23 maio 2006

BIODIVERSIDADE

Carnaubais protegem o solo

A carnaúba (Copernicia prunifera) é uma palmeira nativa da região semi-árida do Nordeste brasileiro, onde os carnaubais integram as matas ciliares das planícies hidrográficas. A espécie é de fundamental importância para os rios, ao servir ambientalmente para a conservação e proteção do solo, evitando processos erosivos, favorecendo o controle das cheias e abrigando uma diversificada fauna. As características pedológicas (solos de aluvião areno-argilosos dos vales fluviais), a disponibilidade de água associada ao fluxo fluvial (rios e drenagens secundárias) e a sazonalidade climática definem as condições ecodinâmicas e o habitat adequado para desenvolver os grandes bosques de carnaúba, que ocorrem ao longo do curso inferior dos principais sistemas fluviais do Ceará.

Afastam-se da margem dos rios quando se inicia um ambiente fluviomarinho e o fluxo do rio é regido pelas oscilações diárias das marés, dando lugar aos manguezais. As maiores concentrações, abrangendo áreas de grande importância para a biodiversidade do semi-árido, encontram-se nos vales dos rios Jaguaribe, Acaraú e Coreaú. Bosques com menores dimensões, mas de elevada importância ecológica e sócio-ambiental estão associados aos vales dos rios Aracati-Mirim, Curu, Ceará, Pacoti, Choró e Pirangi. São bioindicadores de ambientes de várzea, com uma vasta mata ciliar a eles associada.

Como principal produto de exportação entre os anos 1940-1960, a cera de carnaúba e as atividades de manejo para a sua exploração estiveram vinculadas ao desmatamento de grande porção dessa mata ciliar. Segundo estudos realizados pelo mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente Oscar Arruda D’Alva, do Instituto Sertão, mostram que, com a valorização da cera de carnaúba a partir do século XIX, os carnaubais passaram a merecer cuidados e receber roçados mais freqüentes — o que há tempos vem impedindo a regeneração de outras espécies arbóreas nativas, eliminadas também pela retirada de madeira para as mais diversas finalidades.

A partir de 1970, com a instalação de projetos agropecuários — notadamente nos vales dos rios Jaguaribe e Acaraú — grande parte dos bosques de carnaubal foi desmatada e comunidades que sobreviviam do extrativismo da cera e da palha da carnaúba viram-se fortemente impactadas em seu modus vivendi. Mais recentemente, com a chegada da indústria do camarão (carcinicultura), a degradação foi ampliada. No baixo curso do Jaguaribe uma área de aproximadamente 700 hectares sofreu o impacto direto dessas atividades.

A mineração de areia e argila ao longo dos terraços fluviais também promoveu o desmatamento dos carnaubais e alterações profundas nas estruturas da paisagem (solo, morfologia, mata ciliar e fauna). Quando os impactos associam-se aos demais danos responsáveis pela degradação das bacias hidrográficas — desmatamento do manguezal, poluição e contaminação da água por efluentes industriais e domiciliares, desmatamento de nascentes, erosão das margens dos rios e assoreamento dos canais fluviais que causam inundações, entre outros — verifica-se que as diversas formas de utilização dos recursos naturais não levam em conta a importância ambiental para as futuras gerações.

Estamos diante de um movimento crítico para a sobrevivência dos bosques de carnaúba* do Ceará e de toda a composição paisagística, cultural e social a eles vinculada. A criação de unidades de proteção integral e de uso sustentável, interconectadas com as demais bacias hidrográficas e matas de transição representariam os primeiros passos para assegurar minimamente a permanência desse importante ecossistema. Deverão estar associadas à manutenção das atividades tradicionais de extrativismo sustentável, ao respeito cultural e saberes especializados das comunidades tradicionais.

SAIBA MAIS
O colunista Jeovah Meireles é geólogo, doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona e professor do Depto. de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC)
meireles@ufc.br


* A carnaubeira integra a família palmae, a mesma de palmeiras como o coco e o babaçu. Chamada “árvore da providência” em função dos seus atributos, os índios a consideram sagrada e até hoje a reverenciam em cerimônias, cânticos e contos. Conforme o cacique Dourado Tapeba, a Festa da Carnaúba comemora todo novembro às margens da Lagoa do Tapeba (Município de Caucaia, Grande Fortaleza), um momento de encontro, celebração e fortalecimento da tradição da retirada da palha da palmeira, usada na confecção de redes, cordas, cocares e na cobertura de suas ocas. Os índios ainda produzem e comercializam a cera da carnaúba, utilizada na fabricação de vinil.


Na língua Tupi, “carnaúba” quer dizer “árvore que arranha” – referência aos pequenos espinhos no pecíolo e à aspereza do tronco, parcialmente coberto por sulcos em forma de hélice. Fornece palmito e frutos a homens e animais. O coquinho, chamado “ameixa”, é fonte de óleo, substituindo o café depois de torrado, e ainda serve de ração. As raízes têm propriedades antiinflamatórias e cicatrizantes. A madeira é usada na construção de casas, cercas, postes, pontes etc. Das folhas secas fazem-se chapéus, cestas, bolsas, esteiras e outros produtos, podendo também se obter celulose. A bagana é excelente adubo.

A maior lista de produtos e subprodutos pertence, porém, à cera. De cosméticos a polidores, revestimentos e lubrificantes, além de produtos de limpeza, cápsulas para comprimidos, papel-carbono, adesivos e filmes fotográficos, vem também sendo empregada em larga escala como isolante térmico de chips de computadores. A carnaúba é, pois, mais generosa que o boi — bicho do qual se aproveita tudo, menos o berro, conforme se diz nos currais. Mais em
http://www.uema.br/jornal_agronomia/terceira%20ed/index_arquivos/Page340.htm)

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