é uma nova consciência, de um consumo menos predatório. A solução é a mudança de valores gananciosos e totalmente voltados para o “ter mais dinheiro do que podemos gastar”. No livro, falo sobre o lucro acumulado pelas grandes empresas, que é exagerado e mal distribuído, fazendo do mundo um lugar desigual -- uns com muito, outros com tão pouco. Dessa forma, fazer uma empresa prosperar não é torná-la "a mais rica". Isso não passa de uma crença de que “quanto mais dinheiro tenho, mais forte serei”. A última crise econômica mundial provou que isso não é exatamente verdadeiro, afinal, as primeiras empresas a afundarem eram aparentemente ricas e sólidas! Acredito que desmassificar o consumo é a busca por algo mais intangível que os produtos comprados, como os valores humanos, o bem-estar social e a preservação do ambiente.

Geralmente vemos a aplicação de ações sustentáveis no ambiente externo
à empresa. E quanto ao ambiente interno, como a sustentabilidade pode ser aplicada?

O problema é que alguns empresários ainda fazem confusão com essa denominação. Eles acham que o termo "sustentabilidade" designa algo estanque, individualizado, do tipo "sustentabilidade econômica é gerar lucros", "sustentabilidade ambiental é proteger o meio ambiente" ou "sustentabilidade social é melhorar a vida das pessoas". Falta-lhes uma visão sistêmica. De um modo geral, podemos dizer que só é sustentável aquilo que se desenvolve contínua e sistemicamente. Por isso, uma gestão sistêmica é a base da Sustentabilidade Corporativa, uma vez que engloba vários aspectos do modelo de negócio a ser adotado, que vão do econômico ao social, do humano ao ambiental. É uma gestão sistemicamente integrada, onde as práticas da empresa compactuam com o planejamento estratégico, integrando objetivos, formas de produção, características dos produtos e relacionamento com todos os seus stakeholders.

Que dicas você daria para as pessoas que desejam levar o conceito de sustentabilidade para ser discutido e aplicado nas empresas onde trabalham?
Neste meu livro tem uma passagem onde falo que tudo é uma questão de valores internos e educação para a busca da paz, um sentimento que nos deixa solidário(a)s e capazes de usar a política de sustentabilidade: “Ao educarmos nossa mente e emoções para a tranquilidade, menos hostilidade, serenidade de espírito, harmonia interior e conciliação, estaremos nos educando para a paz. Esse processo pode começar no que alguns chamam de Pedagogia da Cooperação, uma prática baseada em três movimentos:
1. Convivência: vivenciar o compartilhar é fundamental para a aprendizagem social. É preciso entender o Outro para nos reconhecermos neste Outro;
2. Consciência: ao criarmos um clima de cumplicidade com os outros, podemos refletir sobre a importância da convivência e sobre as possibilidades de modificar nossos comportamentos e relacionamentos;
3. Transcendência: é a disposição para dialogar, decidir em consenso, experimentar as mudanças propostas e integrar nossa vida, que provoca as transformações interiores desejadas.
Na visão holística da vida, as evoluções ocorrem de dentro para fora, sempre do pequeno para o maior, ou do indivíduo para a sociedade. Assim, o processo de aprendizado de novos valores indispensáveis para um ambiente de cooperação e paz começa em nós mesmo(a)s. Da mesma forma que aprendemos a correr, a andar, falar, escrever, podemos aprender a cooperar. Mas esse aprendizado não é intelectual: somente praticando a cooperação em diferentes condições -- no cotidiano pessoal, grupal, social, profissional -- é que aprenderemos a nos relacionar de forma cooperativa. Essa é a verdadeira revolução no ambiente de trabalho.” (fim da passagem do livro).

E quais as dicas para que as pessoas apliquem a sustentabilidade em suas vidas particulares?
Para temos sustentabilidade na vida, temos que ter ações coerentes com a nossa missão pessoal. Dessa maneira, devemos nos conhecer melhor para podermos realmente alinhar o nosso Sentir aos nossos Pensar e Agir. Ou seja, normalmente nós sentimos de uma forma, pensamos de outra e agimos, muitas vezes, totalmente em desarmonia com o que sentimos e pensamos. Resolver isso é fundamental para trabalharmos o nosso todo de forma integral: corpo/mente/emoções/espírito. Olhar a vida de forma integral requer uma mudança de valores, pois isso nos traz a consciência que de que somos todo(a)s interligado(a)s, o que eu faço ao Outro retorna, de alguma forma, para mim. E aí não há nada de misticismo! É Física Quântica… Tá, eu sei que a maioria acha isso tudo uma bobagem, mas reconhecer a importância de um bom relacionamento é vital para a nossa natureza humana. Sempre afirmo que um relacionamento ético e afetivo é a base do equilíbrio para a nossa existência, e não apenas um ideal de vida: devemos nos espelhar nos grandes filósofos e pensadores, em Mestres da Humanidade como Cristo, Buda, Confúcio e muitos outros, que mostraram que a correta relação entre os seres humanos traz paz e saúde integral para todo(a)s -- as pessoas e o Planeta Terra.

*A psicoterapeuta, coach, palestrante e consultora em Desenvolvimento de Pessoas Isa Magalhães é formada em História, Psicologia Transpessoal e Coach pelo Integrated Coaching Institute, com pós-graduação em Gestão de Pessoas pela FIA / USP. Seu foco profissional inclui treinamentos comportamentais nas áreas do Autoconhecimento, Relacionamento Interpessoal, Criatividade, Negociação, Liderança e Motivação. Desenvolve projetos em RH Estratégico e Qualidade de Vida no Trabalho com a visão biopsicossocial nas organizações, tendo entre seus clientes empresas como Correios, Oi, SEBRAE, Petrobras, Porto Seguro e Avon, entre outras. Autora dos livros “Psiu, o síndico pode estar ouvindo" (contos) e “Manual de sobrevivência ao medo” (Ed. Universalista), “Gestão holística de pessoas – Qualidade de vida e bem-estar no trabalho” (Ed. Flora Nativa), além do volume acima citado, teve publicada esta sua entrevista inicialmente em www.pontomarketing.com

SAIBA MAIS
http://isamagalhaes.com.br

28 junho 2010

POESIA EM PRANTO SECO

O recifense José Almino*


Feita de palavras “arrancadas do que passa e não importa”, a poesia de A estrela fria canta o longínquo, presentificado por lampejos de uma “saudade de pedra” que “jaz no fundo do poço”, mesmo sob o “azul do mais azul dos sóis a pino”.

Da saudade, seja ela de um amigo morto ou da própria infância, José Almino constrói uma “vida a retalho”, feita de centelhas do passado que se manifesta, por epifanias, embora seja ausência que “inundará minha alma”. Os estímulos do dia, por mais passageiros ou ínfimos – como a “carícia da poeira” –, “trazem a eternidade da infância esfacelada”.

Ainda há lugar para a "saudade" na poesia? Como mera manifestação da função emotiva da linguagem, pode-se dizer que não. Mas quando se leem os poemas de Almino, a nostalgia que os impregna parece partir-se em reflexos de um eu multiplicado (ou dividido), em muitos eus que não encontram seu lugar e o buscam num tempo de passagem, a unir lembranças que adquiram sua permanência não nos seres, mas nas palavras.

Não há mais coisas, porque estas se vão, se foram; as palavras são apenas "sombra das coisas", mas há o recurso de torná-las coisas para que as recordações se concretizem em novo mosaico feito e desfeito: “A infância se esfacela brutal/ diante dos olhos passados e adiante, no poema”.

Se a “água fria” lambe “nossos dias”, a lembrança será árida: biografia “inóspita como um bife malpassado”. Luta-se, sim, contra a saudade: “limpa, limpa/ limpa/ a puta/ desta nostalgia”; há, porém, a persistência dos momentos acumulados por teimosia: “Humilhado,/ triste, velho e burro./ Haja relho,/ haja orgulho.”

Como a infância no Recife, que teima em perdurar em palavra, mesmo quando se afirma o contrário (“um domingo enxuto,/ sem infância”), o tempo no exílio, vivido pelo poeta, resta-lhe como motor de sua melancolia seca, que se indigna com a própria existência, como na “Canção do exilado”, a evocar, em reverso, o Salmo 137.

A poesia de Almino, feita em versos livres, parece oscilar entre a prosa cotidiana eternizada e a poesia absorvida, enxuta; incorpora citações, faz suas as vozes que ecoam na memória, encaixando-as em ocos reservados nos próprios versos.

Mas há também, na forma, “citação” de medidas – um dos pontos altos desta poesia que entende o amor como “um longínquo solilóquio” são estes versos heptassílabos: “E a tua boca é um traço,/ no mesmo prumo do riso,/ no mesmo desembaraço/ do teu olhar, sempre oblíquo,/ punhal aflito em ferida,/ sangrando bem na medida/ dessa saudade tão rara.”


*Natural de Tietê/SP, Marcelo Tápia é escritor, tradutor, ensaísta e editor. Por vezes solta a voz em canções celtas e promove o Bloomsday em São Paulo. A resenha acima foi publicada originalmente no caderno Folha Ilustrada, do jornal Folha de S. Paulo, sob o título "Poeta canta a saudade em retalhos".

07 junho 2010

ODE À SUSTENTHABILIDADE

Questão de lucro*



A onda agora é "sustentabilidade", depois de "qualidade total", "foco no cliente", "parceria", "inovação", "responsabilidade social" e etc. Todo mundo fala em sustentabilidade, as propagandas informam como as empresas estão interessadas no assunto e grandes debates, como o da hidrelétrica de Belo Monte, têm o tema em suas raízes.

O conceito é muito bom e foi usado pela primeira vez em 1987, por uma política e médica norueguesa chamada Gro Harlem Brundtland. Ela escreveu num documento da ONU mais ou menos o seguinte:

"Sustentabilidade é o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender às suas próprias necessidades."

Muito bom mesmo, não é? Atuar no presente, cientes do nosso impacto e influência no futuro. Pois é. Então lembrei-me de que escrevi, anos atrás, um texto chamado "Coração empresarial", no qual eu dizia:

"Nas minhas andanças pelos EUA no começo dos anos 1990, em toda sala encontrei um quadrinho que falava da importância da diversidade (que é a necessidade de integrar as minorias -- negros, asiáticos, latinos etc., ao mundo dos brancos anglo-saxões). Fiquei encantado:

-- Puxa, as empresas estão entendendo que todo mundo é igual, que as diferenças de sexo, raça ou credo não tornam as pessoas mais ou menos dignas ou humanas.

Até que um alto executivo me explicou:

-- No futuro, aqui nos EUA, vamos ter muito mais negros, latinos e asiáticos. E essa gente só vai comprar produtos de empresas que empreguem gente igual a eles. E, se não começarmos a integrar essa gente, então no futuro não vamos conseguir vender para eles...

-- Ué, mas não é uma questão de valores humanitários, de entender que todos os homens são iguais, de não ter preconceitos?

-- Não. É uma questão de lucro."

Aquilo foi uma porrada! Eu era apenas um pobre jovem executivo idealista brasileiro, cheio de boa-vontade, sendo exposto à dura realidade: na briga dos valores morais com o lucro, quem se ferra é a moral.

Pois então... Sabe o que mudou desde que escrevi aquele texto? Só os modismos. E sustentabilidade é o modismo da hora.

Fazemos discursos maravilhosos, especialmente quando envolvem valores morais, mas apenas somos capazes de adotar pequenas ações táticas focadas na eficiência e que tenham resultados mensuráveis no curto prazo.

Coleta seletiva, uso de papel reciclado, economia de água, economia de energia... Essas ações são mais do que boas, são necessárias. E é ótimo que cada vez mais gente adote esses procedimentos, mas...

Sustentabilidade é muito mais que pequenas ações táticas. Sustentabilidade não pode ser comprada. Não é um modismo. Não é "invenção dos caras do meio ambiente".

Sustentabilidade, assim como a liberdade, não é uma "coisa", é uma relação. E a maioria das pessoas não está preparada para ela.

É sobre isso que falei no dia 18 de maio em São Paulo, na palestra "SustentHABILIDADE", realizada gratuitamente para convidados. Quis e quero provocar uma reflexão sobre nossa capacidade de fazer com que esse novo modismo não seja apenas mais um modismo.

Mais informações em www.istoelider.com.br


*Luciano Pires é jornalista, escritor, cartunista e palestrante


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www.lucianopires.com.br



24 maio 2010

TIPOS DE TEMPO

O intruso da casa*



Um tortuoso hábito de reflexões me pôs a pensar nos objetos que detestamos, mas que por alguma razão somos obrigados a possuir. Pois, de todos os pertences impostos, o mais antipático talvez seja o relógio.

Provavelmente a infância acaba no momento em que se aprende as horas. Na mais tenra idade, uma criança tem a liberdade de acordar pela manhã sabendo apenas isso: que é manhã.

Não precisa, como os adultos, saber que são 6h15min, que é preciso tomar o café durante três minutos, depois um banho de, no máximo, 10 minutos, para perder sabe-se lá quanto tempo rumo a um destino previamente agendado.

Argumentem que a culpa não é dos relógios, mas do sistema de obrigações que nos força a atividades cronometradas. Esse raciocínio com certeza é lógico, mas não me convence.

Para mim, o instante em que se posta um filho diante do grande relógio da sala, a lhe ensinar os mistérios do tempo, é decisivo. Instalar a noção abstrata (e absurda) de que cada espaço entre um risco e outro representa cinco minutos, força um amadurecimento repentino.

Algo interrompe todo o fluxo imaginário que permitia à criança associar aquele instrumento com um círculo contendo dois bracinhos, rascunho de boneco ou brinquedo secreto. A perda desse potencial imaginativo ocorre em paralelo com uma redução do próprio conceito de "dia".

Se antes esse período significava uma passagem suave entre as palavras "manhã", "tarde" e "noite", depois do aprendizado a criança resume o dia em números, de acordo com as horas. Viver regulado(a) por algarismos, e não mais por imagens, é a grande perda nesse processo.

O abandono da infância acontece com essa aceitação do tempo como algo calculável. No instante em que negamos as outras possibilidades -- tão mais belas e criativas -- para sentir a passagem de uma existência, viramos coisas previsíveis e funcionais, tão monótonas quanto um tic-tac.

Tive dificuldade em aprender as horas. Talvez já adivinhasse que esse tipo de iniciação me roubaria a inocência. Até os 11, 12 anos, tinha de usar relógio digital para evitar o vexame, se alguém me perguntasse o horário.

E mesmo assim, usava com má-vontade aquela pulseira -- sentia o seu caráter de algema: o tempo me carregava pela mão, me obrigava a seguir a trilha dele. Por isso é que, ainda hoje, a primeira providência que tomo quando chego em casa é me soltar do relógio de pulso, para sentir as batidas cardíacas liberadas.

Sim, admito que sou um pouco dramática. Reconhecer essa característica me faz flexível, e acabo seguindo as velhas convenções. Embora não concorde com a escravização que o tempo -- assim representado por um mero objeto -- ordena, obedeço a ela, chegando pontualmente a meus compromissos.

Já em casa, território que considero único, tenho três relógios, e cada qual indica um horário um pouco diferente do outro. Para confundi-los, gosto de atrasar a hora de um, adiantar a do outro... É o meu modo de mostrar (para eles e para mim mesma) que não sou totalmente submissa e que conheço também outros tipos de tempo.


* Tércia Montenegro é escritora, fotógrafa e professora da UFC-Universidade Federal do Ceará (image by Ossi -- "Generations in the course of time")

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http://literatercia.blogspot.com

03 maio 2010

SUPERIORIDADE FEMININA

Intimidade íntima*



Nos últimos meses, tenho debatido com meus alunos e amigos uma ideia que tem me chamado a atenção: o fato de as mulheres reclamarem de que não conseguem ter intimidade com os respectivos maridos ou namorados.

No entanto, quando pergunto o mesmo para os homens, eles acham que têm, sim, intimidade com suas parceiras — com quem compartilham momentos que consideram muito íntimos, como fazer sexo, beijar, carinhos, ficar nu.

Para eles, a intimidade é da ordem do corporal, do toque, da visão. É uma intimidade sexual. É uma intimidade física.

Elas reagem: esta não é a verdadeira intimidade, não é uma intimidade íntima. Intimidade, para elas, é um tipo muito particular de estar juntos, de conversar, de escutar, de compartilhar o silêncio, um nível mais profundo de comunicação psicológica. É uma intimidade emocional.

Para eles, a intimidade tem gradações, níveis, escalas. Eles podem ter mais ou menos intimidade, pouca ou muita intimidade, falar de um problema com alguns familiares e de outro com amigos.

Eles hierarquizam e medem a intimidade que têm com as pessoas, e classificam com quem podem (ou não) falar sobre mulheres, trabalho, futebol, política etc. É uma intimidade repartida, partida.

Para alguns homens, a intimidade é da ordem do segredo, do que pode ser dito apenas para aqueles em quem confiam (pais, irmãos, esposa, namorada, amigos) ou do que não pode ser dito para ninguém: "É algo só meu, do meu interesse".

Muitos disseram que só têm intimidade total consigo mesmos: que existem coisas que só podem e devem ser ditas para si próprios. Coisas que não interessam a mais ninguém, que devem ser guardadas, reservadas, protegidas.

Alguns homens me disseram que, quando estão com problemas no trabalho ou com a mulher, desabafam com o amigo, que diz: "Vamos beber". Consideram que, assim, conseguem esquecer o problema — o qual, efetiva e eventualmente, passa.

Já as mulheres, ruminam, por muito tempo, os seus problemas. Repetem exaustivamente a arquitetura dos mesmos conflitos, sem buscarem uma solução. Nenhuma me disse que adota a tática do "Vai passar! Vamos beber e esquecer!"...

Pois é, os homens querem esquecer, e as mulheres relembram incessantemente. Eles querem resolver o problema, de preferência muito rapidamente. Elas querem refletir sobre o problema, sem necessariamente resolvê-lo.

Os familiares e amigos íntimos são fundamentais para reforçar tanto a postura de resolver como a de refletir sobre os problemas. Os homens têm uma visão prática da intimidade. É uma intimidade objetiva. Já as mulheres têm uma percepção reflexiva da intimidade. É uma intimidade subjetiva.

Para as mulheres, a intimidade parece estar relacionada a uma forma específica de conversar, não ao seu conteúdo. É uma intimidade sem gradação, nível, escala. Ou se tem, ou não se tem intimidade. É uma intimidade única.

É um jeito de falar sobre si, e de ser escutada pelo Outro. Sem interferências, sem medo de ser julgada, de ser rejeitada, criticada, ironizada. É um tipo de conversa especial, de entrega singular, de quem fala e de quem escuta.

É uma conversa em que existe aceitação, respeito, troca, apoio. Em que os dois podem ser vulneráveis e revelar suas fragilidades e medos. Pode ser uma intimidade silenciosa.

O importante é que não exista ruptura, ruído, atrito, neste tipo de encontro. Uma intimidade singular, especial, a dois. Que não necessita de um tópico especial ou de um segredo.

É um jeito muito particular e valorizado de falar e, principalmente, de ser escutado(a). O Outro deve ser maleável, flexível, adaptável, para saber como ser passivo, e simplesmente escutar sem interferir, ou, quando necessário, ser ativo e dar algum tipo de resposta.

Um nível profundo e psicológico de comunicação e de reciprocidade. É a intimidade íntima. Coisa que — elas dizem —, os homens são incapazes de compreender.

É possível perceber que as mulheres falam de si mesmas como se fossem superiores aos homens, neste domínio tão valorizado por elas e tão pouco elaborado na vida deles. Elas se consideram mais sensíveis, maduras e profundas do que eles, que são vistos como mais carnais, físicos, sexuais.

A intimidade íntima parece ser um privilégio e, também, um poder feminino. O que mostra que as mulheres podem exercer dominação exatamente nos domínios em que constroem e hierarquizam diferenças de gênero. Domínio em que os homens são esmagados pela superioridade feminina.

É interessante pensar que esta onipresença da ideia de intimidade nas minhas pesquisas pode ser parte de um discurso de dominação, que legitima o poder feminino em tudo o que se relaciona ao mundo privado, ao mundo das emoções, dos sentimentos e das relações entre os gêneros.



*Mirian Goldenberg é antropóloga, professora da UFRJ e autora de "Infiel: notas de uma antropóloga" (Ed. Record)

29 abril 2010

NÃO VALE UM CIBAZOL

Desprezada cidadania*



Abri a janela de par em par, com uma solenidade exuberante e magnificente. E foi então, nesse instante exato, preciso, que se abateu sobre mim uma clareza estonteante e assustadora a respeito de tudo, uma clarividente lucidez que se poderia chamar de obscena.

Afinal, quase sessenta e um anos no mundo, quase sessenta e um anos de batente, de janela, de praia. Se eu ainda não conseguisse sacar nada da vida que vivo e que vivemos, eu nada mais seria do que o mais profundo poço de obtusidade.

Porém, claro que aprendi alguma coisa sobre mim e sobre a vida. Ah, como difícil é, estonteante até, desesperador (posso dizer) a gente sobreviver em um valhacouto continental de saqueadores eméritos do dinheiro público, de bucaneiros de nossa desprezada cidadania.

Também, o que desejar de um país, de uma nação em que a vida de um cidadão não vale um velho Cibazol? O povo brasileiro me parece sofrer de uma vocação inenarrável e retumbante para ser órfão ou vítima do poder em todas as esferas, sejam oficiais ou marginais.

Nesse ínterim, só para não perder o embalo, sempre é bom lembrar que o funcionário público, de um modo geral, vai virando um bicho de uma espécie em extinção, coitadinho. Sim, por que hei de negar uma verdade irrefutável e dolorosa?

O funcionalismo público, de calças na mão, o cinto apertado até o último buraco, de corda no pescoço, ajoelhado num tamborete perneta e se afogando de remorsos mil e tardios por não haver se rebelado a tempo.

Cada dia mais me convenço de que não existe nada no mundo comparável ao desamparo do cidadão a esta triste altura, embora uma ciranda de lantejoulas enfeitada, engalanada. O povo é o pior cego, o que não quer ver nada além de suas desgraças, de suas ilusões perdidas e traídas.

Ponho Miles Davis na vitrola, acendo um cigarro imaginário e chego à conclusão de que o jazz possui a milagrosa capacidade de atenuar-me as tensões do corpo e da mente, de suavizar as minhas angústias ou de aguçá-las de um modo insuportavelmente belo, belo.

Fico olhando velhas fotografias amareladas de meus desdobramentos celulares e descubro que meus filhos cresceram rápido demais, como todos os filhos, e me fazem perguntas demais sobre como fazer para viver num país melhor, sem a saída do exílio.

E cada vez mais descubro que menos vou sabendo respondê-las.


*Médico psiquiatra e escritor, Airton Monte é cronista de sua época, um colunista do Jornal da Praia desde a década de 1980. O Cibazol, antigo remédio para aliviar a dor, foi retirado de circulação pelo Ministério da Saúde



06 abril 2010

MODA SUSTENTÁVEL

Têxteis com origem ética*



Sabe aquela camiseta de algodão natural guardada no seu armário, que traz uma mensagem amigável, insígnia de banda de rock ou opinião política?

Na verdade, essa camiseta pode ser a roupa mais ambientalmente tóxica que você possui. Só para começar, lembremo-nos de que, no Brasil, são produzidas cerca de 450 milhões de peças de camisetas por ano.

De acordo com um estudo do IISD-Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, para confeccionar na China uma camiseta de 250 gramas utiliza-se, em média, 160 gramas de agrotóxicos.

Uma pesquisa do Departamento Agrícola dos Estados Unidos aponta ainda que cerca de um terço dos pesticidas e fertilizantes produzidos no mundo são pulverizados sobre o algodão.

A OMS-Organização Mundial de Saúde afirma que 25% dos inseticidas produzidos mundialmente são utilizados na plantação do algodão -- e quase metade deles são extremamente tóxicos.

O Aldicarbe (ou Temik 150) é, por exemplo, o segundo pesticida mais utilizado na produção de algodão mundial. Apenas uma gota dele, absorvida pela pele, é suficiente para matar um adulto.

Um levantamento do IISD, realizado em conjunto com o Centro para o Desenvolvimento Sustentável e o Meio Ambiente da Academia Chinesa das Ciências Sociais de Beijing, revela que o algodão está no topo da lista de produtos que precisam de controle ambiental.

Com isso, chegamos enfim a concluir que a água e os agrotóxicos utilizados no cultivo de algodão, os resíduos deixados nos rios e os restos despejados em aterros fazem com que o ciclo de vida da sua humilde camiseta de algodão tenha deixado um gigantesco rastro ecológico.

É por isso que celebridades, como o compositor/cantor Jason Mraz, apareceram na entrega dos Grammys usando ternos de plástico reciclado. Mas o movimento de "ecologização" da indústria da moda levanta uma pergunta ainda mais relevante: o que seria a moda sustentável?

Para encontrar respostas coerentes e práticas, é necessária a opinião de profissionais do lado menos atraente da indústria da moda, como pesquisadores ambientais e engenheiros de produção especializados na fabricação de tecidos, envolvidos em estudos de impacto ambiental.

No desenvolvimento de uma peça de roupa verdadeiramente orgânica, que não seja financeiramente exorbitante, designers, estilistas e consumidores de moda precisam trabalhar em conjunto com profissionais especializados em gestão de sustentabilidade.

No entanto, para ser qualificado como orgânico, o algodão ou lã devem passar por inspeções e processos sofisticados, de forma a que não sejam contaminados por produtos químicos e substâncias tóxicas.

Porém, a indústria têxtil mundial ainda encontra grande dificuldade para definir os padrões de qualidade mínimos necessários à criação de um produto realmente orgânico e sustentável.

No Brasil, diversos produtores da Paraíba já trabalham com a IFOAM-International Federation of Organic Agriculture Movements, visando atender à legislação referente a produtos orgânicos da Comunidade Européia e dos Estados Unidos.

Em 2007, cerca de 7,5 mil hectares nos Estados Unidos foram dedicados à safra de algodão orgânico. E programas como o “North American Organic Fiber Processing Standards” já estão se popularizando junto à indústria da moda.

De acordo com projeções do site DataMonitor, o mercado varejista de vestuário no bloco BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) deverá chegar a US$ 253,6 bilhões em 2013. Por ser o principal produtor e importador de algodão cru e o maior exportador de tecidos de algodão e vestuário acabado do mundo, a indústria têxtil chinesa tem grandes interesses neste novo cenário.

Sendo assim, a China já está se organizando para estabelecer os requisitos necessários à obtenção de escala na cadeia de produção de roupas orgânicas. Vale lembrar que sua cadeia produtiva já passou por problemas que precisam antes ser resolvidos.

O avanço do vasto deserto de Taklimakan, por exemplo, cujas dunas engoliram cidades inteiras, apavorando os moradores dos subúrbios de Beijing, tem sido associado à produção industrial do algodão em larga escala na província árida de Xinjiang ocidental.

Para além da indústria têxtil, o universo da moda também está se mobilizando. No mês passado, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, em Genebra, Suíça, realizou a EcoChic: um desfile de moda sustentável, em que conhecidos designers criaram peças a partir de fibras naturais fabricadas de forma mais sustentável.

Em fevereiro de 2010, na Fashion Week de Londres, a exposição “Estethica” foi dedicada à moda ecologicamente sustentável. Em março de 2010, o Fashion Institute of Technology, em Nova York, uniu forças com a Universidade de Delaware e com a escola Parsons de design para montar uma exposição de moda sustentável, intitulada "Passion for Sustainable Fashion", na qual os estudantes criaram roupas com matérias de origem ética e matérias-primas ecologicamente neutras.

Outra alternativa seria o processo de reaproveitamento de produtos descartados, como o Upcycling, do qual o terno de Jason Mraz é um bom exemplar. O problema é descobrir como fazer o Upcycling em escala comercial.

Em tudo isso, o mais importante é a conscientização de que "sustentabilidade" não se trata de modismos passageiros e sim de um assunto que deve ser abordado de forma séria e coerente.

*Carolina Cabral Murphy é pesquisadora da Columbia University e fundadora da MicroEmpowering.Org, sediada em Nova York (EUA)

**Imagem do Taklimakan -- o "deserto de onde não se volta" --, postada na web por Lilian Hellmann: 350 mil km2 de areias escaldantes




24 março 2010

"NÃO!" À RENDIÇÃO

Crise civilizatória*



As relações políticas são regidas por uma natureza especial, que é a conquista do poder. Nesse particular, diferem bastante das relações humanas comuns -- que são geridas pelos impulsos da paixão.

A política no mundo capitalista moderno tem se movido destruindo as bases que sustentavam as teorias políticas prevalecentes até o crepúsculo do século passado. O século XX foi um retrato da decadência dos pilares em que se estruturava a dinâmica e a evolução do progresso humano e político.

Ao mesmo tempo em que se valorizavam os princípios democráticos, na busca de eternizá-los e torná-los universais, desmanchavam-se pelas mãos invisíveis dos macrointeresses das corporações mundiais as partículas e os núcleos genéticos do fazer e realizar a política.

Daí a decadência dos partidos políticos e a mutação social advinda do crescente enfraquecimento da classe operária, desenraizada da vanguarda revolucionária, derivado dos avanços tecnológicos. O novo mosaico apagou o papel imaginado de força inata revolucionária, que tanto adubou o pensamento científico e utópico libertário de muitas gerações.

O mundo mudou de rotação e os velhos pensamentos pereceram pelos (des)caminhos inusitados da História. A crise mais retumbante é a da paralisia do pensamento intelectual acerca da complexa realidade.

Os utensílios conceituais que confortavam os intelectuais são hoje peças obsoletas, geradoras de perplexidade diante da marcha insensata dos acontecimentos. Há um sentimento de solidão no mundo, uma busca de refúgio nos esconderijos do individualismo. E, quando muito, uma tendência a se deleitar nas catedrais da distração do consumo.

As coisas banais da vida passam a ganhar relevo, tomando o precioso tempo da engenhosidade humana de compreender e transformar o mundo. Vivemos dos pequenos ódios, das alegrias fabricadas e da sede inconsequente de levar vantagem em tudo.

É uma crise civilizatória que atinge de cheio a nossa capacidade de raciocínio e imaginação. Há um vazio pairando no ar, que nos paralisa diante da bestialidade dos debates públicos e das mediocridades da vida privada.

A afetividade das relações pessoais se esfacela, gerando falta de generosidade e humanismo. Existe algo estranho dominando o comportamento humano, fazendo definhar a amizade, o carinho e a família.

Tudo parece ter virado um grande balcão de negócios, no pulsar egocêntrico do universo público e da intimidade. Talvez seja o apogeu da crise dos valores éticos e da decadência humana para enfrentar os grandes desafios históricos e das relações sociais.

Os parlamentos não mais traduzem os anseios coletivos, os partidos políticos viraram isopor, sem cheiro e sem sabor, boiando numa galáxia de interesses de corporações econômicas danosas. Discute-se o nada, propõe-se o inexistente e adiam-se as grandes decisões.

Não obstante, é tempo de repensar os passos, as instituições e a constituição de lideranças legítimas e enraizadas por esses novos eflúvios da contemporaneidade.

Antes, é preciso organizar o sentimento de perplexidade e apatia diante do caos que domina os destinos da humanidade. É insuficiente a crítica improdutiva e a fuga da salvação pessoal e da banalização dos afetos.

Os seres humanos não podem perder sua essência gregária. Não podemos nos render ao processo de desumanização, que só interessa às máfias bélicas e da guerra e ao mercado das drogas, que hoje avançam no domínio do poder.

*Fernando Cartaxo é sociólogo e jornalista