29 maio 2007

A INCOMPETÊNCIA BRASILEIRA - II

Uma análise beeem dolorida


Há cerca de 10 anos, participei de um debate no Instituto de Estudos Estratégicos de Lisboa, Portugal, com a presença de embaixadores, militares superiores, intelectuais, acadêmicos e outras personalidades de destaque. Um dos temas era vislumbrar a posição do Brasil no mundo, principalmente na América Latina. A partir desse evento, comecei a perceber, com mais nitidez, que o Brasil é um País incompetente.

No encontro, chegamos a uma conclusão: somos uma nação sem rumo no cenário mundial, carecendo de uma política externa amadurecida, inclusive no nosso próprio continente. Tive a oportunidade de afirmar que, caso o meu País tivesse juízo, uma elite esclarecida, intelectualmente bem-dotada, pensando estrategicamente, facilmente seríamos líderes dos sul-americanos e não ficaríamos imaturamente rodopiando sem foco, nos relacionando sofregamente com Uruguai, Paraguai, Argentina etc. que, juntos, talvez não cheguem ao tamanho do Brasil.

A economia de Santo Amaro (bairro paulistano), quando muito o ABC (também em São Paulo), possivelmente seria mais pujante do que a economia argentina. Até o Chile, considerado bem-sucedido (não pertence ao Mercosul) é uma tripa (basta olhar o mapa) no espaço geográfico, notabilizando-se pela vocação internacional exportadora. E o Brasil ainda patina no mercado externo.

A raiz desta nossa injusta inferioridade repousa na notória incompetência das elites nacionais, com dificuldade de pensar além do nariz. A partir dessa percepção, continuei observando a incapacidade nacional. Ao viajar pelo Brasil, a serviço ou como turista, deparo-me com outros sinais de incompetência. Por exemplo, um País imenso, dotado de ilimitadas riquezas e, por outro lado, parcela considerável da população passando fome. Daí a minha admiração e respeito pelo MST, único movimento cutucando a repugnante elite e responsável pelo andamento, mesmo tímido, da reforma agrária.

Fico pensando com meus botões: o que faz de concreto e eficaz a enorme estrutura do Ministério da Agricultura, das secretarias estaduais e outros órgãos afins para explorar as vastíssimas terras e saciar a fome da população? Outra ilustração da incompetência tupiniquim. Tenho dois amigos, ex-ocupantes do Ministério do Planejamento. Um da Universidade de São Paulo (USP) e outro do Nordeste. Perguntei a um deles: “Como tem sido a sua experiência no Planejamento?” Ele respondeu: “Uma riquíssima experiência”. E voltei a interrogá-lo: “Por quê?” Ele concluiu: “Porque meu ministério faz tudo, menos planejar. Enquanto isso, a China, Japão e diversos países têm projetos estratégicos para mais de 100 anos à frente”. Desdobrando esta resposta do ministro, veja a miopia, a vulgaridade da classe política.

Deputados, senadores, governadores de Estado, ministros, prefeitos, vereadores levam a vida batendo papo-furado, mormente em Brasília. Independentemente da conversa pobre de idéias, de conteúdo, de boas intenções, o teor do conversório é de curtíssimo prazo. Não conheço políticos refletindo no longo prazo. Predominam os papos no varejo, nas picuinhas. Com um agravante: discutindo interesses pessoais e imediatos.

Agora, vamos fazer um passeio superficial pela História do Brasil. O período Colonial plantou a incompetência. Os “descobridores” sequer tiveram nível para compreender a cultura indígena vigente. E cometeram uma falha imperdoável de querer impor aos silvícolas a cultura ocidental. Daí a reação violenta dos nativos. Ademais, o cotidiano na Colônia restringia-se aos senhores feudais concentrados somente nos ganhos financeiros e nas futilidades.

Do outro lado, os escravos e nenhuma imaginação em se aproveitar o potencial nacional. O Império, curiosamente, foi o período no qual o Brasil deu alguns avanços, sobretudo na cultura, nas artes, na literatura, em coisas intangíveis, mas para atender aos hábitos europeus dos reis. O povão ficou excluído desse tímido avanço intelectual e espiritual.

No entanto, um tempo caracterizado por uma elite ociosa que adorava unicamente os salões, festas, bacanais (vide o baile da Ilha Fiscal, quando o Império estava sendo desalojado), mais ociosidade, viagens, gastos. Mauá, considerado o maior empresário do século XIX, quebrou a cara porque colocou o Império para plantar uma árvore num de seus empreendimentos. Os estudos eram feitos em Coimbra, até porque o Brasil era desprovido de uma Universidade.

O Brasil começou a ter ensino superior no começo do século XX, com 400 anos de atraso. Enquanto isso, a Universidade de São Marcos, fundada antes do descobrimento do Brasil, fica no Peru, de onde se originou o eficaz Sendero Luminoso. A República Velha tinha nomes isolados de altíssimo respeito, cultos e muita cultura. Mesmo assim, o Brasil continuou avançando precariamente.

Em represália a esta República, surgiram sementes que plantaram a revolução de 30, liderada pelo Getúlio Vargas. O Levante do Forte de Copacabana, o tenentismo, a Coluna Prestes pareciam um bando de desorientados, apenas movido pelo idealismo conjugado com muita ingenuidade e com a meta simplista de derrubar o Presidente da República. De implantar o comunismo, socialismo, integralismo e outras macaquices ideológicas.

A Coluna Prestes, sob a liderança do Luís Carlos Prestes, não passou de uma viagem a cavalo pelo Brasil. Era desprovida de propostas, de projetos para equacionar os gravíssimos problemas nacionais. Não passou de uma aventura. Houve a revolução de 30, capitaneada por Getúlio Vargas, considerado no século XX um estadista. Porém, era um provinciano.

O maior percurso feito por ele foi de trem, de Porto Alegre até o Rio de Janeiro. Portanto, o homem que implantou parte da infra-estrutura econômica (vide Cia. Siderúrgica Nacional) era provinciano. No segundo governo da década de 50, suicidou-se depois de alcançar o nível de incompetência na administração dos conflitos dos partidos, notadamente a UDN (o PSDB de hoje), os militares infantilmente usados pela UDN, os empresários na busca das tetas dos Estados e outros descontentes manipulados pela imprensa da Direita.

Do Getúlio até à hora da elaboração deste artigo, tivemos o Juscelino em 56, mesmo um grande realizador, era engenheiro de obra, sem maiores luzes. A revolução de 64, mesmo com alguns progressos econômicos, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, único dos militares daquela época de horizontes de longo prazo.

Os demais, um desastre, salvando-se um pouco o Geisel, por ter promovido a abertura e tocado fogo nos radicais da Direita. Assim, nesse vôo panorâmico, fica patente a agressiva incompetência das lideranças políticas, governamentais. Debaixo desse pano de fundo, vêm as incompetências micro, das organizações publicas e privadas, objeto de próximos artigos.


VÁ ALÉM
O autor, Dr. Cleber Aquino, é professor da Universidade de São Paulo (USP), consultor de Alta Gestão e coordenador dos 6 volumes de História empresarial vivida – Depoimentos de empresários brasileiros bem-sucedidos (Editora Gazeta Mercantil, 1986 — busque em http://www.livronet.com.br/listagem/id_estante/1/pid/3)


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